Pensar a vida, esse enorme desafio que o sujeito contemporâneo
muitas vezes tem relegado ao segundo plano, é questão crucial, já que
ela envolve todos os tons, cores, movimentos, ações, reações,
reprodução, surgimento ou fim das espécies, etc. É preciso reconhecer
que não há na biologia, física, filosofia ou sociologia elementos que
sejam suficientes para trazer uma explicação satisfatória, com um ponto
final sobre o mistério da vida. Ao longo da história humana diversas
explicações sobre a origem, a essência e a finalidade da vida foram
concebidas, mas nada foi capaz de parar essa busca insaciável do ser
humano em responder o que é a vida.
Na atualidade, se existe alguém que não fugiu desse questionamento sobre a vida, é Edgar Morin. Em “O Método II: A vida da Vida”,
o pensador francês faz um gigantesco esforço para sistematizar e
refletir acerca das contribuições das ciências, especialmente da
biologia, na interface com a filosofia, para um melhor entendimento da
vida, de uma maneira mais ampla. Algumas destas reflexões foram expostas
pela professora Izabel Petraglia (FMU) (foto), no terceiro encontro do Ciclo de Estudos sobre “O Método” de Edgar Morin, realizado pelo Cepat/CJ-Cias, em parceria com a Pastoral da PUCPR, ocorrido no último sábado, 8 de junho, em Curitiba.
Para Edgar Morin, “a vida é um oceano à deriva” e as
reflexões que dela se retira não são encerradas em verdades eternas,
muito menos, produzem caminhos seguros, com descobertas consoladoras. As
falsas certezas excluem o erro e a ilusão e não parece conveniente
buscar construir o conhecimento sobre “uma rocha de certeza”. Portanto, a
contribuição de Morin, em “A vida da Vida”,
não visa abarcar a vida e nem fazer uma síntese dela, mas alcançar um
princípio do conhecimento que possa abarcar a vida e o conhecimento do
conhecimento da vida. Em outras palavras, adeus aos velhos esquemas
prontos, com fundamentos indissolúveis, como ponto de partida
irrefletido, uma vez que na complexidade não há plenitude, assim,
resiste-se à tentação de almejar encarcerar o real em algum sistema de
pensamento e de classificação.
A vida, o modo de organização de ser, de existência, precisa ser
pensada dialogicamente. Para isto, Morin concebe como fundamental a
religação dos saberes. Para isto, é impossível desconsiderar as
contribuições diversas da ciência (biologia, física, química), como
também da filosofia, da sociologia, etc., contudo, estas devem ser
pensadas em conjunto, e não separadamente. Neste sentido, a professora Petraglia
destacou o próprio sentido da palavra “complexus”, um termo latino que
significa “o que é tecido junto”. Assim, a vida é pensada a partir do
pensamento complexo, que não separa, mas une e integra as relações
necessárias e interdependentes de todos os seus aspectos. O pensamento
complexo busca respeitar a riqueza, o mistério e o caráter
multidimensional do real.
"O Método II: A vida da Vida" é organizado em cinco partes. Cabe, aqui, uma breve pincelada sobre cada uma delas:
1. A ecologia generalizada. “Oikos”. Morin
destaca que a ecologia, uma ciência nova, rompe com os princípios do
paradigma científico clássico, que isola os objetos. Conceitos chaves
como ecossistema e eco-organização são destacados. Evidencia-se a
trilogia ordem, desordem, organização, na forma como a vida se organiza,
desorganiza-se, reorganiza-se, sem necessariamente ser pensada nesta
ordem, evitando-se o pensamento estático. Nesta dimensão, Morin enfatiza os operadores da complexidade:
a) o dialógico, em que considera a união de termos opostos e contraditórios como complementares (por exemplo, a vida e a morte);
b) o recursivo ou recorrente, com processos em circuitos: causa/efeito/causa;
c) o hologramático, que apresenta o aparente
paradoxo dos sistemas. A parte está no todo, assim como o todo está na
parte. A figura do caleidoscópio ilustra bem esta forma de conceber o
real.
Nesta parte, a professora Petraglia também destacou
alguns conceitos chaves no pensamento de Morin, como ecologia da ação,
ressaltando que por vezes a ação humana foge da sua vontade e
entendimento, adquirindo um sentido diferente do que tinha inicialmente.
Assim como, também, a ecologia das ideias, enfatizando que o ser humano
possui ideias, mas que também as ideias possuem o ser humano (teorias,
ideologias, mitos, deuses, etc.). Também quando se escreve uma obra,
esta é passível de muitas interpretações, de ganhar sentidos diferentes
daquele que o autor pensou inicialmente, o que pode ser chamado ecologia
das obras.
2. A autonomia fundamental. “Autos”. O ser vivo
possui o instinto de salvaguardar a sua própria vida. O ser humano é
parte da natureza, mas também é produtor de cultura. Assim, é 100%
natureza e 100% cultura. Ninguém se produz sem o meio, mas também não é
totalmente dependente deste meio, assim, só é possível a autonomia
porque também existe a dependência. Para conceber o indivíduo vivo é
necessário juntar termos antagônicos. Sem perceber as relações mútuas e
as influências recíprocas e complementares entre as partes e o todo
complexo, a vida se torna ainda mais indecifrável.
É na relação de alteridade que o sujeito se percebe como tal, ou
seja, quando é capaz de enxergar e reconhecer o outro. O eu só existe na
relação com o tu. É quando surge o nós. Neste ponto, a professora Petraglia
destacou que aquilo que diferencia o ser humano de um animal não é a
inteligência, mas a consciência. Somente o ser humano, em sua
subjetividade, pode pensar a si próprio, bem como suas ações e o modo
como existe e é no mundo. Dentre as muitas polaridades do ser humano, o Homo Complexus, pode-se evidenciar que ele é racional e irracional, capaz de medida e de desmedida, de violência e de ternura, etc.
3. A organização das atividades vivas. Nesta parte, Morin
faz uma crítica ao pensamento hegemônico da sociedade moderna, ao mesmo
tempo, apresenta uma visão dialógica do desenvolvimento social e do
progresso global. Entre as polaridades presentes neste cenário de
desenvolvimento e progresso, é possível destacar pontos positivos como
uma maior distribuição de renda, ampliação do consumo, conforto,
direitos humanos, da mulher, cura de doenças, geração de empregos,
intercâmbios internacionais, etc. Como também os negativos: armas
nucleares, diversos problemas ambientais, individualismo, conflitos
étnico-religiosos, disjunção entre ciência e humanidades, fragmentação
do conhecimento, etc.
4. “Re”: do prefixo ao paradigma. Aqui, Morin
evidencia a capacidade do ser vivo de regeneração, de religação. Assim
destaca-se também a reforma do pensamento, da religação do pensamento
racional-lógico-dedutivo, mítico-mágico-imaginário, numa concepção
transdisciplinar. Neste sentido, para Morin: “Tudo o
que é novo deve incessantemente recomeçar-se, reconstruir-se,
regenerar-se, e só pode fazê-lo inscrevendo-se no antigo, sem, no
entanto, ser reabsorvido pela repetição do antigo” (“A vida da Vida”, Publicações Europa-América, 1999).
5. Para compreender o vivo. “Bios”. Nesta última parte, Morin
recapitula a complexidade física da vida, inscrita na versatilidade de
sua existência. Nada melhor do que o próprio esclarecimento de Morin:
“A vida apresenta-se sob caracteres tão diversos que nenhuma definição
consegue abarcá-los e articulá-los em conjunto. Logo que queremos
aprender a sua unidade, faz surgir noções que deveriam excluir-se umas
às outras. É unidade física, e é diferente de todos os outros fenômenos
físicos. É espécie e é indivíduo. É descontinuidade
(nascimentos/existências/mortes) e é continuidade (ciclos, anéis,
processos). É reprodução e é trocas” (“A vida da Vida”, Publicações Europa-América, 1999).
Ao final do debate, a professora Petraglia salientou que a parte conclusiva de “A vida da Vida” é apontada por Morin
como uma inconclusão, algo muito próprio de um pensador com o espírito
tão aberto e livre do cientificismo. Além disso, no final do livro, Morin também escreveu uma reintrodução da obra, apontando limites e considerações importantes acerca de suas reflexões anteriores.
Com uma forma de exposição dinâmica, utilizando-se de vídeos curtos, relacionados com o tema, a professora Izabel Cristina Petraglia encerrou suas contribuições destacando dois princípios éticos fundamentais nas reflexões de Morin sobre a vida: a responsabilidade e a solidariedade. Em seguida, após um rico debate com os participantes do ciclo de estudos, Petraglia encerrou o debate com a força poética da composição de Gonzaguinha “O que É, o que É?”, uma bela canção que demonstra os vários sentidos que se pode dar à vida.
------------------------------
O texto é de Jonas Jorge da Silva, membro da equipe do Cepat/CJ-Cias, e as fotos de Sidney Lemes, da Pastoral da PUCPR.
Fonte:http://www.ihu.unisinos.br/noticias/520838-a-tempestade-de-edgar-morin-a-vida-e-um-oceano-a-deri%20va
Nenhum comentário:
Postar um comentário