sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Longa do Pablo Trapero recupera trabalho social de padres em favelas .

 
Trapero orienta Martina, sua mulher, Renier e Darín no set de “Elefante branco”, novo filme do diretor sobre a dura realidade argentina
Foto: Divulgação
 Trapero orienta Martina, sua mulher, Renier e Darín no set de “Elefante branco”, 
novo filme do diretor sobre a dura realidade argentina. Divulgação

Quando “Elefante branco” estreou nos cinemas de Buenos Aires, em maio passado, o filme do argentino Pablo Trapero, que chega às salas brasileiras nesta sexta-feira, disputou público em pé de igualdade com “Os Vingadores”, o blockbuster sobre a liga de super-heróis americanos. Um feito surpreendente para uma produção local, de orçamento modesto, sobre dois padres que lutam contra todas as dificuldades para implantar projetos sociais dentro de uma favela nos arredores da capital argentina.

— Foi uma boa surpresa, porque não se trata de um filme comercial, e seus protagonistas não são, necessariamente, personagens atraentes ao gosto popular. As comunidades miseráveis e violentas também não são um fenômeno novo na Argentina, ele só se agravou com a crise econômica de 2001. Mas acho que os argentinos estão começando a entender que é preciso ver o que está acontecendo com o país, e que o presente está relacionado ao passado — diz o diretor de 31 anos.

O título refere-se a uma construção faraônica, iniciada no final dos anos 1930, destinada a abrigar o maior hospital da América Latina, projeto abandonado pelos governos que se sucederam. O prédio virou abrigo para sem-teto e, eventualmente, acabou atraindo populações carentes, muitos vindo de fora da província, e até imigrantes pobres de outros países, dando origem a uma das mais populosas favelas da cidade, abrigo também de traficantes e usuários de drogas.

Nos anos 1970, durante a ditadura militar argentina, padres progressistas iniciam ações sociais na área, mas acabam encontrando oposição dentro da própria Igreja Católica e interferências do tráfico.

Dono de um cinema atento às realidade social do país, Trapero tenta problematizar todas essas questões na história do padre Julián (Ricardo Darín, ator-fetiche do diretor), que convida um amigo de longa data e de lutas sociais, o padre Nicolás (o belga Jéremie Renier, ligado ao cinema dos irmãos Dardenne), para ajudá-lo na construção de casas populares na favela. Nicolás acaba de sobreviver ao massacre de uma vila no interior da floresta amazônia, perpetrado por milicianos.

— Na Argentina dos anos 1970, havia dois tipos de Igreja, uma de direita, que apoiava os militares, e outra de esquerda, representada por padres argentinos e de outros países do Terceiro Mundo, que realizavam trabalhos sociais em fábricas e bairros pobres, em diferentes regiões do país. Os padres revolucionários eram vistos como párias por todo mundo; hoje em dia são reconhecidos por seu trabalho social. Julián é um herdeiro desse grupo — explica o autor de “Leonera” (2008) e “Abutres”(2010).

Sentimento de culpa

Coescrito por Trapero, Alejandro Fadel, Martín Mauregui e Santiago Mitre, “Elefante branco” entrelaça o drama social de uma comunidade inteira com os destinos de seus mais dedicados salvadores. Ao convidar Nicolás para ajudá-lo em sua missão paroquial, padre Julián, na verdade, tenciona preparar o amigo para substituí-lo como líder religioso dentro da comunidade. Ao mesmo tempo em que Nicolás nutre um grande sentimento de culpa por ter sobrevivido ao massacre e luta contra a atração que sente por Luciana (Martina Gusman, mulher do diretor e atriz de seus filmes), assistente social que apoia a causa de Julián, o jovem padre se envolve cada vez mais no dilema da construção de habitações populares, paralisado por falta de fundos do governo. Os problemas pessoais e comunitários acabam saindo do controle dos obstinados protagonistas, rumando para um desfecho trágico.

— O filme não é sobre nossa situação social em si, mas sobre personagens opostos, pessoas que vivem das tragédias dos outros — entende Trapero. — Aqui, os protagonistas dão suas vidas para melhorar a de outras pessoas menos favorecidas. Eles põe a própria vida em risco pela causa. Nos dias de hoje, essa atitude pode ser vista como ingênua, não só na Argentina, mas no mundo inteiro. Estão, portanto, mais próximos da ficção do que da realidade.

Embora tenha ganhado fama internacional contando histórias sobre o lado menos glamouroso da realidade argentina — “Elefante branco” faria parte de uma trilogia sobre o lado de Buenos Aires que não estão nos catálogos turísticos da cidade, iniciado com o filme “Leonera” —, Trapero foge do rótulo de cineasta militante. Refuta mesmo a ideia de uma ponte com os filmes de fundo neorrealista dos Dardenne, simbolizada pela presença de Renier no elenco de “Elefante branco”.

— Há uma grande tradição no cinema da América Latina de temas sociais e político. O que não gosto nesse tipo de cinema é quando os temas vêm antes do filme. Não sou uma sociólogo, um jornalista ou advogado para fazer uma denúncia. Já se fizeram muitos filmes que reclamavam sobre a realidade, e ninguém quis vê-los, porque não foram feitos da maneira apropriada. Cinema tem linguagem e regras próprias, elas têm que vir antes do assunto.
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