ANDRÉ COMTE-SPONVILLE*
O
filósofo André Comte-Sponville: autor é convidado da Jornada de
Psicologia da SPRGS
e terá videoconferência exibida no evento.
O tempo é evidentemente um dos conceitos mais importantes de toda a
filosofia. E não somente de toda a filosofia, mas, eu diria ainda, de
toda a nossa vida. Isso porque, na realidade, nós estamos “dentro/no”
tempo. E não só estamos/somos “no tempo” mas nós somos
temporais/transitórios, ou ainda “nós somos tempo”. Dito de outra forma,
o tempo não é tão somente aquilo que nos contém e que seria algo de
“exterior”, mas o tempo é a própria substância de nossa vida. Poderíamos
dizer a mesma coisa a respeito do espaço. Dizemos seguidamente que
estamos no tempo e que estamos no espaço. De acordo, mas eu não estou
“simplesmente” no espaço visto que, eu mesmo, sou espacial,
intrinsecamente espacial. No tempo, o que é que eu sou? Pois bem, eu sou
o presente, eu pertenço ao presente, e a dificuldade será a de
compreender aquilo que significa dizer, ao mesmo tempo, que eu estou/sou
tempo e eu estou/sou no presente. Seria esta espécie de mistério que eu
gostaria de procurar aprofundar e esclarecer.Na verdade, a primeira pergunta que nos devemos colocar é: o que é o tempo? É uma pergunta muito simples, mas, na verdade, muito desconcertante. Todos sabem que eu falo do tempo, e todos nós sabemos do que se trata. No entanto, se eu pedisse a vocês para “definir” o tempo, para dizer-me, com palavras, aquilo que ele “é”, então eu suponho que vocês se sentiriam um pouco constrangidos. Esse constrangimento é o próprio ponto do qual seria necessário partir.
O tempo é o passado, o presente, o futuro. Muito bem, mas o passado não é, porque ele não é mais, e o futuro não é, porque ele ainda não é. Resta-nos somente o presente, mas o presente não é do tempo, ele é um instante sem duração. Entende-se então que o presente seja a soma de dois “nadas”: o passado que não é mais e o futuro que ainda não é, separados por um instante sem duração. O tempo é esse processo perpétuo de aniquilamento, visto que o presente é anulado a cada instante no passado, o instante-presente entre dois nadas, o passado e o futuro.
Cena da videoinstalação “Alarm Clock” (2006), do sul-coreano
Shin Kiwoun: o tempo não é uma coisa, e somente o presente existe
Na verdade, é o que chamamos “a fuga do tempo”. O que o torna inatingível é que o tempo não é uma coisa, o tempo é o instante-presente sem duração, entre dois nadas: o passado que não é mais e o futuro que ainda não é. O tempo é o presente. Antes de tudo é uma tese estoica e, para citar o estoico Crisipo, “somente o presente existe”. Isso conduz, então, a um tema universal que nós encontramos em todas as escolas de sabedoria: viver no presente! Salvo que, vocês se dão conta disto, se somente o presente existe, viver o presente não é um ideal, não é um “slogan”, uma palavra de ordem. Viver no presente é simplesmente a verdade de viver. O tempo é o ato... o ato de ser! Então, não quero me demorar no problema sob o ponto de vista metafísico, mas isso significa dizer que ele tem também suas consequências éticas: se ser é ser em ato, quer dizer que existir é insistir, é o que chamamos de conatus, com Espinosa: o esforço de todo ser para perseverar em ser e que o poeta Paul Éluard chama “o difícil desejo de durar”, e isso desemboca naquilo que eu chamei uma ética da insistência e da resistência.
É necessário aceitar que o real é aquilo que ele é para tomar a empreitada de transformá-lo. Mas aceitá-lo tal como ele é não significa resignar-se àquilo que ele é, e renunciar a transformá-lo. O tempo é o devir/ futuro. Ser é duração, duração é mudar. Quando eu digo que o ser é o devir, violo uma espécie de tabu ocidental porque, na verdade, toda a metafísica ocidental desde Platão está fundamentada sobre a ideia de que o ser e o devir são duas coisas separadas. E, na verdade, o Ocidente não parou – com algumas raras exceções – de privilegiar aquilo que é imutável, aquilo que é permanente e que seria o verdadeiro ser em oposição àquilo que muda, aquilo que não é permanente e que chamamos de devir. Para Platão, as Ideias são eternas, imutáveis, elas não mudam jamais, e o mundo aqui embaixo, o mundo sensível, muda sempre, e não podemos confiar nele. A mesma coisa está em Aristóteles, o mundo supralunar é imutável, o mundo sublunar é, evidentemente, fadado à mudança. Mesma coisa no materialismo epicurista: os átomos são seres verdadeiros, são imutáveis, é o que não se move, é o permanente.
Os corpos compostos que mudam sempre estão destinados à impermanência. Ser e devir são uma única e mesma coisa, o ser vem a ser e somente o devir “é”. É o que chamamos de “heraclitismo”. No Ocidente, o pensamento de Heráclito, panta rei, dizia ele em grego, tudo se esvai, tudo muda... vocês conhecem a famosa fórmula de Heráclito, “não nos banhamos jamais duas vezes no mesmo rio!”. Com certeza, Heráclito não está só. O maior seguidor moderno de Heráclito, pelo menos na França, é, sem dúvida, Montaigne. E o que é interessante, tratando-se de Montaigne, é que, como um bom cristão que ele também é – porque existiram sempre cristãos e não haverá lugar para pensar que ele não o era. Mas como dizíamos, como um bom cristão que era, também, Montaigne escreve nos Ensaios, na Apologia de Raymond Sebond, o seguinte: “Que há então que seja realmente verdadeiro? Somente o que é eterno, isto é, o que nunca teve começo e nunca terá fim: o que não muda sob o efeito do tempo?”. Dito de outro modo, para Montaigne aquilo que “é” verdadeiramente é aquilo que é imutável, e disso ele conclui: “E é por isso que só Deus ‘é’”. Vocês entendem bem a razão: se Deus é imutável, esse ser imutável como só Deus pode ser, somente Deus “é”. Entendido, mas nós não somos Deus, nós estamos no tempo, nós não paramos de mudar, nós estamos fadados ao devir. E é esse devir que é preciso habitar. A grande questão no centro da vida é, antes de tudo, aceitar mudar/a mudança, aceitar o devir, aceitar a impermanência/instabilidade.
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* Filósofo
Fonte: http://www.clicrbs.com.br/zerohora/01/06/2013
Pesquisa DO BLOG:
A saída é política, senhor Sarkozy
FILOSOFIA André Comte-Sponville não vê sentido na moralização do capitalismo
A DIEGO VIANA E GABRIELA LONGMAN, DE PARIS
O presidente da França, Nicolas Sarkozy, clama por uma “moralização do capitalismo” depois da eclosão da crise financeira mundial. Mas seu compatriota, André Comte-Sponville, acha que a reivindicação beira o ridículo. Em 2005, a França e o Brasil (Martins Fontes) publicaram o livro do filósofo francês intitulado O Capitalismo É Moral? O ensaio recupera conceitos de Adam Smith e Montaigne para argumentar que não há nada de moral na economia, nem de imoral. A moralidade, por si, não poderia controlar as relações de mercado, nem entre patrões e empregados, nem entre consumidores e vendedores. O livro, reeditado com muito sucesso na França em 2009, sustenta que a economia não é o campo adequado para a moralização.
Nesta entrevista à Carta Capital, Comtte-Sponville interpreta a crise financeira como o esgotamento do ultraliberalismo e aponta a urgência de, neste cenário, resgata a política. Ele diz que o mercado produz riqueza, mas só o Estado, entidade eminentemente política, produz justiça. A moral só age na sociedade por meio de leis que bloqueiem os piores impulsos do capitalismo: monopólios, exploração do trabalho, especulação. Definindo-se como social-democrata e realista, o filósofo crê que uma política de sucesso deve contentar-se em administrar as diferenças, ou seja, em evitar os males maiores.
Comte-Sponville é otimista sobre o futuro. Vislumbra o nascimento de uma “civilização mundial” e a superação dos principais conflitos contemporâneos. Para isso, ele crê ,a humanidade precisará abandonar a fé em valores absolutos, em nome da política e da moral.
FILOSOFIA André Comte-Sponville não vê sentido na moralização do capitalismo
A DIEGO VIANA E GABRIELA LONGMAN, DE PARIS
O presidente da França, Nicolas Sarkozy, clama por uma “moralização do capitalismo” depois da eclosão da crise financeira mundial. Mas seu compatriota, André Comte-Sponville, acha que a reivindicação beira o ridículo. Em 2005, a França e o Brasil (Martins Fontes) publicaram o livro do filósofo francês intitulado O Capitalismo É Moral? O ensaio recupera conceitos de Adam Smith e Montaigne para argumentar que não há nada de moral na economia, nem de imoral. A moralidade, por si, não poderia controlar as relações de mercado, nem entre patrões e empregados, nem entre consumidores e vendedores. O livro, reeditado com muito sucesso na França em 2009, sustenta que a economia não é o campo adequado para a moralização.
Nesta entrevista à Carta Capital, Comtte-Sponville interpreta a crise financeira como o esgotamento do ultraliberalismo e aponta a urgência de, neste cenário, resgata a política. Ele diz que o mercado produz riqueza, mas só o Estado, entidade eminentemente política, produz justiça. A moral só age na sociedade por meio de leis que bloqueiem os piores impulsos do capitalismo: monopólios, exploração do trabalho, especulação. Definindo-se como social-democrata e realista, o filósofo crê que uma política de sucesso deve contentar-se em administrar as diferenças, ou seja, em evitar os males maiores.
Comte-Sponville é otimista sobre o futuro. Vislumbra o nascimento de uma “civilização mundial” e a superação dos principais conflitos contemporâneos. Para isso, ele crê ,a humanidade precisará abandonar a fé em valores absolutos, em nome da política e da moral.
Carta Capital: Faz sentido moralizar o capitalismo?
André Comte-Sponville: O que entendemos por “moralizar” o capitalismo? É torná-lo intrinsecamente moral, movido não pelo interesse, mas pela generosidade? Isto é pura ilusão. Já fixar limites externos, políticos e jurídicos para combater defeitos morais não só é Possível e necessário, algo que se faz há 200 anos. Quando proibimos o trabalho infantil, garantimos as liberdades sindicais ou impedimos abusos de posição dominante, moralizamos o capitalismo. Sarkozy produz bravatas. A
social-democracia nada mais é senão aceitar a economia de mercado – a mais eficaz – com limites externos.
CC: Os últimos vinte anos rejeitaram esse pensamento.
ACS: E, no entanto, a edição atual do meu livro é mais lida que a original. Os economistas dizem se tratar de um livro premonitório. Não fiz previsões. A vantagem do filósofo sobre o economista é não precisar delas. O que a crise confirmou foi a amoralidade, não a imoralidade, do capitalismo. Depois, a incapacidade do mercado de se regular de modo social e moralmente aceitável. A crise é uma autorregulação com resultados deploráveis. E a moral tampouco é capaz de regular a economia. Se contássemos com a moral dos financistas para organizar a sociedade, ainda estaríamos no tempo do (escritor do século XIX Émile) Zola. Se o mercado é incapaz de se regular e a moral incapaz de regular o mercado, o que resta? Só a lei e a política. A crise confirma que os ultraliberais estavam errados. Num pais em que o Estado não toma conta nenhuma da economia, o pleno emprego está garantindo apenas para os sobreviventes.
CC: A condenação do especulador Bernard Madoff foi recebida como um triunfo moral.
ACS: Foi, mas a moral não é para julgar os outros, só legítima na primeira pessoa. Para os outros, a lei basta. Madoff foi condenado. Eu me felicito como cidadão. Mas não tenho condição de julgá-lo Só Deus, se existisse, estaria capacitado para isso. Madoff é um canalha ou um bom sujeito? Provavelmente, ambos. A moral é julgar a si mesmo e já dá um trabalho enorme. Juridicamente, ele tinha de ser punido. É preciso não confundir política com moral. Um exemplo: eu soube da falência do Lehman Brothers pelo rádio. O secretário do Tesouro americano recusou-se salvar o banco e ele
quebrou. Minha primeira reação foi dizer: “Bem feito! Vão pagar!” Hoje, os economistas concordam que não salvar o banco foi o erro o século. Henry Paulson deve ter tido razões morais para se reusar, pensando: “Safados! Especularam vergonhosamente, agora quebrem!” Talvez por ótimas razões morais, tomou uma péssima decisão política, social e econômica.
CC: Se grupos transnacionais forem mais fortes que os Estados, sobra lugar para moral e política?
ACS: É preciso que os Estados impeçam os monopólios e eles têm as ferramentas para isso, ao mesmo nos países ricos. Nenhuma empresa é mais forte que um Estado desenvolvido. Se o povo americano quiser nacionalizar a Microsoft, pode. A França quis nacionalizar os bancos, a esquerda assumiu o poder e o fez. Mas logo vimos que eles funcionaram pior. Para criar riqueza, o mercado é mais eficiente. A dificuldade para o Estado é cumprir o seu papel. Ele deve garantir, não gerir a economia. A esquerda já renunciou à nacionalização. Entendeu que o Estado não é bom para gerar riqueza. Agora, a direita precisa entender que o mercado não serve para criar justiça. Precisamos do mercado para o que está à venda, e do Estado para o que não está.
CC: A publicidade, ao usar a idéia utilitarista da busca pela felicidade, seria uma resposta econômica à questão moral?
ACS: Sim, uma falsa resposta. A publicidade mente, pois nos diz que seremos mais felizes com tal produto que sem ele. Meus filhos compraram cinco celulares nos últimos anos e não são mais felizes por isso. A publicidade também é movida a novidade, como se ela significasse tudo na vida.
CC: E isso acontece também na arte...
ACS: Toda época tem a arte que merece. A nossa é a do mercado triunfante e da publicidade. Ambos se fundam sobre o novo. Na arte, a única forma de produzir o novo é ser radical. O fim do processo é fazer obras sem sentido. A busca louca pelo novo na arte é uma contaminação da lógica do capitalismo e da publicidade.
CC: Se a publicidade responde à moral, parece difícil criar algo à parte.
ACS: Claro. Por isso educamos as crianças. Se o capitalismo fosse moral, a publicidade também seria. Não precisaríamos educar as crianças. Bastaria colocá-las diante da tevê. Mas é bem o contrário. Temos de arrancá-las de lá para lhes ensinar qualquer coisa. Não sou “publífobo”. A publicidade tem sua importância econômica. Mas um adolescente, hoje, pensa que a felicidade depende do que possui. É a mentira publicitária, amar a novidade, ser in, Mas o essencial está no longo prazo. Vale mais ler Aristóteles e Montaigne que revistas da semana passada. Tudo nelas está defasado, mas o essencial dos filósofos segue vivo. Prefiro uma velha verdade a uma nova mentira.
CC: O senhor disse que não quer mais falar de moral. Qual vai ser o seu próximo tema?
ACS: Vou me dedicar à reabilitação da política. Estávamos errados, nos anos 60 e 70, de achar que ela podia tomar o lugar da moral e estamos errados hoje de achar que a moral pode tomar o lugar dela.
“Os americanos usaram preceitos morais para não salvar o Lehman Brothers. Mas este
foi o erro do século”
quebrou. Minha primeira reação foi dizer: “Bem feito! Vão pagar!” Hoje, os economistas concordam que não salvar o banco foi o erro o século. Henry Paulson deve ter tido razões morais para se reusar, pensando: “Safados! Especularam vergonhosamente, agora quebrem!” Talvez por ótimas razões morais, tomou uma péssima decisão política, social e econômica.
CC: Se grupos transnacionais forem mais fortes que os Estados, sobra lugar para moral e política?
ACS: É preciso que os Estados impeçam os monopólios e eles têm as ferramentas para isso, ao mesmo nos países ricos. Nenhuma empresa é mais forte que um Estado desenvolvido. Se o povo americano quiser nacionalizar a Microsoft, pode. A França quis nacionalizar os bancos, a esquerda assumiu o poder e o fez. Mas logo vimos que eles funcionaram pior. Para criar riqueza, o mercado é mais eficiente. A dificuldade para o Estado é cumprir o seu papel. Ele deve garantir, não gerir a economia. A esquerda já renunciou à nacionalização. Entendeu que o Estado não é bom para gerar riqueza. Agora, a direita precisa entender que o mercado não serve para criar justiça. Precisamos do mercado para o que está à venda, e do Estado para o que não está.
CC: A publicidade, ao usar a idéia utilitarista da busca pela felicidade, seria uma resposta econômica à questão moral?
ACS: Sim, uma falsa resposta. A publicidade mente, pois nos diz que seremos mais felizes com tal produto que sem ele. Meus filhos compraram cinco celulares nos últimos anos e não são mais felizes por isso. A publicidade também é movida a novidade, como se ela significasse tudo na vida.
CC: E isso acontece também na arte...
ACS: Toda época tem a arte que merece. A nossa é a do mercado triunfante e da publicidade. Ambos se fundam sobre o novo. Na arte, a única forma de produzir o novo é ser radical. O fim do processo é fazer obras sem sentido. A busca louca pelo novo na arte é uma contaminação da lógica do capitalismo e da publicidade.
CC: Se a publicidade responde à moral, parece difícil criar algo à parte.
ACS: Claro. Por isso educamos as crianças. Se o capitalismo fosse moral, a publicidade também seria. Não precisaríamos educar as crianças. Bastaria colocá-las diante da tevê. Mas é bem o contrário. Temos de arrancá-las de lá para lhes ensinar qualquer coisa. Não sou “publífobo”. A publicidade tem sua importância econômica. Mas um adolescente, hoje, pensa que a felicidade depende do que possui. É a mentira publicitária, amar a novidade, ser in, Mas o essencial está no longo prazo. Vale mais ler Aristóteles e Montaigne que revistas da semana passada. Tudo nelas está defasado, mas o essencial dos filósofos segue vivo. Prefiro uma velha verdade a uma nova mentira.
CC: O senhor disse que não quer mais falar de moral. Qual vai ser o seu próximo tema?
ACS: Vou me dedicar à reabilitação da política. Estávamos errados, nos anos 60 e 70, de achar que ela podia tomar o lugar da moral e estamos errados hoje de achar que a moral pode tomar o lugar dela.
“Os americanos usaram preceitos morais para não salvar o Lehman Brothers. Mas este
foi o erro do século”
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Fonte: http://www.wmfmartinsfontes.com.br/detalhes_assessoria_destaquemidia.asp?id=179
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