sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Morte anunciada de um canalha


Eduardo Levy*

A obsessão pela vida privada de ricos e poderosos

O americano não é mais curioso pela vida dos ricos e poderosos do que o brasileiro. Muito menos do que os italianos de Fellini, que popularizou o termo “paparazzo”, ou do que os ingleses, que definiram a audácia e violência com que o negócio hoje funciona. Sim, um negócio que paga centenas de milhares de dólares por uma foto escandalosa e tesouros de similar valor por fofocas que estimulem o interesse dos leitores e espectadores.
Mas os americanos desenvolveram a mórbida relação de amor e ódio com os famosos e a alimentam todos os dias. Fingem que não passa de boa intenção, de como veem em alguém caído no chão a oportunidade de oferecer segunda chance. Bobagem. O americano, em geral, não é bem-intencionado. Mas povo algum é mais rápido em afirmar o contrário. Eles adoram ver o acidente de trem de pertinho, gostam da morte anunciada, dos altos muito altos somente para a queda ser maior. Caso recente: Charlie Sheen.

Charlie Sheen enlouqueceu de vez há cerca de dois anos. Com histórico de exageros, era uma questão de tempo para que a bomba-relógio explodisse, acelerada pelo interesse do público e consequente sucesso de sua sitcom, “Two and a half men”. Quanto mais parecia se enrolar, mais atraía a atenção. Parou na cadeia diversas vezes, centros de reabilitação para dependentes de drogas e sexo (*), até que passou dos limites já dilatados, e o estúdio se viu obrigado a demiti-lo. Era, então, o ator mais bem pago da televisão, ganhando uma besteira de US$2 milhões por cada episódio.

O mundo de Charlie finalmente veio abaixo. Por um breve momento. Logo os tabloides e talk shows passaram a oferecer pequenas fortunas para que o ator desse entrevista. Seus agentes e assessores de imprensa criaram um monólogo baseado em suas aventuras com o qual Charlie percorreu teatros de Leste a Oeste do país sempre com lotação esgotada, e uma nova sitcom foi criada como seu veículo de “volta” ao olimpo da TV. “Anger management”, “Tratamento de choque” no Brasil, foi desenvolvido e gravado às pressas e lançado no verão daqui com audiência recorde. Os índices foram caindo rapidamente, mas mesmo assim a Fox, dona da FX, se viu forçada a comprar mais 90 episódios ao final da primeira temporada, termos absurdos em um mundo em que shows de verdadeiro valor artístico são cancelados depois de poucas semanas se não provarem que têm tração.

Fico imaginando se (quando), caso os números continuem a cair nas próximas temporadas, algum executivo vai achar a maneira de fazer Charlie implodir. Afinal, é fórmula de sucesso. Difícil vai ser encontrar algo original: ele já fez parte de uma rede de prostituição, distribuição, uso e abuso de drogas e álcool, foi acusado de violência física contra mulheres. Só coisa boa que merece a nossa atenção, não é?

Essa obsessão não é exclusiva. Muitos vieram antes dele com resultados diversos, devo reconhecer. Robert Downey Jr. — esse, sim, verdadeiramente talentoso, mas com tendências autodestrutivas — aprontou e reaprontou. Tirou o maior proveito de sua segunda chance, reergueu a carreira e hoje é dos atores mais requisitados mundo afora. Já Lindsay Lohan abusou de sua segunda, terceira, quarta e quinta chances. Expulsa de sets de filmagem, restaurantes ou hotéis, a menina-prodígio esqueceu que não é mais menina e até os paparazzi parecem ter se cansado de suas travessuras. As tentações são muitas, ainda mais quando todos ao seu redor dizem que você é um deus ou deusa, que tudo pode, que todos te amam e nada pode impedir sua ascensão.

O amor virá ódio, o ódio, pena, e a pena, amor novamente. Afinal, essa terra tão justa oferece aos seus filhos todas as oportunidades. É o acidente de carro com mortos e feridos na autoestrada. Todos param para ver. É a condição humana e, ainda mais predominante, na sociedade americana.

Relendo o que escrevi até aqui, acho que minha posição não está muito clara: não estou criticando Charlie ou mesmo o mundo onde vivo. Estou apresentando os fatos e também gostaria de tirar proveito. Assim sendo, informo que Leopoldo foi preso por agressão a um policial ontem pela manhã, morrerá de overdose de heroína amanhã, sexta-feira, providencialmente no Dia de Finados. A ressuscitação acontece domingo às 13hs, mas pode atrasar até o fim da tarde se der praia. A partir de segunda-feira os interessados com propostas para cinema e comerciais devem entrar em contato diretamente com a redação do jornal. Obrigado.

(*) dependente de sexo no Brasil também é conhecido por outro termo científico: homem.
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* Colunista do Jornal o Globo


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