Ricardo Voltolini*
Para
explicar o que acho que seja comunicação consciente, ou uma ideia
próxima disso, ocorreu-me lançar mão de uma pequena fábula contemporânea
de final infeliz. Dessas que têm alguns personagens malvados e outros
ingênuos, tramas mirabolantes, mentiras, enganos, enganadores e
enganados, lições de moral e ensinamentos de ética elementar.
Até dezembro de 2008, Bern era, aos 70 anos, um homem de bem com a
vida, reconhecido pelos pares e pela sociedade. Norte-americano rico de
família judia, figura ilustre de Wall Street, construiu fama de
filantropo serial, tendo sido referência para organizações de caridade
endinheiradas de todo o mundo. Não por outro motivo, sua empresa de
investimentos, criada em 1960, passou a ser uma espécie de porto seguro
para as reservas de banqueiros, de beneméritos e de investidores de bom
coração, que ele, Bern, zelosamente, fazia multiplicar aproveitando os
seus vastos conhecimentos de mercado de capitais.
Em dezembro de 2008, no entanto, a casa de Bern caiu. Tomado por um
surto de eficiência, o FBI descobriu que ele era, na verdade, um homem
não muito honesto. Adepto do “esquema Ponzi” –leia-se o velho truque da
pirâmide, que já produziu dezenas de milionários e milhões de trouxas –,
o antes virtuoso Bern, cidadão de imagem ilibada, aplicou um golpe de
50 bilhões de dólares. De uma noite para outra, pego provavelmente de
pijama de seda, dormiu filantropo da velha Nasdaq e acordou o maior
fraudador de todos os tempos.
Bern é Bernard Lawrence Madoff. E a sua escandalosa história já foi
contada inúmeras vezes tanto na CBN quanto na Gazeta de Xiririca da
Serra. Mas o que ela tem a ver com comunicação consciente? Nada e tudo.
Nada se Madoff tiver chegado aonde chegou sem a ajuda de ninguém, em
aventura solitária, guiado apenas pelo seu caráter –ou falta dele – ou
ainda pela sanha patológica de roubar almas indefesas. Tudo, se para
escalar até o topo da montanha de 50 bilhões de dólares, afanados de
incautos, ele tiver contado com o apoio de profissionais de comunicação.
Coloco, portanto, sob hipótese, pois não disponho de informações para
fazer julgamentos, nem tenho outro interesse que não seja o de usar a
historinha para fins alegóricos.
Admitindo hipoteticamente que, para criar a sua reputação de homem do
bem ou a imagem de investidor sério, ele tenha contado com gente que o
treinou em media training, que construiu suas relações com
públicos estratégicos, que cuidou da divulgação de seus serviços e que o
ajudou a posicionar-se como top of mind na categoria “investidor
filantropo número 1 do planeta”, muitos profissionais de comunicação
podem ter prestado um desserviço à humanidade. Nesses casos, há sempre o
salvo-conduto da ignorância. Mas, ainda no campo da pura especulação
ficcional, imagine que parte deste staff conhecesse exatamente a vilania
do negócio de Madoff, e mesmo assim tivesse se dedicado ao trabalho por
apego ao emprego ou por receio de perder um job de valores generosos,
até porque pago com dinheiro aliviado da carteira de terceiros, quartos e
quintos?
Quantos de nós fizemos, fazemos ou faremos, no nosso trabalho de
comunicação, algo de que discordamos por princípio ético? Quantos
ajudamos, sem questionamentos, a construir a imagem de uma empresa, de
um produto ou de uma marca com longo passivo socioambiental a quitar?
Quantos ajudamos a elaborar positions papers, campanhas, versões,
relatórios e discursos baseados em ideias que não encontram a mínima
ressonância na prática, na cultura e nas crenças das companhias? Pior
ainda, quantos textos, imagens, mensagens e símbolos misturamos, com as
nossas habilidades, receosos de que eles poderiam servir à disseminação
de uma mentira?
Comunicação consciente é, a meu ver, a comunicação que combina
técnica com ética, preocupando-se não só com os resultados, mas a
serviço de que causa e por que meios eles serão atingidos. Entendo que
visões como esta ainda podem ser vistas como excessivamente românticas,
como me afirmou um respeitado amigo, “nesses tempos loucos em que
vivemos”. Se queremos tempos menos “loucos”, devemos começar por uma
revisão de modelo mental afinada com os valores éticos que consumidores e
sociedade esperam dos comunicadores neste século 21.
Na linha de “que conselho daria a um jovem profissional começando na
carreira de comunicação”, destacaria o seguinte: “Quando for ao
trabalho, leve a sua competência técnica, sem esquecer em casa o coração
e os seus princípios éticos”. Fechado?
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* Ricardo Voltolini é jornalista, especialista em marketing
institucional e comunicação organizacional, e um dos primeiros
consultores brasileiros especializados em sustentabilidade. Além de
publisher da revista Ideia Socioambiental, a primeira publicação
brasileira especializada em sustentabilidade, é diretor da consultoria
Idéia Sustentável: Estratégia e Inteligência em Sustentabilidade,
empresa que atua em consultoria, educação, conteúdos e comunicação de
sustentabilidade. Atuando na área desde 1996, é considerado hoje uma
referência brasileira em investimento social privado, responsabilidade
social empresarial e sustentabilidade.
Fonte: http://mercadoetico.terra.com.br/arquivo/uma-pequena-fabula-para-a-comunicacao-consciente/?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=mercado-etico-hoje
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