Leonardo Boff*
"Ai se confessa claramente que o combate contra a TL estava ligada
a interesse ideológicos, próximos do capitalismo e do status quo
imperante na América. Curiosamente, o combate contra a TL se fundava na
acusação, revelada como falsa, de que se inspirava no marxismo e
representava o cavalo de Tróia pelo qual entraria o marxismo na América
Latina."
Da parte dos pobres: Teologia da Libertação, Teologia da igreja, Padua
2013.
O que escreverei aqui não tem nenhum sentimento de revanche. Repito o
que disse ao então Card. Joseph Ratzinger, depois Papa Bento XVI, no
final do julgamento a que fui submetido no edifício da ex-Inquisição, à
direita de quem vem da Via della Concilizione no dia 7 de setembro de
19845: a última palavra sobre o significado da Teologia da Libertação
não a tem o Sr., Cardeal, nem eu, mas a Deus e a verdade da história
que, no seu tempo, virá à luz. E parece que está vindo à lume agora,
quando o atual Presidente da Congregação da Doutrina da Fé o arcebispo
(não é ainda Cardeal) Gerhard Ludwig Müller escreveu um livro
conjuntamente com um dos fundadores da Teologia da Libertação o peruano
Gustavo Gutiérrez com o significativo título Da parte dos pobres: Teologia da Libertação, Teologia da igreja, Padua
2013. Ai se confessa claramente que o combate contra a TL estava ligada
a interesse ideológicos, próximos do capitalismo e do status quo
imperante na América. Curiosamente, o combate contra a TL se fundava na
acusação, revelada como falsa, de que se inspirava no marxismo e
representava o cavalo de Tróia pelo qual entraria o marxismo na América
Latina. O corifeu desta falsificação foi o Card. Alfonso Lopez Trujillo
de Medellin, hoje falecido, e em sua medida, tambem o Card. Eugênio
Salles do Rio de Janeiro, também falecido. Publico este texto
especialmente para leitura daqueles que neste blog insistem em acusar a
TL e a mim pessoalmente de marxistas, comunistas e outras
desqualificações. A luz tem mais direito que as trevas. E aquilo que foi
verdade naqueles dias turbulentos em que éramos perseguidos pelos
Orgãos de Segurança dos Militares e publicamente difamados por nossos
próprios irmãos de fé, continua verdade hoje e oxalá sempre: os pobres
gritam por serem oprimidos; pertence à missão da fé cristã ouvir este
grito e fazer o que puder para que eles, conscientizados e organizados,
possam sair daquela infame situação que não agrada a ninguém, nem a
Deus. LB
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O movimento eclesial teológico da América Latina, conhecido como teologia da libertação, que depois do Vaticano II encontrou eco em todo o mundo, deve ser considerado, na minha opinião, entre as correntes mais significativas da teologia católica do século XX.
Quem consagra a Teologia da Libertação com esta elogiosa e
peremptória avaliação histórica não é nenhum representante sul-americano
das estações eclesiais do passado. O certificado de validade chega
diretamente do arcebispo Gerhard Ludwig Müller, atual Prefeito do mesmo
dicastério vaticano a Congregação para a Doutrina da Fé que durante
os anos 1980, seguindo o impulso do Papa polonês e sob a direção do
então cardeal Ratzinger, interveio com duas instruções para indicar os
desvios pastorais e doutrinais que também incluíam os caminhos que as
teologias latino-americanas haviam tomado.
A reportagem é de Gianni Valente e publicada no sítio Vatican Insider, 21-06-2013. A tradução é do Cepat.
A avaliação sobre a Teologia da Libertação não é uma declaração que
escapou acidentalmente ao atual custódio da ortodoxia católica. O juízo,
meditado, aparece nas densas páginas do volume do qual foi tirada a
frase: uma antologia de ensaios escrita a quatro mãos, impressa na
Alemanha, em 2004, e que agora está sendo publicada na Itália com o
título Da parte dos pobres, Teologia da Libertação, Teologia da Igreja
(Ediciones Messaggero, Padua, Emi).
Atualmente, o livro irrompe como um ato para encerrar as guerras
teológicas do passado e os resíduos bélicos que de tempos em tempos
brilham para espairecer alarmas que representam ora interesses, ora
pretextos. O livro é escrito pelo atual responsável pelo ex-Santo Ofício
e pelo teólogo peruano Gustavo Gutiérrez, pai da Teologia da Libertação
e inventor da própria fórmula utilizada para definir essa corrente
teológica, cujas obras foram submetidas a exames rigorosos durante muito
tempo pela Congregação para a Doutrina da Fé em sua longa estação
ratzingeriana, embora nunca tenha sido condenado.
O livro representa o resultado de um longo caminho comum. Müller
nunca ocultou suaproximidade com Gustavo Gutiérrez, que conheceu em 1998
em Lima durante um seminário de estudos. Em 2008, durante a cerimônia
para o doutorado honoris causa concedido ao teólogo Müller pela
Pontifícia Universidade Católica do Peru, o então bispo de Regensburg
definiu como absolutamente ortodoxa a teologia de seu mestre e amigo
peruano. Nos meses anteriores à nomeação de Müller como presidente do
dicastério doutrinal, foi exatamente sua relação com Gutiérrez que foi
evocada por alguns como prova da não idoneidade do bispo teólogo alemão
para o posto que ocupou (durante 24 anos) o então cardeal Ratzinger.
Nos ensaios da antologia, os dois autores-amigos se complementam
reciprocamente. SegundoMüller, os méritos da Teologia da Libertação vão
além do âmbito do catolicismo latino-americano. O Prefeito indica que a
Teologia da Libertação expressou no contexto real da América Latina das
últimas décadas a orientação para Jesus Cristo redentor e libertador que
marca qualquer teologia autenticamente cristã, justamente a partir da
insistente predileção evangélica pelos pobres. Neste continente,
reconhece Müller, a pobreza oprime as crianças, os idosos e os
doentes, e induz muitos a considerar a morte como uma escapatória.
Desde as suas primeiras manifestações, a Teologia da
Libertaçãoobrigava as teologias de outras partes a não criar
abstrações sobre as condições reais da vida dos povos ou dos indivíduos.
E reconhecia nos pobres a própria carne de Cristo, como agora repete o
Papa Francisco.
Justamente com a chegada do primeiro Papa latino-americano surge com
maior força a oportunidade para considerar esses anos e essas
experiências sem os condicionamentos dos furores e das polêmicas daquela
época. Mesmo afastando-se dos ritualismos dos mea culpa postiços ou
das aparentes reabilitações, hoje é muito mais fácil reconhecer que
certas veementes mobilizações de alguns setores eclesiais contra a
Teologia da Libertação eram motivadas por certas preferências de
orientação política mais que pelo desejo de guardar e afirmar a fé dos
apóstolos.
Os que pagaram a fatura foram os teólogos peruanos e os pastores que
estavam completamente submergidos na fé evangélica do próprio povo, que
acabaram triturados ou na sombra mais absoluta. Durante um longo
período, a hostilidade demonstrada para com a Teologia da Libertação foi
um importante fator para favorecer brilhantes carreiras eclesiásticas.
Em um dos textos, Müller (que numa entrevista de 27 de dezembro de
2012 havia expressado a hipótese do cenário de um Papa latino-americano
depois de Ratzinger) descreve sem meias palavras os fatores
político-religiosos e geopolíticos que condicionaram certas cruzadas
contra a Teologia da Libertação: Com o sentimento triunfalista de um
capitalismo que, provavelmente, se considerava definitivamente
vitorioso, refere o Prefeito do dicastério doutrinal vaticano,
misturou-se também a satisfação de ter negado desta maneira qualquer
fundamento ou justificação da Teologia da Libertação. Acreditava-se que o
jogo com ela era muito simples, lançando-a no mesmo conjunto da
violência revolucionária e do terrorismo dos grupos marxistas.
Müller também cita o documento secreto, preparado para o presidente Reaganpelo Comitê de Santa Fé, em 1980 (ou seja, quatro anos antes da primeira Instrução
sobre a Teologia da Libertação), no qual se solicitava ao governo dos
Estados Unidos da América que agisse com agressividade contra a
Teologia da Libertação, culpada por ter transformado a Igreja Católica
em arma política contra a propriedade privada e o sistema da produção
capitalista.
É desconcertante neste documento, destaca Müller, a desfaçatez com
que seus autores, responsáveis por ditaduras militares brutais e por
poderosas oligarquias, fazem de seus interesses pela propriedade privada
e pelo sistema produtivo capitalista o parâmetro do que deve valer como
critério cristão.
Após terem passado décadas de batalhas e contraposições, justamente a
amizade entre os dois teólogos (o Prefeito da Doutrina da Fé e aquele
que durante um tempo foi perseguido pelo mesmo dicastério doutrinal)
alimenta finalmente uma ótica capaz de distinguir as obsoletas armações
ideológicas do passado da genuína fonte evangélica que impulsionava
muitas das rotas do catolicismo latino-americano depois do Concílio.
Segundo Müller, Gutiérrez, com seus 85 anos (e que pretende viajar à
Itália e passar por Roma em setembro), expressou uma reflexão teológica
que não se limitava às conferências nem aos cenáculos universitários,
mas que se nutria da seiva das liturgias celebradas pelo sacerdote com
os pobres, nas periferias de Lima. Ou seja, essa experiência básica
graças à qual como disse sempre simples e biblicamente o próprio
Gutiérrez ser cristão significa seguir a Jesus. É o próprio Senhor,
acrescenta Müller ao comentar a frase de seu amigo peruano, quem nos dá
a indicação de nos comprometermos diretamente com os pobres. Fazer
prevalecer a verdade nos leva a estar do lado dos pobres.
Gianni Valente
Domingo, 23 de junho de 2013
e: http://www.padrescasados.org/archives/12408/roma-e-a-teologia-da-libertacao-fim-da-guerra/#more-12408
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Fonte: http://leonardoboff.wordpress.com/2013/07/04/roma-e-a-teologia-da-libertacao-fim-da-guerra/
Imagem da Internet
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