Trapero orienta Martina, sua mulher, Renier e Darín no set de “Elefante
branco”,
novo filme do diretor sobre a dura realidade argentina.
Divulgação
Quando “Elefante branco” estreou nos cinemas de Buenos Aires, em maio
passado, o filme do argentino Pablo Trapero, que chega às salas
brasileiras nesta sexta-feira, disputou público em pé de igualdade com
“Os Vingadores”, o blockbuster sobre a liga de super-heróis americanos.
Um feito surpreendente para uma produção local, de orçamento modesto,
sobre dois padres que lutam contra todas as dificuldades para implantar
projetos sociais dentro de uma favela nos arredores da capital
argentina.
— Foi uma boa surpresa, porque não se trata de um filme
comercial, e seus protagonistas não são, necessariamente, personagens
atraentes ao gosto popular. As comunidades miseráveis e violentas também
não são um fenômeno novo na Argentina, ele só se agravou com a crise
econômica de 2001. Mas acho que os argentinos estão começando a entender
que é preciso ver o que está acontecendo com o país, e que o presente
está relacionado ao passado — diz o diretor de 31 anos.
O título
refere-se a uma construção faraônica, iniciada no final dos anos 1930,
destinada a abrigar o maior hospital da América Latina, projeto
abandonado pelos governos que se sucederam. O prédio virou abrigo para
sem-teto e, eventualmente, acabou atraindo populações carentes, muitos
vindo de fora da província, e até imigrantes pobres de outros países,
dando origem a uma das mais populosas favelas da cidade, abrigo também
de traficantes e usuários de drogas.
Nos anos 1970, durante a
ditadura militar argentina, padres progressistas iniciam ações sociais
na área, mas acabam encontrando oposição dentro da própria Igreja
Católica e interferências do tráfico.
Dono de um cinema atento às
realidade social do país, Trapero tenta problematizar todas essas
questões na história do padre Julián (Ricardo Darín, ator-fetiche do
diretor), que convida um amigo de longa data e de lutas sociais, o padre
Nicolás (o belga Jéremie Renier, ligado ao cinema dos irmãos Dardenne),
para ajudá-lo na construção de casas populares na favela. Nicolás acaba
de sobreviver ao massacre de uma vila no interior da floresta amazônia,
perpetrado por milicianos.
— Na Argentina dos anos 1970, havia
dois tipos de Igreja, uma de direita, que apoiava os militares, e outra
de esquerda, representada por padres argentinos e de outros países do
Terceiro Mundo, que realizavam trabalhos sociais em fábricas e bairros
pobres, em diferentes regiões do país. Os padres revolucionários eram
vistos como párias por todo mundo; hoje em dia são reconhecidos por seu
trabalho social. Julián é um herdeiro desse grupo — explica o autor de
“Leonera” (2008) e “Abutres”(2010).
Sentimento de culpa
Coescrito
por Trapero, Alejandro Fadel, Martín Mauregui e Santiago Mitre,
“Elefante branco” entrelaça o drama social de uma comunidade inteira com
os destinos de seus mais dedicados salvadores. Ao convidar Nicolás para
ajudá-lo em sua missão paroquial, padre Julián, na verdade, tenciona
preparar o amigo para substituí-lo como líder religioso dentro da
comunidade. Ao mesmo tempo em que Nicolás nutre um grande sentimento de
culpa por ter sobrevivido ao massacre e luta contra a atração que sente
por Luciana (Martina Gusman, mulher do diretor e atriz de seus filmes),
assistente social que apoia a causa de Julián, o jovem padre se envolve
cada vez mais no dilema da construção de habitações populares,
paralisado por falta de fundos do governo. Os problemas pessoais e
comunitários acabam saindo do controle dos obstinados protagonistas,
rumando para um desfecho trágico.
— O filme não é sobre nossa
situação social em si, mas sobre personagens opostos, pessoas que vivem
das tragédias dos outros — entende Trapero. — Aqui, os protagonistas dão
suas vidas para melhorar a de outras pessoas menos favorecidas. Eles
põe a própria vida em risco pela causa. Nos dias de hoje, essa atitude
pode ser vista como ingênua, não só na Argentina, mas no mundo inteiro.
Estão, portanto, mais próximos da ficção do que da realidade.
Embora
tenha ganhado fama internacional contando histórias sobre o lado menos
glamouroso da realidade argentina — “Elefante branco” faria parte de uma
trilogia sobre o lado de Buenos Aires que não estão nos catálogos
turísticos da cidade, iniciado com o filme “Leonera” —, Trapero foge do
rótulo de cineasta militante. Refuta mesmo a ideia de uma ponte com os
filmes de fundo neorrealista dos Dardenne, simbolizada pela presença de
Renier no elenco de “Elefante branco”.
— Há uma grande tradição no
cinema da América Latina de temas sociais e político. O que não gosto
nesse tipo de cinema é quando os temas vêm antes do filme. Não sou uma
sociólogo, um jornalista ou advogado para fazer uma denúncia. Já se
fizeram muitos filmes que reclamavam sobre a realidade, e ninguém quis
vê-los, porque não foram feitos da maneira apropriada. Cinema tem
linguagem e regras próprias, elas têm que vir antes do assunto.
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