Tasso Marcelo/ Estadão - 16/08/2004
O filósofo Jacques Derrida
O autor, o francês Benoit Peeters, participa hoje de debate sobre seu trabalho no Centro Maria Antônia
O filósofo franco-argelino Jacques Derrida (1930-2004)
sempre foi associado à teoria da desconstrução, idealizada por ele nos
anos 1960. Para isso, Derrida partiu do princípio da inexistência de uma
verdade absoluta. De acordo com seu método, os textos são decompostos
de tal maneira que tornam impossível qualquer "interpretação
verdadeira".
Apesar de mundialmente aclamado e de ser o filósofo francês mais
traduzido, era um homem frágil e atormentado e que, até o final da vida,
julgava-se membro do grupo dos mal amados da universidade francesa. São
essas diversas facetas que enriquecem o livro Derrida, farta biografia escrita por Benoit Peeters, lançada agora pela Civilização Brasileira.
Em sua vasta pesquisa, Peeters entrevistou centenas de pessoas, além
de ser o primeiro a ter acesso ao imenso arquivo pessoal de Derrida e
também à sua correspondência inédita. Esse complexo material é um dos
temas da palestra que Peeters faz hoje à noite no Centro Maria Antonia.
Assunto não falta - Derrida deixou uma obra generosa, que marca o
pós-estruturalismo e o pós-modernismo e cuja importância talvez se
ombreie apenas à de Kant. Sobre seu trabalho, Peeters - autor também de
HQs, romances, documentários e curtas-metragens - respondeu, por e-mail,
as seguintes questões.
Biografia em si é um conceito fundamentalmente filosófico.
Entretanto, em sua última entrevista alguns meses antes de morrer,
Derrida admitiu que não havia aprendido a aceitar a morte enquanto tal
e, neste sentido, estava consciente de que não poderia, estritamente
falando, ser definido como um filósofo. Sendo assim, como deveria ser
uma biografia de Jacques Derrida para ser uma biografia derridiana?
Se alguns filósofos desprezaram o gênero
biográfico, isso jamais ocorreu com Jacques Derrida. Ele era apaixonado
por filósofos que atribuíram um lugar especial a sua própria vida, como
Nietzsche, Kierkegaard ou Rousseau. E muitos de seus livros - como Circonfissão, O Monolinguismo do Outro ou O Animal que Logo Sou -
têm um caráter nitidamente autobiográfico. Acredito que ele não ficaria
chocado com o fato de escreverem sua biografia, ao contrário. Seria
possível publicar algum dia uma "autobiografia fractal" propondo uma
montagem dos textos autobiográficos de toda natureza publicados por
Derrida: cartas, trechos de entrevistas, fragmentos diversos. Estou
convicto de que isto daria uma obra fascinante. Mas enquanto biógrafo,
meu papel foi absolutamente distinto.
Como assim?
Eu não queria fazer um livro à maneira de Derrida, propor uma biografia "desconstruída": isso teria me parecido um vaidade inútil. O mimetismo, tanto nesta matéria como em muitas outras, não me parece o melhor serviço que podemos prestar hoje a Derrida e à sua obra. No fim das contas, procurei menos propor uma biografia derridiana do que uma biografia de Derrida. Ao mesmo tempo, desejava inscrever o filósofo no século, mostrar como seu pensamento se enraíza nos acontecimentos da história intelectual, ou da História pura e simples como a Guerra da Argélia, e encarnar seu pensamento, inscrevê-lo em uma trajetória individual.
Eu não queria fazer um livro à maneira de Derrida, propor uma biografia "desconstruída": isso teria me parecido um vaidade inútil. O mimetismo, tanto nesta matéria como em muitas outras, não me parece o melhor serviço que podemos prestar hoje a Derrida e à sua obra. No fim das contas, procurei menos propor uma biografia derridiana do que uma biografia de Derrida. Ao mesmo tempo, desejava inscrever o filósofo no século, mostrar como seu pensamento se enraíza nos acontecimentos da história intelectual, ou da História pura e simples como a Guerra da Argélia, e encarnar seu pensamento, inscrevê-lo em uma trajetória individual.
Por que não escreveu uma biografia intelectual contendo discussões da filosofia de Derrida?
Tentei dar um grande espaço para a "vida de pensador" que foi, em
grande parte, a de Derrida, mas não creio ter escrito uma "biografia
intelectual". Evidentemente, era atrás dessa bandeira cômoda que eu me
abrigava ao tomar contato com a maioria das testemunhas. Mas a fórmula
me aborrecia com todas as exclusões que implica: a infância, a família, o
amor, a vida material. E não tardei em descobrir que o próprio Derrida
considerava a ideia de "biografia intelectual" muito problemática, assim
como lhe parecia aberrante a de "vida intelectual consciente" um século
após a invenção da psicanálise. Evocando, por exemplo, sua exclusão do
liceu de Argel em 1942 por causa das medidas antissemitas adotadas pelo
regime de Vichy, Derrida explicava que, por um acontecimento como esse,
era inútil querer distinguir "o biográfico e o intelectual, o biográfico
não intelectual e o biográfico intelectual, o consciente e o
inconsciente". Meu livro se apresenta, pois, como uma verdadeira
biografia, a mais completa possível: a de um homem frágil e cordial, de
um filósofo muito mais inscrito em sua época do que frequentemente se
acreditava. A filosofia está muito presente, com certeza, mas nunca ao
modo de uma exposição técnica. As controvérsias e conflitos tiveram um
lugar imenso na vida de Derrida. Embora tenha recebido numerosos golpes,
ele não se privou de aplicar alguns. Repassando as polêmicas que o
opuseram a Foucault, Lévi-Strauss e aos defensores da filosofia
analítica, narrando os casos Heidegger e Paul de Mani, tive a sensação
de uma justificação particular da empresa biográfica. Isto porque, toda
vez que toma a forma de combate, o pensamento se transforma em relato.
Nisso, ao menos, a biografia de um filósofo é muito próxima da de um
cientista.
Derrida escreveu muito, mas a questão é: como podemos lê-lo?
A obra tem tanta abundância que poderia desencorajar o novato. Há livros sobre a pena de morte, a hospitalidade, o segredo, o perdão, mas também sobre a história da filosofia, e eles não são redundantes em relação à sua obra. Ainda é cedo para se fazer uma ideia clara de qual será a posteridade de Derrida. A questão da transmissão é complicada, porque não há uma filosofia derridiana que se possa ensinar enquanto tal. Existe antes uma maneira de filosofar, um gesto, um estilo quase inseparável de sua pessoa. É por ser difícil fazer do Derrida sem Derrida, que seu pensamento é sem dúvida mais difícil de usar que o de Foucault ou o de Deleuze.
A obra tem tanta abundância que poderia desencorajar o novato. Há livros sobre a pena de morte, a hospitalidade, o segredo, o perdão, mas também sobre a história da filosofia, e eles não são redundantes em relação à sua obra. Ainda é cedo para se fazer uma ideia clara de qual será a posteridade de Derrida. A questão da transmissão é complicada, porque não há uma filosofia derridiana que se possa ensinar enquanto tal. Existe antes uma maneira de filosofar, um gesto, um estilo quase inseparável de sua pessoa. É por ser difícil fazer do Derrida sem Derrida, que seu pensamento é sem dúvida mais difícil de usar que o de Foucault ou o de Deleuze.
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Reportagem por UBIRATAN BRASIL - O Estado de S.Paulo
Fonte: Estadão on line, 13/05/2013
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