RECONHECIMENTO
O papa Bento XVI entrega uma hóstia a Jake Finkbonner, sobrevivente de
uma doença incurável. Sua sobrevivência é um milagre atribuído a Kateri
Tekakwitha, santa, agora declarada, que viveu no Estado de Nova York
(Foto: Alessandra Tarantino/AP)
Com 78 milhões de católicos, os Estados Unidos têm agora 12 santos – sete deles podem ser considerados nova-iorquinos. O Brasil tem apenas dois. O que explica isso?
No dia 21 de outubro, o papa Bento XVI, autoridade maior da Igreja
Católica Apostólica Romana, canonizou sete santos, numa cerimônia no
Vaticano. Duas delas, Kateri Tekakwitha (1656-1680) e Marianne Cope
(1838-1918), nasceram ou viveram no Estado de Nova York. Com 78 milhões de católicos, os Estados Unidos
têm agora 12 santos – sete deles podem ser considerados nova-iorquinos.
O Brasil, país de maior população católica do mundo, com 123 milhões de
fiéis, tem apenas dois santos. Por que certos países têm tantos santos e
outros tão poucos?
O padre jesuíta americano James Martin, autor do livro My life with the saints (Minha vida com os santos), relativiza a escassez de santos brasileiros. “Não é que o Brasil tenha poucos santos”, diz. “O Vaticano
apenas não os reconheceu ainda.” Há uma diferença entre ter santos e
ter santos reconhecidos. Santa, para a religião católica, é a pessoa de
virtudes especiais que, morta, está no céu, na graça de Deus. Receber a
graça não é privilégio de habitantes de um ou outro canto do mundo. Ter a
santidade reconhecida, porém, é algo muito diferente, sujeito ao grau
de desenvolvimento do país. Deus não olha mais para os Estados Unidos
que para o Brasil. Mas os americanos tiveram, historicamente, melhores
condições de pleitear o reconhecimento de seus agraciados.
Isso ocorre porque pleitear o reconhecimento de um santo é um processo
burocrático. Seus trâmites são dominados por países com mais tradição no
assunto. Sem santos até o início do século, o Brasil era um país
inexperiente. A canonização de Madre Paulina, em 2002, e de Frei Galvão,
em 2007, foi um aprendizado. “Faltava conhecimento para tocar os
casos”, diz a irmã Célia Cadorin, defensora da causa dos santos
brasileiros no Vaticano. “A burocracia é exigente, tudo é feito com
critério e responsabilidade.” Irmã Célia morou 26 anos em Roma, onde
aprendeu os trâmites requeridos pelo Vaticano. Parado desde 1938, o
processo de Frei Galvão foi retomado por irmã Célia em 1986 e concluído
duas décadas depois. “Agora, o Brasil acordou”, afirma ela. “Temos cerca
de 70 processos de canonização em andamento.”
Além de burocrático, o processo de reconhecimento de um santo é caro. A
canonização de Madre Paulina levou três décadas e custou pelo menos R$
100 mil. A maior parte do dinheiro vem de doações de congregações
ligadas aos candidatos. Quanto maior o rebanho de fiéis, sua riqueza e
sua disposição em doar para campanhas de canonização (um critério que
não pode ser medido), maior a possibilidade de um país ter santos.
Depois do Brasil, os países com mais católicos no mundo são México,
Filipinas, Estados Unidos e Itália. Nessa lista, o Brasil só supera
Filipinas em renda per capita – uma boa explicação para a escassez de santos brasileiros, em comparação com a relativa fartura de nova-iorquinos canonizados.
A canonização é cara e leva décadas porque o Vaticano exige farta
documentação que prove as virtudes do aspirante a santo. Na falta de
testemunhas vivas, a vida do candidato é investigada por um grupo de
historiadores. Aprovada, a documentação é repassada a teólogos (nove, em
média). Eles analisam a biografia e os atos de fé do candidato (aqueles
que atestam uma vida virtuosa). Cinco cardeais e cinco bispos precisam
então dar o sinal verde para o papa assinar o decreto de virtudes
heroicas. Passada essa etapa, o candidato a santo entra na categoria das
pessoas veneráveis. Antes de virar santo, o venerável precisa ascender à
condição de beato. Para isso, o Vaticano precisa certificar que ele
in-tercedeu para a realização de, pelo menos, um milagre, como a
recuperação de um doente incurável. Para isso, a diocese e o postulador
da beatificação precisam reunir depoimentos de médicos. Os documentos
são avaliados por sete peritos do Vaticano, que atestam se o milagre é
válido. O caso também é averiguado por teólogos e cardeais até chegar ao
papa. Recebido o título, o beato, para ser reconhecido como santo,
precisa que um milagre lhe seja atribuído após a beatificação.
O reconhecimento de santos depende, portanto, indiretamente, da
qualidade das instituições de um país. A autoridade do médico, a
precisão dos laboratórios e os recursos do hospital dão peso à afirmação
de que a cura de determinado paciente estava além do alcance da
ciência. “A Igreja resiste a reconhecer como milagre a cura daqueles que
não foram ao médico e simplesmente rezaram”, diz Jacalyn Duffin, médica
canadense que ajudou, na década de 1980, a atestar um milagre. “O
Vaticano espera que o paciente tenha recebido o melhor tratamento
disponível em sua época.” Jacalyn estudou os milagres documentados em
1.400 processos de canonização, entre os anos de 1588 e 1999. Desses,
97% eram curas físicas de doenças. Para Jacalyn, a falta de hospitais de
qualidade atrapalhou o reconhecimento de santos brasileiros. “O Brasil
foi pobre por muitos séculos, e as pessoas não tinham acesso aos
melhores tratamentos médicos”, diz. “Isso está mudando. O país não
começou a ter santos agora por acidente.”
Países mais antigos e culturalmente próximos à Itália, berço do catolicismo, tendem a ter mais santos. O estudo Economia da santidade,
elaborado pelas universidades Harvard e Colúmbia, diz que, nos últimos
quatro séculos, 86% das canonizações foram de pessoas que viviam na
Europa. De 1950 a 2000, a participação da América Latina aumentou de 0%
para 14%.
OS SANTOS DE CASA
Madre Paulina, declarada santa em 2002, e Frei Galvão, reconhecido pelo Vaticano em 2007. O Brasil começa a aprender os trâmites da canonização (Foto: Ag. O Globo e reprodução)
Madre Paulina, declarada santa em 2002, e Frei Galvão, reconhecido pelo Vaticano em 2007. O Brasil começa a aprender os trâmites da canonização (Foto: Ag. O Globo e reprodução)
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Fonte: http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/noticia/2012/11/por-que-em-um-mes-nova-york-ganhou-tantos-santos-quanto-o-brasil-em-toda-sua-historia.html
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