José Tolentino Mendonça*
O filósofo Blaise Pascal dizia que toda a infelicidade
humana provém de uma única coisa: não sabermos estar quietos num lugar.
Mas não foi apenas a quietude a tornar-se hoje em dia uma virtude fora
de moda. Nós próprios nos tornámos uma espécie de «doentes de tempo».
Parece que temos de viver sete vidas num dia só, ofegantes, ansiosos,
desencontrados e meio insones.
Um desenvolvimento sereno do tempo não nos basta. Desde
os horários dilatados de trabalho às solicitações para uma comunicação
praticamente ininterrupta, entramos num ciclo sôfrego de atenção,
atividade e consumo. «Despacha-te, despacha-te» é o comando de uma voz
que nos aprisiona e cujo rosto não vemos. «Despacha-te para quê?»
Talvez, se tivéssemos de explicar as razões profundas dos nossos
tráficos em vertigem, nem saberíamos dizer. E também disso, desse vazio
de respostas, preferimos fugir.
Quem nos rouba o tempo? Um investigador social
americano, Alec Mackenzie, divertiu-se a construir uma lista de
«ladrões de tempo» e chegou à conclusão que os mais perigosos são os
interiores, os que nós próprios incorporamos. É claro que há uma
quantidade impressionante de «ladrões exteriores»: o modo leviano como
nos interrompemos uns aos outros com trivialidades; os telefonemas que
chovem e se prolongam por coisa nenhuma; os compromissos e obrigações
sociais de mero artificialismo; as reuniões sem uma agenda preparada em
vista de objetivos...
Mas os «ladrões» mais devastadores são os que atuam por
dentro quando, por exemplo, as nossas próprias prioridades aparecem
confusas e flutuantes; quando somos incapazes de traçar um plano diário
ou mensal e ser fiel a ele; quando as responsabilidades estão mal
repartidas e se resiste a delegar; quando não conseguimos dizer um não,
com simplicidade; quando nos deixamos envolver numa avalanche de
ativismo e desordem ou nos acomete o problema contrário: um
perfecionismo idealizado que nos deixa paralisados.
A conquista de um ritmo humano para a vida não acontece
de repente, nem avança com receitas de quatro tostões. Também aqui
estamos perante um caminho de transformação que cada um tem de fazer e
nos pede verdade, aprendizagem e renúncia.
A primeira renúncia é a da obsessão pela omnipotência.
Temos de ter a coragem de perceber e aceitar os limites, pedir ajuda
mais vezes, e dizer «basta por hoje», sem o sentimento de culpa a
martelar. A insegurança provocada pela velocidade a que tudo se dá,
leva-nos a ter medo de apagar a luz ou de arrumar os papéis para
continuar amanhã.
Precisamos, por outro lado, aprender a planificar com
sabedoria o dia a dia, hierarquizando as atividades, e concentrando
melhor a nossa entrega. Precisamos aprender a racionalizar e a
simplificar, sobretudo as tarefas que se podem prever ou se repetem. E
ganhar assim tempo para redescobrir aqueles prazeres simples que só a
lentidão e o silêncio nos fazem aceder. São tão belos certos instantes
de recolhimento e de pausa em que o nosso olhar ou o nosso passo se
deslocam sem ser por nada, numa gratuidade que apenas cintila,
reacendida!
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* José Tolentino Mendonça. Teólogo português. Escritor. Poeta. Conferencista.
In Nenhum caminho será longo, ed. Paulinas - Portugual
Fonte: http://www.snpcultura.org/quem_sabe_usar_silencio_sabe_usar_tempo.html 05.06.13
In Nenhum caminho será longo, ed. Paulinas - Portugual
Fonte: http://www.snpcultura.org/quem_sabe_usar_silencio_sabe_usar_tempo.html 05.06.13
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