Samuel Pessôa*
Experiências históricas mostram a importância da educação no processo de desenvolvimento dos países
Meu colega Marcelo Miterhof, que ocupa este espaço às quintas-feiras,
abordou o importante tema da relação entre crescimento e educação.
Marcelo tem uma visão de que a "educação é mais resultado do que
requisito ao crescimento". Se a educação fosse tão importante assim, a
Rússia seria "altamente desenvolvida, pois o comunismo fez um dos mais
impressionantes esforços de educação e ciência vistos".
Minha impressão é que os fatos não se ajustam bem à leitura de Marcelo.
As experiências históricas em geral apontam que as sociedades que se
desenvolveram apresentavam no início do processo de desenvolvimento
excesso de educação.
Um exemplo claríssimo é o caso americano. O grau de analfabetismo na
Nova Inglaterra em meados do século 18 era de 10%! Na Virgínia, 30%. O
Brasil somente atingiu esses níveis de analfabetismo na segunda metade
do século 20.
Outro exemplo de defasagem ocorreu no desenvolvimento japonês. A taxa de
matrícula no ensino fundamental do Japão na virada do século 19 para o
século 20 era de 90%. O Brasil atingiu níveis equivalentes na década de
90 do século 20.
Mas sempre fica a dúvida. E a Argentina ou Rússia, países que fizeram
grande esforço em universalizar o ensino fundamental há muito tempo? Por
que não são desenvolvidos? De fato, educação não é tudo. Diria que é
quase tudo. Para termos uma ideia, tomemos os exemplos de Argentina e
Rússia.
Segundo a base de dados do departamento de economia da Universidade da
Pensilvânia conhecida com Penn World Table (PWT), o produto anual do
trabalhador brasileiro em 2010 foi de US$ 15,4 mil a preços de 2005.
Para a Argentina e a Rússia, a PWT reporta, respectivamente, US$ 24,8
mil e 27,3 mil.
Esses valores de produtividade foram calculados corrigindo para
diferenças sistemáticas de custo de vida que há entre as economias, de
sorte que os números representam o mesmo poder de compra nos diversos
países.
Exercício de decomposição simples sugere que, se o Brasil tivesse o
mesmo nível de educação da Argentina, nossa produtividade seria 19%
maior, US$ 18,4 mil. Se o Brasil tivesse o nível de educação da Rússia,
nosso número seria 43% maior: US$ 22 mil.
Esses números não pequenos pois o exercício considera que o canal entre
educação e crescimento é a elevação direta da produtividade do trabalho e
seu impacto sobre a acumulação de capital. Há inúmeros outros efeitos
--sobre a criminalidade etc.-- que não foram considerados.
Finalmente um exercício revelador da importância da educação como
pré-requisito para garantir ciclos longos de crescimento é verificar o
impacto que uma medida de "excesso" educacional em 1960 teve sobre o
desempenho das economias nos cinquenta anos subsequentes.
A medida de "excesso" educacional em 1960 será obtida a partir da
relação em 1960 que observamos entre nível de produtividade do trabalho e
escolaridade da população.
Há forte correlação positiva entre essas duas variáveis em um ponto no
tempo. A dificuldade é que a educação pode ser causa da renda elevada ou
ser consequência da renda elevada. Construirei uma medida de excesso
educacional em 1960 a partir dessa relação observada para 104 países. Há
países como a Coreia que apresentavam em 1960 desvio positivo ou
excesso de educação, isto é, muita educação para pouca renda. Outros,
como o caso brasileiro, apresentavam em 1960 desvio negativo, pouca
educação para muita renda.
O resultado é que o excesso de educação em 1960 "explica" boa parcela do
crescimento das 104 economias nos cinquenta anos subsequentes. A
relação estatística entre crescimento médio de 1960 a 2010 com o excesso
(ou carência) de educação em 1960 sugere que, se o Brasil tivesse em
1960 o mesmo excesso educacional da Coreia, nossa renda per capita seria
hoje 61% maior.
Para termos uma ideia da importância da educação, se ao longo dos 60
anos o Brasil tivesse a mesma taxa de investimento da Coreia (dez ponto
percentuais do PIB maior), o mesmo exercício do parágrafo acima sugere
que nossa renda per capita seria 40% maior.
Certamente termos aceitado enfrentar uma transição demográfica entre
1930 e 1980 investindo 1% em educação básica foi o maior erro coletivo
que cometemos no século 20.
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