LEE SIEGEL*
A notícia causou frisson na minha cidade suburbana ao lado de Nova
York. Um rapaz de 17 anos, a poucas semanas de concluir o ensino
secundário, parou diante de um trem de subúrbio em movimento. Teve morte
instantânea.
Como sempre ocorre quando se noticia um suicídio, a questão de por
que ele o fez torturou familiares e amigos do jovem. Atormentou
estranhos, também, porque o suicídio é o mais íntimo dos tipos de
violência. Ele nos faz perguntar não somente por que determinada pessoa o
cometeu, mas por que alguém o faria, confrontando-nos assim com o
aspecto mais despojado da existência. Mas desta vez a tentativa de
entender o mistério por trás de um suicídio cobriu-se de especial
urgência. É que, segundo estudo divulgado algumas semanas atrás, o
número de americanos que estão se matando atingiu um nível sem
precedentes.
No período de 1999 a 2010, o suicídio de americanos entre 35 e 64
anos de idade cresceu quase 30%. Mais pessoas nos Estados Unidos morrem
hoje pelas próprias mãos do que em acidentes de carro. Entre homens na
faixa dos 50 anos, a taxa de suicídio cresceu 50%.
Os intelectuais imediatamente se lançaram à tarefa de tentar entender
a nova e assustadora estatística. Quando tiverem terminado, o
crescimento da "autochacina" nos Estados Unidos terá sido eclipsado por
confortadoras explicações racionais: há mais pessoas solitárias do que
nunca; há mais gente armada que nunca; pessoas em áreas rurais são mais
propensas a se matar do que em lugares mais densamente povoados; os
chamados baby-boomers - pessoas nascidas durante a onda de prosperidade
do pós-2ª Guerra entre 1946 e 1964 - têm expectativas impossivelmente
altas que simplesmente não podem se realizar no mundo real.
Todos esses fatores são difíceis de provar, e têm importância apenas limitada.
As verdadeiras razões por que o suicídio está em ascensão, em
especial entre homens na faixa dos 50, são desconcertantes demais para
serem abordadas diretamente. Isso porque são o lado escuro de tendências
que estão sendo constantemente comemoradas.
Comecemos pela desintegração familiar. De cada canto da sociedade
comercial, ser solteiro é projetado como a existência ideal. O mercado
prefere os consumidores apressados, propensos a gastar, a membros de
famílias que tendem a poupar para o futuro. E gratificar os sentidos,
todos os sentidos, é bem mais fácil quando não se está comprometido com
outra pessoa.
Depois, há a internet, a invenção social mais impactante desde o
automóvel. A web é direcionada para o indivíduo solitário, não para a
família, ou mesmo o casal. As pessoas se conectam na rede por várias
razões, é claro, algumas de cunho prático ou mundano, mas quem se
conecta quase sempre o faz sozinho, para satisfazer um ou outro impulso.
Nesse contexto, não é a solidão que pode levar alguém ao suicídio. É o
fato de que ficar solitário se tornou uma condição tão normal que está
ficando cada vez mais difícil estar com outras pessoas. Os desafios e
complicações decorrentes de se estar envolvido com outros estão se
tornando insuportáveis para psiques acostumadas à existência solitária,
vivida diante de suas telas.
Isso não significa que o capitalismo americano, incansavelmente
inventivo, seja culpado do crescimento da taxa de suicídios ou algo
assim. Países socialistas como os do norte da Europa têm taxas de
suicídio notoriamente altas. As pessoas nessas sociedades com frequência
têm tantas coisas de suas vidas decididas e administradas em seu favor
que sua força de vontade se atrofia e um tédio mortal se instala. Mas o
consumismo insanamente acelerado nos Estados Unidos, que de maneiras
sutis e explícitas faz do celibato uma condição heroica, isola o
indivíduo quando torna mais difícil para ele ou ela lidar com outros
indivíduos.
Além das décadas de desintegração familiar, as décadas de erosão de
simplesmente todo tipo de autoridade também separaram as pessoas das
estruturas sociais que antes as sustentavam em tempos de dificuldade
emocional. Tanto na cultura popular como na intelectual elevada, o
padre, o ministro, o médico, o policial, o estadista foram todos
expostos como fraudes ocultando a luxúria e a ganância por trás da
fachada de autoridade enquanto abusavam cruelmente de seu poder. Algumas
maçãs podres estragaram toda uma colheita da humanidade. Antigamente,
uma pessoa angustiada podia recorrer a uma figura consoladora cuja
competência fora sancionada pela sociedade. Agora, quando os salva-vidas
sociais são todos acusados de não saber nadar, a sensação de não ter a
quem recorrer ficou ainda mais aguda.
O preço proibitivo da assistência médica também joga com certeza um
papel. Não poder pagar um profissional da saúde tem um efeito
extremamente danoso em pessoas deprimidas propensas ao suicídio. Elas
nem sequer conseguem obter uma receita de antidepressivo porque, ou não
podem pagar a consulta de um médico que o receitaria, ou não podem pagar
o próprio remédio.
Mas como a maioria dos suicídios parece ser de homens na faixa dos 50
anos, a principal razão do seu desespero é a rápida obsolescência de
seu tipo social. A obsessão americana pela juventude tornou esses homens
invisíveis. A rápida sucessão das novas ondas de tecnologias os fez
sentir que já não se enquadram em seu ambiente. As mazelas econômicas
dos últimos anos os privaram do emprego e da autoestima. E a
intensificação da historicamente atrasada ascensão das mulheres - boa,
positiva e necessária - tomou-lhes mais um pouco de terreno.
É difícil falar de todos esses desdobramentos como fatores por trás
do aumento da incidência de suicídios porque tais fatores - cultura
jovem, tecnologia, a mudança para uma economia de informação, a
capacitação (de um certo grupo) de mulheres - são tendências de ponta
das quais os Estados Unidos se orgulham. E quando as estatísticas de uma
sociedade contradizem sua autoimagem, torna-se uma tarefa urgente dessa
sociedade manter seu estado de espírito feliz justificando e esquecendo
as estatísticas.
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* TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK
Fonte: Estadão on line, 09/06/2013
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