Luli Radfahrer*
Supercomputadores e grandes bases de dados apontam para um novo Iluminismo
O mundo está cada vez mais complexo. Os velhos modelos de abstração não
conseguem dar conta da crescente sofisticação e interligação dos
sistemas digitais. De uma rede de comunicação global, a internet evoluiu
para uma espécie de memória coletiva, a que boa parte dos processos é
delegada. Smartphones, computação em nuvem e internet das coisas, cada
vez mais familiares, mensuram cada transação e, por meio da compilação
de dados, definem quem é você, o que faz e onde passa a cada instante.
Big Data, quem diria, pode transformar as ciências humanas. Ao simular a
complexidade social a partir de regras simples, como é feito em
meteorologia e macroeconomia, computadores descobriram que o
comportamento humano pode ser previsível, já que é derivado de opções
limitadas pelos ambientes coletivos. Por mais que o livre arbítrio tente
provar o contrário, o estado de um indivíduo conectado depende cada vez
mais dos estados de seus vizinhos e das regras que determinam como ele
deve responder a eles.
A norma, válida para organismos, ecossistemas e redes de tráfego, se
mostra cada vez mais aplicável a fenômenos sociais. Mesmo que, em
grandes grupos, as relações humanas deem a impressão de uma enorme
complexidade, modelos matemáticos conseguem decifrar resultados que se
sustentam independentes dos detalhes de seu ambiente.
A base teórica de sistemas que partem de regras simples para chegar a
resultados complexos é conhecida há algum tempo, mas a interação entre
os elementos era tanta que não havia como computá-la. Hoje esse cenário
está mudando. Cientistas como Stephen Wolfram e laboratórios como o MIT
Connection Science propõem uma integração da teoria de redes, computação
e ciências comportamentais para propor novos modelos de fluxo de
informação e influência em redes sociais, sejam elas digitais ou não.
Isso dá aos paranoicos bastante combustível, prevendo um futuro que
materialize "1984" e "Minority Report", por mais que essa hipótese já
tenha se mostrado improvável. As descobertas geradas pelas bases de
dados apontam na direção contrária, em que por mais que as interações
possam ser calculadas, elas dependem de variáveis extremamente complexas
e interativas. Isso ajuda a compreender por que a visão excessivamente
racional que se tinha do futuro -o admirável mundo novo- seria difícil
de concretizar em ambientes dinâmicos, incompletos, orgânicos, repletos
de interações. Os ideais iluministas de racionalismo, empirismo e
universalismo eram reduções, incapazes de captar a psique humana e seus
extremos.
Por melhor intencionados que estivessem Spinoza, Locke, Voltaire e
Diderot, a ideia de organizar o espaço social não poderia ser tão
simples. Já naquela época, Goethe e o grupo Sturm und Drang queixavam-se
que as restrições e a constância do racionalismo não seriam suficientes
para administrar a subjetividade individual e a emoção. Ao opor
indivíduo criativo e escravo do racional, ela antecipava em 250 anos um
conflito de interesses muito similar ao que se vê hoje.
Estamos a caminho de um novo iluminismo, uma ciência ao mesmo tempo
abstrata e sistemática. Ela deverá nos ajudar a entender enigmas que até
há pouco eram restritos à filosofia, sociologia, epistemologia e
linguística e, por meio de simulações, formular hipóteses sem
precedentes na história das ciências.
-------------------------
* Luli Radfahrer é Ph.D. em comunicação digital pela ECA-USP, de onde
também é professor há mais de dez anos. Trabalha com internet desde
1994, quando fundou a Hipermídia, uma das primeiras agências de
comunicação digital do país, hoje parte do grupo Ogilvy. Saiu em 96 para
fundar seu estúdio, onde atendeu AlmapBBDO, MTV, FIAT, Leo Burnett,
VISA, Volkswagen e Camargo Corrêa. Em 99 foi para a StarMedia de Nova
York assumir a Vice-Presidência de Conteúdo. De volta, criou a dpz.com,
divisão digital da agência de propaganda DPZ. Em 2002 trabalhou em
Londres, com projetos de TV Interativa e comunicação wireless. Voltou
como consultor, tendo como clientes a AOL Brasil (redesenho e
reestruturação do conteúdo) e o McDonald’s.
folha@luli.com.brFonte: Folha on line, 05/11/2012
Nenhum comentário:
Postar um comentário