quarta-feira, 12 de junho de 2013

Quem é Luiz Felippe Pondé?

Paulo Ghiraldelli Jr*
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Se há alguém que irrita conjuntamente feministas assanhadas, esquerdistas empedernidos e até os da direita que usam cueca samba canção, esse alguém é o filósofo Pondé. Esse meu amigo consegue tal proeza porque ele desobedece francamente meu outro amigo, já falecido, o filósofo americano Richard Rorty.

O lema rortiano para ler filosofia e, de certo modo, para fazer filosofia, prega que devemos saber que alguns filósofos procuram justiça social enquanto que outros procuram autocriação. Filósofos como Marx, Mill, Habermas e Rawls são do primeiro tipo, filósofos como Nietzsche, Heidegger e Derrida são do segundo tipo. Platão unifica justiça e autocriação segundo um vínculo de necessidade por meio da sua metafísica. Ensinou muitos a agirem assim. Por sua vez, Rorty é antiplatônico à medida que não vê nenhuma necessidade de cimento entre uma coisa e outra, e, por isso mesmo, saúda todos os filósofos citados, contanto que eles sejam lidos em seus pontos fortes, e não por suas periferias.

Como filósofo que se pretende trágico, Pondé está na linha que vem da própria concepção de tragédia grega. Ei-la: a vida é marcada pelo destino que acontece segundo acasos, e não por necessidade, mas ainda assim acontece. Acreditando nisso, Pondé sai (ou nem entra) dos gregos e vem para os autores modernos e contemporâneos. Pascal, Schopenhauer e Nietzsche são suas principais torres de escuta e visão. Então, na conta de Rorty, ele deveria ser lido como um filósofo da autocriação. Eu creio que é assim mesmo que ele se imagina. Pois ele próprio diz que não leva a política a sério. Todavia, uma vez que sua atividade filosófica se exerce na imprensa e esta é marcada pela política, ele acaba enveredando pelos temas que são dos filósofos do primeiro grupo, os que Rorty diz que evocam a justiça social. Eis que Pondé começa a invadir essa área com instrumentos de outra. Esse seu “erro” é fonte de seu sucesso. Ele engana a direita e irrita a esquerda. Todo mundo grita, e assim ele faz o que todos nós filósofos não ricos queremos fazer: vender livro.

Ele irrita a esquerda porque ao aplicar uma filosofia de autocriação para o campo da justiça, praticamente faz tudo, menos justiça. Ou digamos assim: faz a justiça, não a justiça social. Sem apreço pela igualdade, não há justiça social alguma. Pondé chega a odiar a igualdade, ou ao menos a propaganda dela. Recebe o ódio de volta dos igualitaristas.

Ele engana a direita porque esta o pega pela política, não pela filosofia. A direita se pensa ultraliberal, se imagina querendo a liberdade, mas fica logo amante de golpes de estado e se torna bastante conservadora, até meio fascista, quando no combate ao que ela imagina que ainda existe, o “comunismo”. Teme o igualitarismo e então se insurge contra a social democracia. Todavia, a direita abandona seus princípios libertários e chama o Dulce ou o Fürer quando teme pelo seu bolso e, desse modo, deixa a liberdade sem pai e sem mãe quando esta mais precisa. Às vezes volta – como Carlos Lacerda fez durante a “Frente Ampla” – arrependida, para compor com adversários de esquerda ou liberais autênticos, e quase que pede perdão por ter apoiado golpes que fazem o tiro sair pela culatra, instaurando algo nada igualitário que é a massificação. “Massa” não é resultado de igualitarismo, mas de completa indiferença para com igualdade, diferença e liberdade. Ora, essa direita não sabe que Pondé, justamente pelo seu ideal de autocriação, jamais se daria bem em qualquer ditadura ou qualquer regime de força.

Pondé poderia ser antes um polemista que um polêmico, e então responder a alguns de seus críticos. Mas ele prefere deixar por isso mesmo. Escreve na imprensa e deve imaginar o seguinte: quem quiser que procure a base sobre a qual falo e veja se a filosofia trágica é boa filosofia ou não. Não é meu método de agir. Não agiria assim. Sou aquele filósofo que ainda tem um pouco do professor. O leitor burro me irrita, sim, mas sempre acabo achando que há também apenas o leitor leigo, que merece explicação a mais do que artigos curtos e aforismos. Então escrevo e rescrevo compulsivamente. Um pouco é isso que faço aqui agora.

Conto como é um filósofo trágico. Vamos a Pascal, segundo uma leitura que agrada Pondé, a de Clément Rosset. Este filósofo diz que em Pascal, como em Lucrécio, não há “natureza”. Ou seja, não há natureza boa (Rousseau) ou má (Sade). De modo que não havendo natureza não há de se pensar o mundo segundo leis. O mundo não é um cosmos, mas um caos. Cosmético (palavra que vem de cosmos) seria uma palavra vazia. Segundo essa visão não se pode organizar um rosto pela maquiagem e chamar uma tal substância de cosmético, de substância para a organização geral, a harmonização. Pode-se apenas criar a maquiagem e pronto. Nada que imite o mundo pode falar em harmonia e leis. Por isso Pascal pode fazer a aposta que faz, sobre Deus. Pode acreditar em milagres. Pois se não há regras na natureza, não há o que se possa quebrar. O milagre é apenas um feito pontual, um feito não costumeiro, não um elemento sobrenatural no sentido ontológico da palavra. Assim, racionalmente, Pascal pode colocar como um dos lados da aposta, o Deus do cristianismo.

Essa postura de Pascal é a postura que Pondé busca na sua autocriação. Ele quer ser um indivíduo que pode fracassar. Ele diz conhecer o fracasso. Ele vê o mundo como o que lhe reserva um destino que ele não sabe qual será, mas que pode muito bem lhe mostrar novamente o fracasso. Então, ele se vê segundo a humildade pascaliana. Ele se vê corajoso por aceitar essa forma de compreender o mundo. Ele levanta todo dia para mais um dia, querendo se ver salvo pelo convívio de amigos, mas se mantendo amargurado, mas não ressentido, sabendo que tudo pode lhe dar novos fracassos e assim fazer dele mais humano ainda. Pois só o fracasso humaniza, segundo ele.

Nenhuma pessoa da direita política pensa assim. A direita, pela sua própria plataforma, e não necessariamente por desvios de personalidade de seus membros, tem de ser composta por gente que acaba por humilha os mais pobres, uma vez que não os reconhece como pobres, mas como vagabundos. Mas, não entendendo patavina do que Pondé diz, a direita olha para ele, quando ele aplica tais noções à política, e o vê como um adorável conservador, como um ídolo. Acham que encontraram, finalmente, um filósofo que devem apoiar porque tal filósofo estaria falando o que querem ouvir. Colocam Pondé em capas de revista. A burrice da direita não percebe que Pondé é lobo na pele de cordeiro. Ele não tem a ver com “neoliberais”, mas com Pascal. Ainda vamos rir disso!

Vamos rir porque por enquanto Pondé fala mal de Obama. Ora, qualquer social democrata – e Obama é um deles – acha que existe leis na natureza e que também a sociedade pode ser pensada assim, e, portanto, não vai acreditar em milagres. Os social democratas são planejadores. Quem opta pelo acaso e pelos caos (mesmo acreditando em destino trágico) vai contra, na política, ao social democrata. O certo seria não ir nem contra e nem a favor. Mas Pondé, estando no jornal, fala muito e acaba pondo a filosofia no lugar da política. Nega conquistas igualitárias e fala uma língua que não é a do liberalismo progressista, mas do liberalismo tradicional que, um dia, a esquerda chamou de “darwinismo social”. Ora, isso deixa a esquerda furiosa e a direita contente. A direita mal sabe que isso não é política, muito menos filosofia política, isso é apenas Pondé dando palpite num terreno que pouco lhe importa. Por isso, dependendo da situação, Pondé pode, a qualquer momento, falar coisas que irá espantar a direita, se é que já não faz isso.

Bem, pode ser que tudo que eu disse aqui não se verifique. Ninguém sabe como um homem agirá. Pondé pode começar a gostar de política e realmente iniciar uma filosofia política com instrumentos que não são próprios dela, indo bater em um conservadorismo não contingencial, mas estrutural. Isso não seria nem um pouco pascaliano ou nietzschiano. Pondé pode ser engolido pelos seus aduladores. Todavia, eu rezo para o Deus cristão de Pascal que tal coisa não ocorra.
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* Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor, cartunista e professor da UFRRJ
Nota do Blog: Luiz Felipé Pondé é filósofo, escritor e prof. universitário, colunista da Folha de São Paulo. 
Fonte: http://ghiraldelli.pro.br/11/06/2013

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