sexta-feira, 7 de junho de 2013

Paciência, alegria, testemunho, política, segurança e risco: Papa Francisco segundo a coautora de "Conversas com Jorge Bergoglio"

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«Um pastor», respondeu Jorge Bergoglio 
quando Francesca Ambrogetti lhe perguntou 
qual devia ser o perfil do novo Papa. 

Ela é coautora da única biografia do argentino que estava publicada em março.

Francesca Ambrogetti decidiu que queria escrever uma biografia de Jorge Bergoglio no dia em que o conheceu, a 10 de abril de 2001. «É uma bela ideia, mas ele nunca aceitará», disse-lhe o vaticanista argentino Sergio Rubin. Demorou muito, mas houve um dia em que Bergoglio começou a falar. As conversas sucederam-se ao longo de dois anos e o livro foi publicado em 2010, três anos antes da renúncia de Bento XVI.

«Nunca pensámos que estávamos a entrevistar um Papa», diz a jornalista italiana, coautora, com Sergio Rubin, de "Papa Francisco - Conversas com Jorge Bergoglio" (Paulinas Editora), que a italiana apresentou sexta-feira na Feira do Livro de Lisboa. «Percebi só que tinha conhecido alguém com um pensamento que valia a pena aprofundar e dar a conhecer.»

A Argentina começava a viver uma grande crise e Ambrogetti presidia à associação de correspondentes estrangeiros. «Via-se que vinha aí uma situação muito grave e eu queria saber o que a Igreja tinha a dizer», recorda a correspondente da agência Ansa [Itália] em Buenos Aires.

Bergoglio é Papa desde março e o facto de preferir andar de transportes públicos já deixou de ser notícia. Há 12 anos, tinha ele acabado de ser nomeado cardeal, Ambrogetti teve muitas surpresas. «Liguei e nem queria acreditar quando foi ele que me atendeu. Depois perguntei-lhe se devíamos mandar um carro ou se vinha com o dele e com motorista; ele respondeu que não tinha nem carro nem motorista, mas que não precisava de nada. Perguntou-me onde era e disse: "Bem, aí não tenho metro, mas há um autocarro."»

O que fez este livro acontecer foi o que se seguiu: a reação dos 15 correspondentes que ouviram Bergoglio falar sobre a crise nesse dia. «Os jornalistas costumam ser muito cínicos, raramente "compram" uma pessoa à primeira», diz Ambrogetti. «O contraste entre a simplicidade com que se apresentava e a profundidade do que dizia impressionou-nos.»

Rubin, o vaticanista argentino que não acreditava que Bergoglio aceitasse, não resistiu a tentar convencê-lo com Ambrogetti. O cardeal disse que ia pensar. Um dia, sem que eles esperassem, as entrevistas que tinham pedido há anos começaram.

A paciência

«Ele tem frases muito especiais. Fala insistentemente da paciência, e diz "transitar a paciência", o que é estranho, normalmente diz-se "tem paciência", "ter paciência". Transitar a paciência implica um trabalho interior profundo. Tínhamos ido ter com ele para que nos desse uns textos e no fim do encontro perguntámos: "O que quer dizer com isto?" Olhou-nos nos olhos e disse: "Bem, se é sobre estes temas que querem falar..."»

Não houve temas proibidos. Bergoglio, que não gosta de falar de si próprio, recorda a viagem da família de Itália para a Argentina, as óperas que ouvia com a mãe na rádio, os trabalhos de verão que o pai decidiu que ele devia ter a partir dos 13 anos, a sua proximidade à avó Rosa. Conta que dançou tango quando era novo, que ia aos jogos do San Lorenzo com o pai e cita o poeta alemão Friedrich Hölderlin, «um grande mestre da nostalgia».
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Descreve como a mãe teve algumas dificuldades em aceitar a sua vocação e fala da doença pulmonar, aos 20 anos. «Os momentos em que o sentimos mais comovido foram aqueles em que falou da sua vocação e da doença. Era muito jovem, teve um sofrimento terrível.»

Alegria em vez de culpa

O sacerdote que defende que a Igreja deve ser «transmissora e facilitadora da fé», em vez de «reguladora da fé», critica nestas conversas o excessivo peso que foi dado à culpa, à dor e ao sofrimento. «A nossa vocação é a plenitude e a felicidade», diz. «A vida cristã é dar testemunho com alegria.»
Testemunho é uma palavra importante para compreender este Papa. «Há uma forma de fazer teologia com a própria vida. É a mensagem maior neste mundo, onde há uma grande distância entre o que se diz e o que se faz. A sua atitude já é uma mudança», defende a autora.
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Dar testemunho, saber ouvir, dar e receber são ideias recorrentes. Bergoglio fala da «cultura do encontro humano», que implica uma atitude permanente de procurar «o que o outro tem para dar». O conselho de cardeais vindos de todo o mundo que Francisco formou para o aconselharem sobre a reforma da Cúria, o governo da Igreja Católica, «é uma mudança que parte dessa vontade de escuta", afirma Ambrogetti.

Fazer política

O homem que diz ter aprendido «a ser mais ser humano do que padre» e que quando foi eleito pediu «uma Igreja pobre e para os pobres» fala aqui do «dever» permanente de partilha que é de todos - «dever de compartilhar alimentos, vestuário, saúde, educação». Também assume fazer política, respondendo às acusações de que fazia oposição aos presidentes Kirchner, Néstor e depois Cristina. «Ele sempre tinha sido crítico. Em nome dos mais frágeis criticou governos, oposições, a própria Igreja», diz Ambrogetti.

«A questão é não se meter na política partidária, mas sim na grande política que nasce dos mandamentos e do Evangelho. Denunciar atropelos aos direitos humanos, situações de exploração ou de exclusão, carências na educação ou na alimentação, não é fazer partidarismo», explica Bergoglio. «Quando saímos e dizemos coisas, alguns acusam-nos de fazer política. Eu respondo-lhes: "Sim, fazemos política no sentido evangélico da palavra."»
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Segurança e risco

Há muitas páginas sobre os anos em que Bergoglio foi professor de Psicologia e de Literatura (convidou Jorge Luis Borges para dar uma aula) e quando perguntamos a Ambrogetti o que esperar de Francisco, ela responde quase sempre com as suas ideias sobre o ensino. «Para educar há que manter um pé numa zona de segurança e outro na zona de risco», diz Bergoglio. «Dar passos pequenos mas sem parar, sempre a avançar. Eu imagino que a mudança na Igreja vai acontecer assim, como ele descreve o que deve ser a educação.»

Ambrogetti acredita que com Francisco «a Igreja vai caminhar e a mudança será a que resultar desse caminho». «Quando ele fala de uma Igreja que caminha, é uma Igreja que sai em busca do mundo e ao fazê-lo vai ouvir o que lhe diz o mundo. A mudança virá daí, desse caminho e dessa escuta. Este é um Papa que sabe ouvir, sabe ver. Se alguém caminha, sai, vive, muda caminhando.»

No livro, Bergoglio critica «os administradores» da Igreja, que não saem «dos palácios dos prazeres próprios», para ir ao encontro das pessoas. Conta como se apercebeu que em Buenos Aires havia muita gente a viver longe das paróquias e sugeriu que se celebrassem missas em garagens. A sugestão foi acolhida com estranheza. «Ninguém irá a uma garagem», disseram-lhe. Ele insistiu. Afinal, as igrejas não estavam propriamente cheias. Quando lhe recordamos o episódio, Ambrogetti lembra uma frase de Francisco: «Antes uma Igreja acidentada do que paralisada.»
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Sofia Lorena
In Público, 3.6.2013
Fotos: News.va, Rádio Vaticano
Fonte: http://www.snpcultura.org/papa_francisco_segundo_francesca_ambrogetti.html 06.06.13

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