A franco-iraniana Lila Azam Zanganeh na mesa "O Prazer do Texto", na Flip 2013, em Paraty
Em uma palestra intitulada "Dez Mandamentos como Ética Contemporânea", o filósofo e colunista da Folha
Luiz Felipe Pondé falou, nesta sexta (5), sobre o impacto que as regras
anunciadas no Velho Testamento tiveram na articulação da sociedade da
época e sobre a função política que as religiões exerceram desde suas
origens.
"A esperança sempre foi uma virtude teologal, ou seja, algo que vinha de
Deus. Hoje, a esperança é uma virtude política", disse Pondé durante a
conversa, que aconteceu na Casa Folha, em Paraty.
"A relação com a política hoje é religiosa na raiz: a gente espera que a
política conserte o mundo. A política está no lugar da religião."
Apresentado pelo mediador, Alcino Leite Neto, editor do selo Três
Estrelas, como um intelectual "de posições muito independentes,
anticonsensuais" e "um dos principais pesquisadores brasileiros da
religião", o filósofo pernambucano afirmou que a criação dos mandamentos
foi "um momento civilizacional".
"É a tábua a partir da qual o povo vai construir seu comportamento, são
vistos como a pedra filosofal a partir da qual o povo vai constituindo
uma identidade. E isso através de regras, porque, sem regras, você não
vive."
Pondé falou ainda sobre a introdução do conceito cristão que seria o 11º mandamento, "ama o teu próximo como a ti mesmo".
"A introdução dessa variável do amor se torna um diferencial importante
entre o cristianismo e o judaísmo. O cristianismo dá uma virada na
imagem do Deus um tanto duro do judaísmo."
Este Deus do Antigo Testamento, que "mata bastante", é um grande personagem, segundo Pondé.
"Só um Dostoiévski ou um Shakespeare seriam capazes de pensar um
personagem assim. Imagino o que era para Adão e Eva viver com esse cara.
Ele é dono de tudo, sabe o que você pensa, e, ainda por cima, não é
metido, como qualquer um de nós seria com um poder desses."
O palestrante citou sua preferência por alguns dos livros poéticos e
sapienciais do Velho Testamento --"Provérbios", "Eclesiastes", "Jó",
"Cânticos dos Cânticos"-- e falou sobre a importância do culto aos
ancestrais.
"A relação com o passado é importante, porque os ancestrais nos legaram
uma herança. A grande questão é: o que nós vamos deixar de legado para
as próximas gerações?", perguntou ao público que lotou a Casa Folha.
"A modernidade parece um adolescente de 17 anos, que acha que entende
tudo sobre o mundo e que o passado não vale nada. Quando você aprende a
respeitar o que veio antes de você, ajuda a baixar a bola sobre o que
pensa de si mesmo."
Segundo Pondé, a discussão sobre "o caráter contemporâneo dos dez
mandamentos", tema da palestra, vai ser tratado também em seu próximo
livro pelo selo Três Estrelas, do Grupo Folha.
"Uma das vantagens que a gente aprende quando estuda religiões é que
elas são entidades muito antigas, a literatura produzida é de uma
sabedoria imensa sobre o ser humano. Como é muito antiga, essa
literatura religiosa tem uma reflexão abissal sobre o ser humano."
Provocado pelo mediador a criar um novo mandamento que pudesse ser
acrescentado aos dez originais, Pondé apresentou sua sugestão: "Não
serás ressentido".
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Fonte: Folha on line, 05/07/2013
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