João Pereira Coutinho*
Ou muito me engano, ou as expectativas geradas por Hollande só vão durar até as eleições de junho
1. François HOLLANDE ganha as presidenciais francesas e a Europa, ou uma
parte dela, respira de alívio: agora, finalmente, será possível
abandonar a austeridade e abraçar o crescimento econômico.
O próprio Hollande foi alimentando as expectativas: com ele, a
disciplina orçamental imposta pelos alemães aos restantes países da
União Europeia seria "renegociada"; a economia francesa iria promover
políticas de crescimento econômico a curto prazo; e o Estado social
seria preservado, e até reforçado, com mais funcionários públicos, a
diminuição da idade da reforma (dos 62 para os 60 anos) e subsídios de
todo tipo (para famílias, jovens, empresas etc.).
Infelizmente, faltou a pergunta sacramental: e quem paga todos esses delírios?
Mistério. Verdade que "monsieur" Hollande, para sustentar algumas das
suas propostas, acredita que a Europa será capaz de emitir "eurobonds"
para financiar grandes projetos industriais ou de infraestruturas; ou
até de alterar os estatutos do Banco Central Europeu para que a
instituição passe a financiar diretamente os Estados.
O que Hollande desconhece, ou propositadamente ignorou, é que nada disso
depende da sua exclusiva vontade. E a Alemanha, que tem a chave do
cofre, opõe-se frontalmente às ambições do novo presidente francês. Por
questões de princípio, interesse econômico -e eleições em 2013.
Ou muito me engano, ou as expectativas geradas por François Hollande só
vão durar até as eleições legislativas de junho. Depois, será a ressaca
da realidade.
2. Alguns amigos que trabalham na União Europeia não gostam das minhas
posições eurocéticas. A União Europeia é sagrada, o euro, idem, as
"políticas de austeridade" impostas pela Alemanha, ibidem.
E eu não passo de um dinossauro, amarrado a noções anacrônicas de
"soberania nacional" que não têm mais lugar no mundo globalizado onde
vivemos.
Defendo-me como posso. Digo que nada tenho contra a União Europeia. Pelo
contrário: reconheço o seu papel como garantia de paz e prosperidade na
Europa.
Mas reconhecer isso não me obriga a reconhecer o resto. O euro, por
exemplo, foi um erro político grave -e a sua manutenção a qualquer
preço, um erro político ainda maior.
Não é possível que uma moeda comum possa servir a países com estruturas
econômicas tão distintas. A União Europeia não é uma federação de
Estados. É apenas uma coleção de tribos com histórias, vícios e virtudes
dissonantes.
O euro, que supostamente acabaria por aproximar as nações do continente,
apenas revelou o fosso inultrapassável que existe entre países
excedentários (Alemanha) e deficitários (Grécia ou Portugal).
De resto, e sobre as "políticas de austeridade", não me oponho a elas
-em teoria: é importante que os Estados tenham controle nos gastos e
moderação nos seus níveis de endividamento. A festa do euro, que
possibilitou dinheiro fácil a juros baixos, não podia continuar.
O problema é que não é possível realizar ajustamentos brutais nas
economias endividadas do continente quando esses países perderam
soberania monetária. A austeridade só alimenta ciclos recessivos sem fim
que, por sua vez, exigem novas medidas de austeridade.
A Grécia é o melhor exemplo dessa armadilha: depois de dois pacotes de
resgate e de um calote negociado da dívida, o país está na mesma:
quebrado. E, sem surpresa, com partidos extremistas a crescerem no
Parlamento e nas ruas.
3. França, Grécia, Holanda em breve: a grande novidade nos ciclos eleitorais da Europa está no regresso dos extremismos.
No primeiro turno das presidenciais francesas, a extrema-direita da
Frente Nacional obteve 17,8% dos votos; Marine Le Pen promete agora
repetir o resultado nas legislativas de junho.
Na Grécia, a esquerda radical ficou em segundo lugar -e um partido
abertamente neonazista elegeu duas dúzias de deputados. E, na Holanda, a
extrema-direita derrubou o governo duas semanas atrás.
Qualquer pessoa que tenha uma noção da história reconhece o que se está a
passar: com economia moribunda e desemprego massivo, a Europa regressa à
década de 1930.
Os meus amigos euroentusiastas assobiam para o lado e fingem que não se passa nada. Essa atitude também faz parte do "déjà-vu".
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*Colunista da Folha. Jornalista português.
jpcoutinho@folha.com.brFonte: Folha de São Paulo on line, 08/05/2012
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