Martha Medeiros*
Eu trabalhava num prédio comercial da Avenida Carlos Gomes, com
grandes janelões para a rua. Um dia deixei minha mesa, fui até um desses
janelões e fiquei espiando o intenso movimento dos carros. Eram entre
três e quatro da tarde. Fiquei olhando, olhando. Mal percebi uma colega
que se aproximou e também ficou olhando, olhando. Até que ela disse em
voz alta exatamente aquilo que eu estava pensando: “Esse pessoal não
trabalha?”.
Caímos no riso. Parecíamos duas detentas sonhando com uma liberdade longínqua. Estávamos apatetadas por ver tanta gente transitando pra lá e pra cá no meio da tarde de um dia útil, enquanto nós ficávamos trancafiadas num escritório das 8h30min ao meio-dia e das 14h às 18h30min, saindo dali apenas quando precisávamos ir a um médico ou fazer uma reunião com um cliente.
Toda aquela gente estaria também indo ao médico ou a uma reunião com o cliente?
Isso foi em outra vida, quando eu ainda era funcionária em tempo integral e o “intenso” movimento dos carros era fichinha perto da avalanche que inunda as avenidas hoje. Só que agora contribuo para essa avalanche. Há mais de 15 anos que trabalho em casa, um luxo que permite que eu saia às 10h30min para ir ao supermercado, às 14h45min para levar uma filha à aula de dança, às 17h para ir a uma livraria comprar um presente. Ou seja, sou mais uma das que “não trabalham”.
Ainda assim, acredito que muitos também se perguntem: essa turma que afunila as ruas no meio da manhã e no meio da tarde está indo para onde, vindo de que lugar? Não deveria estar dando expediente como gente normal?
São fotógrafos de moda se dirigindo a uma locação, confeiteiras entregando uma encomenda, executivos indo visitar uma irmã na maternidade, jornalistas saindo ao encontro de um entrevistado, farmacêuticos voltando do dentista, lojistas transportando roupas de uma filial para outra, publicitárias levando o filho pra tirar o gesso da perna, psicólogos que foram experimentar um terno feito sob medida para o casamento do melhor amigo, universitárias seguindo em direção ao shopping porque o professor ficou doente, chefs de cozinha indo vistoriar os preparativos do bufê de um evento corporativo, bancários dando uma carona para a namorada até o aeroporto.
Não existe mais hora do rush, nem ruas livres e transitáveis no meio da manhã e da tarde. Agora, com tanta gente facilitando o próprio ofício com tecnologia portátil, com a flexibilização de horários de trabalho e sem mais a tirania do cartão-ponto, a vida ficou mais ágil e menos monótona. As ruas estão cheias não só porque são vendidos mais automóveis, não só porque as cidades não se planejaram para esse excessivo volume de veículos, mas também porque aprendemos a trabalhar e viver ao mesmo tempo. As ruas estão cheias porque aprendemos a trabalhar e viver ao mesmo tempo
Caímos no riso. Parecíamos duas detentas sonhando com uma liberdade longínqua. Estávamos apatetadas por ver tanta gente transitando pra lá e pra cá no meio da tarde de um dia útil, enquanto nós ficávamos trancafiadas num escritório das 8h30min ao meio-dia e das 14h às 18h30min, saindo dali apenas quando precisávamos ir a um médico ou fazer uma reunião com um cliente.
Toda aquela gente estaria também indo ao médico ou a uma reunião com o cliente?
Isso foi em outra vida, quando eu ainda era funcionária em tempo integral e o “intenso” movimento dos carros era fichinha perto da avalanche que inunda as avenidas hoje. Só que agora contribuo para essa avalanche. Há mais de 15 anos que trabalho em casa, um luxo que permite que eu saia às 10h30min para ir ao supermercado, às 14h45min para levar uma filha à aula de dança, às 17h para ir a uma livraria comprar um presente. Ou seja, sou mais uma das que “não trabalham”.
Ainda assim, acredito que muitos também se perguntem: essa turma que afunila as ruas no meio da manhã e no meio da tarde está indo para onde, vindo de que lugar? Não deveria estar dando expediente como gente normal?
São fotógrafos de moda se dirigindo a uma locação, confeiteiras entregando uma encomenda, executivos indo visitar uma irmã na maternidade, jornalistas saindo ao encontro de um entrevistado, farmacêuticos voltando do dentista, lojistas transportando roupas de uma filial para outra, publicitárias levando o filho pra tirar o gesso da perna, psicólogos que foram experimentar um terno feito sob medida para o casamento do melhor amigo, universitárias seguindo em direção ao shopping porque o professor ficou doente, chefs de cozinha indo vistoriar os preparativos do bufê de um evento corporativo, bancários dando uma carona para a namorada até o aeroporto.
Não existe mais hora do rush, nem ruas livres e transitáveis no meio da manhã e da tarde. Agora, com tanta gente facilitando o próprio ofício com tecnologia portátil, com a flexibilização de horários de trabalho e sem mais a tirania do cartão-ponto, a vida ficou mais ágil e menos monótona. As ruas estão cheias não só porque são vendidos mais automóveis, não só porque as cidades não se planejaram para esse excessivo volume de veículos, mas também porque aprendemos a trabalhar e viver ao mesmo tempo. As ruas estão cheias porque aprendemos a trabalhar e viver ao mesmo tempo
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* Escritora. Cronista da ZH
Fonte: ZH on line, 09/12/2012
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