O presidente do Conselho Pontifício da Cultura,
que dirige a peregrinação de 12 e 13 de maio em Fátima, considera que o
santuário é um espaço de encontro das tendências culturais da
atualidade.
Em entrevista à Sala de Imprensa do Santuário de
Fátima, D. Gianfranco Ravasi afirma que recebeu o convite para
presidir às celebrações com «alguma emoção» e sublinha que se desloca à
Cova da Iria «como peregrino de um lugar materno para a cultura
contemporânea».
Com que sentimento recebeu o convite de D.
António Marto, bispo de Leiria-Fátima, para presidir à peregrinação
aniversária da primeira aparição de Nossa Senhora em Fátima?
Acolho o convite com particular interesse e até
alguma emoção. Surgem no meu espírito três razões: primeiramente,
guardo vivo na memória ter sido peregrino de Fátima na minha juventude;
desloquei-me, depois, já como bispo, para falar aos grupos diocesanos
da pastoral da cultura e visitei a nova Igreja da Santíssima Trindade.
Uma terceira razão que pessoalmente me une ao Santuário é ter
favorecido muitas peregrinações organizadas pela Agência Duomo, de
Milão, quando era seu Presidente. Uma das grandes metas era
precisamente Fátima.
Agora irei, também eu, como peregrino de um lugar materno para a cultura contemporânea.
Agora irei, também eu, como peregrino de um lugar materno para a cultura contemporânea.
Quase a chegarem os 100 anos das aparições de Fátima (1917-2017) qual a importância desta revelação para o mundo de hoje?
Sobre a importância e o sentido das aparições foi
já escrito e dito tanto. Sublinharia, mais do que as indicações gerais
de espiritualidade, ainda que legítimas e oportunas para uma grande
maioria dos peregrinos, o valor que a mensagem de Fátima atribui à
história, a união da visão cristã com a realidade histórica da vida.
Merece grande atualidade o forte apelo a viver a própria história com
fidelidade e em permanente conversão ao querer de Deus.
Que mensagem especial pensa trazer para os peregrinos?
Estou ainda a preparar-me, mas algumas
perspetivas tenho já no meu espírito. Primeiro, valorizar o santuário
como lugar da escuta da Palavra de Deus. Em segundo, chamar a atenção
para a recuperação do extraordinário, para a valorização da experiência
de momentos de diversidade da rotina quotidiana. Encontrar-se cada um
consigo mesmo, no silêncio, permite distanciar-se de tanta
superficialidade a que parece obrigar a agitação da vida contemporânea.
Em terceiro lugar, um santuário mariano é lugar para recuperar a festa
cristã, com a vivência litúrgica da alegria interior e da participação
comunitária. Penso ainda, apelar para a descoberta da riqueza da
diversidade e da pluralidade das culturas, que um lugar como Fátima
acolhe e potencia.
"Antes de mais,
conduzir à celebração da dignidade da pessoa humana, que está posta em
crise na cultura contemporânea. Basta pensar na internet e na
comunicação de massas que promove e cria autómatos isolados e
individualistas."
Que balanço fez do encontro do Santo Padre
Bento XVI, em maio de 2010, em Lisboa, com várias personalidades
portuguesas do mundo da cultura?
Além da beleza do espaço, relembraria a
profundidade dos gestos, como a ternura do encontro entre Manoel de
Oliveira e Bento XVI, descendo este da sua cadeira para ir ao encontro
do cineasta, atitude da Igreja chamada a ir ao encontro da cultura
contemporânea.
Foram tópicos importantes da intervenção do Santo Padre: centrar na beleza da vida as expressões da arte e da literatura, atender à tradição na busca do saber, considerar o futuro nas opções da ciência. A simpatia com que tantas figuras da cultura portuguesa acolheram Bento XVI demonstrou ser campo aberto para um trabalho pastoral. Aliás sei que várias dioceses estão a percorrer esse caminho, animadas por um Secretariado da Pastoral da Cultura bastante criativo.
Foram tópicos importantes da intervenção do Santo Padre: centrar na beleza da vida as expressões da arte e da literatura, atender à tradição na busca do saber, considerar o futuro nas opções da ciência. A simpatia com que tantas figuras da cultura portuguesa acolheram Bento XVI demonstrou ser campo aberto para um trabalho pastoral. Aliás sei que várias dioceses estão a percorrer esse caminho, animadas por um Secretariado da Pastoral da Cultura bastante criativo.
O Conselho Pontifício a que preside tem
conseguido alcançar os objetivos a que se propôs há trinta anos aquando
da sua criação?
Mais do que conseguir cumprir objetivos
prefixados procuramos andar além. A cultura, por natureza, está sempre
em evolução. Temas que eram, então, apenas embrionários adquiriram nos
últimos anos um especial vigor. Posso citar o campo da relação entre
ciência e fé, entre fé e estética, a dimensão da interculturalidade, o
humanismo da economia. Muito criativo e grande desafio tem constituído o
Átrio dos Gentios, que desde 2010 corresponde a uma atitude com largo
futuro.
Sendo o diálogo entre a igreja e as culturas
do nosso tempo um campo de atuação vital desse Conselho, qual a área
do vosso trabalho que lhe parece mais difícil consolidar?
Apraz-me registar o que há de positivo e em
crescimento, mas devo confessar que o mais exigente, dada a profunda
mudança, é o setor da comunicação e linguagem. Assistimos a uma viragem
rápida nas formas de linguagem e a fenómenos novos da grande cultura
de massas que não podemos negligenciar, mas são meios difíceis, já que
requerem uma adaptação que nos despoja de retórica, embora sendo canal
para centrar a mensagem cristã no essencial.
Várias personalidades da Igreja, a começar
pelo Santo Padre, têm qualificado esta crise que o mundo vive
atualmente mais como uma crise de valores, e cultural, que uma crise
económica e financeira. Será possível ultrapassar este problema apenas
com este, digamos, regresso às origens, à família como célula primeira
da sociedade, com a solidariedade entre as pessoas e as instituições?
A crise que vivemos é de ordem global. Não é
apenas financeira. A queda das ideologias levou à queda dos valores. É
importante interessar-se pelos problemas económicos como primeiro
capítulo e como expressão de uma dificuldade muito mais vasta. Com a
economia importa conjugar a cultura, a educação, a formação.
Na complexidade de um tratamento para a superação da crise, destacaria dois elementos ou conceitos a valorizar. Antes de mais, conduzir à celebração da dignidade da pessoa humana, que está posta em crise na cultura contemporânea. Basta pensar na internet e na comunicação de massas que promove e cria autómatos isolados e individualistas. Em segundo lugar, educar para a solidariedade, nova palavra para declinar o termo amor, que é muito mais um modo para o tornar compreensível a todos, também aos não crentes. Esta atitude alimentará um empenhamento social concreto e abrir-se-á à dimensão universalista, única capaz de hoje olhar o futuro com esperança.
Na complexidade de um tratamento para a superação da crise, destacaria dois elementos ou conceitos a valorizar. Antes de mais, conduzir à celebração da dignidade da pessoa humana, que está posta em crise na cultura contemporânea. Basta pensar na internet e na comunicação de massas que promove e cria autómatos isolados e individualistas. Em segundo lugar, educar para a solidariedade, nova palavra para declinar o termo amor, que é muito mais um modo para o tornar compreensível a todos, também aos não crentes. Esta atitude alimentará um empenhamento social concreto e abrir-se-á à dimensão universalista, única capaz de hoje olhar o futuro com esperança.
---------------------
Reportagem por: Rui Jorge Martins
Entrevista de D. Gianfranco Ravasi: Santuário de Fátima
Entrevista de D. Gianfranco Ravasi: Santuário de Fátima
Fone Portuguesa:
http://www.snpcultura.org/d_gianfranco_ravasi_vem_a_fatima_como_peregrino_de_um_lugar_materno_para_cultura_contemporanea.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário