Em meio à queda de popularidade de 27 pontos percentuais da
presidente Dilma Rousseff em três semanas (Datafolha), o ex-presidente
Luiz Inácio Lula da Silva voltou a afirmar que não disputará a
Presidência em 2014 e disse que Dilma será sua candidata. Em sua
primeira entrevista depois dos protestos que levaram milhares de pessoas
às ruas - e fez com que a popularidade de Dilma despencasse - Lula
afirmou ao Valor Pro, serviço de notícias em tempo real do Valor, que as manifestações são normais em uma democracia e provam que a sociedade brasileira vive como uma 'metamorfose ambulante'.
Lula defendeu sua sucessora e afirmou que a presidente não demorou
para ouvir as vozes da rua. A pesquisa Datafolha divulgada no sábado
mostrou que Dilma também perdeu intenção de votos e caiu de 51% para
30%. A mesma pesquisa mostrou que Lula teria melhor desempenho que Dilma
na eleição presidencial de 2014.
O ex-presidente evitou falar sobre a proposta de plebiscito para a
realização de uma reforma politica. O petista disse apenas que a
proposta será implementada, mas afirmou que não sabe como isso será
feito.
As declarações foram dadas no fim da tarde de ontem, depois de
participar do primeiro dia do encontro "Novas abordagens unificadas para
erradicar a fome na África", promovido pelo Instituto Lula, pela União
Africana e pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e
Alimentação (FAO) em Adis Abeba, capital da Etiópia.
Antes, pela manhã, Lula tentou explicar o que estava acontecendo no
país, ao discursar a uma plateia composta por ministros, políticos e
integrantes de Ongs de diferentes países africanos. O ex-presidente
elogiou Dilma, ao afirmar que a sucessora teve um comportamento
'extraordinário' e foi solidária em relação às manifestações que
acontecem em todo o país. O petista disse ainda que os protestos são
decorrentes dos ganhos obtidos pela população nos últimos dez anos de
governos petista.
Da Etiópia Lula segue para a Alemanha onde fará uma palestra a convite do banco Santander.
A seguir, a entrevista.
Valor: Como o senhor viu essas manifestações? O que levou as pessoas às ruas?
Luiz Inácio Lula da Silva : Eu acho que no Brasil
temos prefeitos, governadores, presidente da República... Eu sou um
curioso nesse aspecto. A primeira coisa que eu acho é que toda vez que
um povo se manifesta é sempre muito importante. Acho que democracia
exige que o povo esteja sempre em movimento, em manifestação, sempre
reivindicando alguma coisa. As reivindicações que o povo está fazendo,
de melhoria de transporte, de saúde, de educação isso é próprio do
processo de crescimento que o Brasil vem enfrentando. Se você analisar
que em dez anos mais do que dobrou o número de universitários no Brasil e
de alunos nas escolas técnicas, e que houve a evolução social de uma
camada da sociedade, essas pessoas cada vez mais querem mais. É assim.
Quando aconteceu a greve dos metalúrgicos em 1978 as pessoas se
perguntavam por que os trabalhadores fizeram greve. Eu dizia: porque
eles tinham aprendido a comer um bife e estavam tirando o bife deles!
Começaram a brigar para não perder o bife! Na medida em que as pessoas
tiveram uma evolução social, é normal que elas queiram mais coisa. De
vez em quando as pessoas reclamam que os aeroportos estão cheios. É
lógico que tem que estar cheio! Em 2007 você tinha 48 milhoes de
passageiros voando de avião. Hoje você tem 101 milhões de passageiros.
Obviamente que vai ter gente brigando. Você não tem [briga de
passageiros] de ônibus, porque a quantidade de passageiros que andavam
de ônibus em 2007 é a mesma de 2012. Na medida em que as pessoas vão
evoluindo vão querendo mais. Eu acho importante. Eu acho que se as
pessoas questionam custo da Copa as pessoas que organizaram, que
contrataram tem que mostrar. Não tem nenhum problema fazer esse debate
com a sociedade. E é fazendo o debate que você separa o joio do trigo.
Quem quer realmente debater, está interessado em fazer coisa séria e
aquilo que é justo. Nesse aspecto Dilma tem tido um comportamento
importante. De entender o movimento, tentar dialogar com o movimento e
construir as propostas possíveis. Se a gente tiver qualquer preocupação
com o exercício da democracia é muito ruim.
Valor: O senhor se reuniu com Dilma e Haddad durante a crise. O que o senhor disse a eles? Faltou ouvir as ruas?
Lula : A coisa que o Haddad mais ouviu foi as ruas.
Ele tinha acabado de sair de uma eleição. Primeiro ele ganhou as
eleições por causa da proposta de transporte que fez para São Paulo, que
era para novembro mas talvez ele antecipe, não sei se tem condições de
antecipar (proposta do Bilhete Único Mensal). A propaganda do Haddad era
o seguinte: da porta para dentro muita coisa melhorou nesse país, mas
da porta para fora nada foi feito. E ele dizia que em São Paulo em oito
anos não havia sido feito nenhum corredor de ônibus. Ninguém pode, em sã
consciência, nem o prefeito, nem o vice-prefeito, nem um cidadão
qualquer dizer que o transporte em São Paulo é de qualidade. O metrô era
de qualidade quando andava pouca gente, quando tinha condição de
sentar. Mas agora que você tem passageiro para três vagões andando em um
vagão, vai piorando a qualidade. O que eu acho que pode acontecer no
Brasil é as pessoas se convencerem que de quando em quando gente precisa
refletir sobre o que está acontecendo, conversar com as pessoas e
tentar construir aquilo que precisa ser construído. É por isso que
elogiei o comportamento da Dilma nessas coisas. Ela humildemente foi
conversar com todos os segmentos da sociedade. Não se recusou a
conversar com nenhum.
Valor: Não demorou muito para fazer isso?
Lula: Não demorou. Ela conversou no momento certo.
Não poderia ter conversado antes, para discutir qualquer movimentação. O
que a gente tem que entender é o seguinte: a realidade no mundo é
outra, o povo está mais exigente, está tendo cada vez mais acesso a
informação. Hoje o povo não precisa esperar o jornal no dia seguinte, a
televisão à noite. As pessoas estão acompanhando as coisas 24 horas por
dia. As pessoas não estão mais lendo notícia. Estão fazendo notícia. Eu
acho que essa coisa é que é interessante. Nesse momento só tem uma
solução: é pensar, conversar e começar a colocar em prática coisas que
sejam resultado das discussões com a sociedade.
Valor: O senhor concorda com essa proposta de
plebiscito sobre reforma politica? O senhor ficou irritado com o fato de
a presidente ter consultado o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso?
Lula: Eu não posso fazer julgamento de acordo feito
entre partidos políticos. Cada partido esteve representado com seu
presidente e eles decidiram fazer o que tinham que fazer e vão colocar
em prática. Não sei como é que vão colocar em prática, mas vão colocar.
Nós temos o direito de conversar com quem bem entenda. Eu até agora não
ouvir dizer que Dilma conversou com Fernando Henrique Cardoso. Ouvi
setores da imprensa dizendo que ela conversou, o que ela não confirmou
em nenhum momento. Mas conversar com FHC, com Sarney, com Collor, com
Lula, é a coisa mais natural que um presidente tem que fazer. É
conversar com as pessoas. É o seguinte: o Brasil vive um momento
extraordinário de afirmação de sua democracia. Somos um país muito novo
no exercício da democracia. Se você quiser pegar a eleição do Sarney
como paradigma ou a aprovação da Constituição em 1988 temos 25 anos de
democracia contínua. É o periodo mais longo. É normal que a sociedade
esteja como uma metamorfose ambulante, se modificando a cada momento. É
muito bom para o Brasil.
Valor: Mas não preocupa o abalo na popularidade da presidente, que caiu 30 pontos percentuais desde o inicio do mês?
Lula: Veja, querida, não me preocupa. Se tem um
cidadão que já subiu e desceu em pesquisa fui eu. Em 1989 teve um dia no
mês de junho que eu queria desistir de ser candidato porque eu tinha
caído tanto que ia sair devendo para o Ibope (risos). Então eu cheguei a
pensar em desistir porque não tem como eu pagar voto. Só tenho o meu. E
depois com tantos figurões disputando a eleição fui eu que fui para o
segundo turno. A Dilma é a mais importante candidata que nós temos, a
melhor. Não tem ninguém igual a ela para ser candidata à Presidência da
República. Portanto ela será a minha candidata.
Valor: O senhor volta em 2014?
Lula: Não
---------------------------------- Reportagem por Por Cristiane Agostine | De Adis Abeba (Etiópia)
A repórter viajou a convite da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO)
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