sexta-feira, 11 de maio de 2012

Tempos de crise – Tempos de cuidado

Leonardo Boff*

O tema do cuidado é, nos últmos tempos, cada vez mais recorrente na reflexão cultural. Primeiramente, foi veiculado pela medicina e pela enfermagem, pois representa a ética natural destas atividades. Depois foi assumido pela educação e pela ética e feito paradigma por filósofas e teólogas feministas especialmente norteamericanas. Veem nele um dado essencial da dimensão da anima, presente no homem e na mulher. Produziu e continua produzindo uma acirrada discussão especialmente nos EUA entre a ética de base patriarcal centrada no tema da justiça e a ética de base matriarcal assentada no cuidado essencial.
Ganhou força especial na discussão ecológica, constituindo uma peça central da Carta da Terra. Cuidar do meio-ambiente, dos recursos escassos, da natureza e da Terra se tornaram imperativos do novo discurso. Por fim, viu-se o cuidado como definição esencial do ser humano, como é abordado  por Martin Heiger em Ser e Tempo recolhendo uma tradição que remonta aos gregos, aos romanos e aos primeiros pensadores cristãos como São Paulo e Santo Agostinho.
Constata-se outrossim que a categoria cuidado vem ganhando força sempre que emergem situações críticas. É ele que impede que as crises, com seus riscos e chances, se transformem em tragédias fatais.
A Primeira Grande Guerra (1914-1918), desencadeada entre paises cristãos, destruira o glamour ilusório da era vitoriana e produziu profundo desamparo metafísico. Foi quando Martin Heidegger(1889-1976) escreveu seu genial Ser e Tempo (1929), cujos parágrafos centrais (§ 39-44) são dedicados ao cuidado que perfaz a essência do humano.
Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), despontou a figura do pediatra e psicólogo D. W. Winnicott (1896-1971) encarregado pelo governo inglês para acompanhar crianças órfãs ou vítimas dos horrorres dos bombardeios nazistas sobre Londres. Desenvolveu toda uma reflexão e uma prática ao redor dos conceitos de cuidado  (care), de preocupação pelo outro (concern) e de conjunto de apoios a crianças ou a pessoas vulneráveis (holding), aplicáveis também aos processos de crescimentoz e de educação.
Em 1972 o Clube de Roma lançou o alarme ecológico sobre o estado doentio da Terra. Identificou a causa principal: o nosso padrão de desenvolvimento, consumista, predatório, perdulário e totalmente sem cuidado para com os recursos escassos da natureza e os dejetos produzidos. Depois de vários encontros organizados pela ONU a partir dos anos 70 do século passado, chegou-se à proposta do um  desenvolvimento sustentável, como expressão  do cuidado humano pelo meio ambiente mas centrado especialmente no aspecto econômico.
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), o Fundo Mundial para a Natureza (WWF) e a União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) elaboraram em 1991 uma estratégia minuciosa para o futuro do planeta sob o signo Cuidando do Planeta Terra (Caring for the Earth 1991). Ai se diz: A ética do cuidado se aplica tanto a nivel internacional como  a níveis nacional e individual; nenhuma nação é auto-suficiente; todos lucrarão com a sustentabilidade mundial e todos estarão ameaçados se não conseguirmos atingi-la.
Em março de 2000, recolhendo esta tradição, termina em Paris, depois de oito anos de trabalho a nível mundial, a redação da Carta da Terra. A categoria sustentabilidade,  cuidado ou o modo sustentável de viver constituem os dois eixos articuladores principais do novo discurso ecológico, ético e espiritual.  Em 2003 a UNESCO assumiu oficialmente a Carta da Terra e a apresentou como um substancial instrumento pedagógico para a construção responsável de nosso futuro comum.
Em 2003 os Ministros ou Secretários do meio ambiente dos países da América Latina e do Caribe elaboram notável documento Manifesto pela vida, por uma ética da sustentabilidade   onde a categoria cuidado é incorporada na idéia de um desenvolvimento para que seja efetivamente sustentável e radicalmente humano.
O cuidado está especialmente presente nas duas pontas da vida: no nascimento e na morte. A criança sem o cuidado não existe. O moribundo precisa do cuidado para sair decentemente  desta vida.
Quando desponta alguma crise num grupo gerando  tensões e divisões, é a sabedoria do cuidado  o caminho mais adequado para ouvir as partes, favorecer o diálogo e buscar convergências. O cuidado se impõe quando irrompe alguma crise de saúde que exige internação hospitalar. O cuidado é posto em ação por parte dos médicos, médicas, dos enfermeiros e enfermeiras, decidindo sobre o que melhor fazer.
O cuidado é exigido em praticamente todas as esferas da existência, desde o cuidado do corpo, da vida intelectual e espiritual, da condução geral das coisas até ao se atravessar uma rua movimentada, Como já observava o poeta romano Horácio, o cuidado é aquela sombra que  nunca nos abandona porque somos feitos da matéria do cuidado.
Hoje dada a crise generalizada seja social seja ambiental, o cuidado torna-se imprescindível para preservarmos a integridade da Mãe Terra, para mantê-la habitável e assim  salvaguardar a continuidade de nossa espécie e da civilização humana.
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* Teólogo. Escritor. 
Fonte:  http://leonardoboff.wordpress.com/2012/05/11/tempos-de-crise-tempos-de-cuidado/
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