«Um pastor», respondeu Jorge Bergoglio
quando Francesca
Ambrogetti lhe perguntou
qual devia ser o perfil do novo Papa.
Ela é
coautora da única biografia do argentino que estava publicada em março.
Francesca Ambrogetti decidiu que queria escrever uma
biografia de Jorge Bergoglio no dia em que o conheceu, a 10 de abril de
2001. «É uma bela ideia, mas ele nunca aceitará», disse-lhe o
vaticanista argentino Sergio Rubin. Demorou muito, mas houve um dia em
que Bergoglio começou a falar. As conversas sucederam-se ao longo de
dois anos e o livro foi publicado em 2010, três anos antes da renúncia
de Bento XVI.
«Nunca pensámos que estávamos a entrevistar um Papa»,
diz a jornalista italiana, coautora, com Sergio Rubin, de "Papa
Francisco - Conversas com Jorge Bergoglio" (Paulinas Editora), que a
italiana apresentou sexta-feira na Feira do Livro de Lisboa. «Percebi
só que tinha conhecido alguém com um pensamento que valia a pena
aprofundar e dar a conhecer.»
A Argentina começava a viver uma grande crise e
Ambrogetti presidia à associação de correspondentes estrangeiros.
«Via-se que vinha aí uma situação muito grave e eu queria saber o que a
Igreja tinha a dizer», recorda a correspondente da agência Ansa
[Itália] em Buenos Aires.
Bergoglio é Papa desde março e o facto de preferir
andar de transportes públicos já deixou de ser notícia. Há 12 anos,
tinha ele acabado de ser nomeado cardeal, Ambrogetti teve muitas
surpresas. «Liguei e nem queria acreditar quando foi ele que me
atendeu. Depois perguntei-lhe se devíamos mandar um carro ou se vinha
com o dele e com motorista; ele respondeu que não tinha nem carro nem
motorista, mas que não precisava de nada. Perguntou-me onde era e
disse: "Bem, aí não tenho metro, mas há um autocarro."»
O que fez este livro acontecer foi o que se seguiu: a
reação dos 15 correspondentes que ouviram Bergoglio falar sobre a crise
nesse dia. «Os jornalistas costumam ser muito cínicos, raramente
"compram" uma pessoa à primeira», diz Ambrogetti. «O contraste entre a
simplicidade com que se apresentava e a profundidade do que dizia
impressionou-nos.»
Rubin, o vaticanista argentino que não acreditava que
Bergoglio aceitasse, não resistiu a tentar convencê-lo com Ambrogetti. O
cardeal disse que ia pensar. Um dia, sem que eles esperassem, as
entrevistas que tinham pedido há anos começaram.
A paciência
«Ele tem frases muito especiais. Fala insistentemente
da paciência, e diz "transitar a paciência", o que é estranho,
normalmente diz-se "tem paciência", "ter paciência". Transitar a
paciência implica um trabalho interior profundo. Tínhamos ido ter com
ele para que nos desse uns textos e no fim do encontro perguntámos: "O
que quer dizer com isto?" Olhou-nos nos olhos e disse: "Bem, se é sobre
estes temas que querem falar..."»
Não houve temas proibidos. Bergoglio, que não gosta de
falar de si próprio, recorda a viagem da família de Itália para a
Argentina, as óperas que ouvia com a mãe na rádio, os trabalhos de
verão que o pai decidiu que ele devia ter a partir dos 13 anos, a sua
proximidade à avó Rosa. Conta que dançou tango quando era novo, que ia
aos jogos do San Lorenzo com o pai e cita o poeta alemão Friedrich
Hölderlin, «um grande mestre da nostalgia».
Descreve como a mãe teve algumas dificuldades em
aceitar a sua vocação e fala da doença pulmonar, aos 20 anos. «Os
momentos em que o sentimos mais comovido foram aqueles em que falou da
sua vocação e da doença. Era muito jovem, teve um sofrimento terrível.»
Alegria em vez de culpa
O sacerdote que defende que a Igreja deve ser
«transmissora e facilitadora da fé», em vez de «reguladora da fé»,
critica nestas conversas o excessivo peso que foi dado à culpa, à dor e
ao sofrimento. «A nossa vocação é a plenitude e a felicidade», diz. «A
vida cristã é dar testemunho com alegria.»
Testemunho é uma palavra importante para compreender
este Papa. «Há uma forma de fazer teologia com a própria vida. É a
mensagem maior neste mundo, onde há uma grande distância entre o que se
diz e o que se faz. A sua atitude já é uma mudança», defende a autora.
Dar testemunho, saber ouvir, dar e receber são ideias
recorrentes. Bergoglio fala da «cultura do encontro humano», que implica
uma atitude permanente de procurar «o que o outro tem para dar». O
conselho de cardeais vindos de todo o mundo que Francisco formou para o
aconselharem sobre a reforma da Cúria, o governo da Igreja Católica,
«é uma mudança que parte dessa vontade de escuta", afirma Ambrogetti.
Fazer política
O homem que diz ter aprendido «a ser mais ser humano do
que padre» e que quando foi eleito pediu «uma Igreja pobre e para os
pobres» fala aqui do «dever» permanente de partilha que é de todos -
«dever de compartilhar alimentos, vestuário, saúde, educação». Também
assume fazer política, respondendo às acusações de que fazia oposição
aos presidentes Kirchner, Néstor e depois Cristina. «Ele sempre tinha
sido crítico. Em nome dos mais frágeis criticou governos, oposições, a
própria Igreja», diz Ambrogetti.
«A questão é não se meter na política partidária, mas
sim na grande política que nasce dos mandamentos e do Evangelho.
Denunciar atropelos aos direitos humanos, situações de exploração ou de
exclusão, carências na educação ou na alimentação, não é fazer
partidarismo», explica Bergoglio. «Quando saímos e dizemos coisas,
alguns acusam-nos de fazer política. Eu respondo-lhes: "Sim, fazemos
política no sentido evangélico da palavra."»
Segurança e risco
Há muitas páginas sobre os anos em que Bergoglio foi
professor de Psicologia e de Literatura (convidou Jorge Luis Borges para
dar uma aula) e quando perguntamos a Ambrogetti o que esperar de
Francisco, ela responde quase sempre com as suas ideias sobre o ensino.
«Para educar há que manter um pé numa zona de segurança e outro na
zona de risco», diz Bergoglio. «Dar passos pequenos mas sem parar,
sempre a avançar. Eu imagino que a mudança na Igreja vai acontecer
assim, como ele descreve o que deve ser a educação.»
Ambrogetti acredita que com Francisco «a Igreja vai
caminhar e a mudança será a que resultar desse caminho». «Quando ele
fala de uma Igreja que caminha, é uma Igreja que sai em busca do mundo e
ao fazê-lo vai ouvir o que lhe diz o mundo. A mudança virá daí, desse
caminho e dessa escuta. Este é um Papa que sabe ouvir, sabe ver. Se
alguém caminha, sai, vive, muda caminhando.»
No livro, Bergoglio critica «os administradores» da
Igreja, que não saem «dos palácios dos prazeres próprios», para ir ao
encontro das pessoas. Conta como se apercebeu que em Buenos Aires havia
muita gente a viver longe das paróquias e sugeriu que se celebrassem
missas em garagens. A sugestão foi acolhida com estranheza. «Ninguém
irá a uma garagem», disseram-lhe. Ele insistiu. Afinal, as igrejas não
estavam propriamente cheias. Quando lhe recordamos o episódio,
Ambrogetti lembra uma frase de Francisco: «Antes uma Igreja acidentada
do que paralisada.»
-------------------------Sofia Lorena
In Público, 3.6.2013
Fotos: News.va, Rádio Vaticano
Fonte: http://www.snpcultura.org/papa_francisco_segundo_francesca_ambrogetti.html 06.06.13
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