Na última semana, fui a Brasília trabalhar com
jovens de projetos sociais de prevenção de doenças sexualmente
transmissíveis e Aids. À noite, aproveitei a folga para ver Somos Tão Jovens
em um shopping da cidade. Para quem ainda não assistiu, o filme conta a
trajetória de Renato Russo na capital brasileira na virada dos anos 70
para 80. Ainda adolescentes, Renato e sua turma deram origem a boa parte
das bandas de rock que chacoalharam a cena brasileira dos anos 80, como
Legião Urbana, Plebe Rude, Capital Inicial e Paralamas
do Sucesso. Imaginei que seria interessante assistir ao filme na cidade
e checar como seria a reação dos jovens brasilienses, que nasceram
depois da morte de Russo, em 1996, mas ainda hoje compram os álbuns do
Legião sem saber muito sobre a história do líder da banda.
O comentário é de Jairo Bouer, médico, educador e escritor, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 12-05-2013.
O filme aborda também, de passagem, a questão da sexualidade de Renato.
Ele revela para a melhor amiga que prefere os meninos às meninas,
confessa a paixão por um músico da sua primeira banda, recebe e retribui
a cantada de um fã e conversa com a mãe sobre sua questão sexual. Tudo
sem muito drama! Mas o que me chamou a atenção foi a reação de decepção
do público, composto basicamente por adolescentes, a cada cena em que
essa temática aparecia na tela. Era como se a imagem do ídolo roqueiro
não combinasse com as revelações que, talvez, muitos deles estivessem
tendo naquele momento.
Lembrou-me um pouco uma situação que presenciei em outro filme (The Krays,
1990), ao qual assisti há mais de 20 anos em Londres. Dois gêmeos,
gângsteres violentos, pintavam e bordavam na capital inglesa nos anos
60. Em um momento da história, um deles aparece na cama, nu, envolvendo
outra pessoa. Quando a câmera sobe, revela que a pessoa abraçada era, na
verdade, outro homem. A plateia se desmanchou, então, em um "ahhhhhhh"
de inconformismo.
Lógico que no cinema, em Brasília, os adolescentes
estavam potencializados pelo "efeito grupo". Logo, manifestar decepção e
dizer frases em público, como "não acredito", "ah, para com isso" e
"sai dessa, cara", podem ser reveladoras de uma dificuldade de lidar com
a diferença frente aos amigos e da necessidade de afirmar sua
heterossexualidade para os outros. De qualquer forma, a reação sinaliza
uma posição clara.
Curioso pensar que em Brasília, 30 anos depois que
os jovens das bandas de rock mostraram que era possível ter um país
diferente e arejaram a sociedade com suas novas ideias, os adolescentes
da geração atual pareçam mais conservadores em diversos aspectos,
incluindo a sexualidade. Mas por que será que a orientação sexual de
alguns ainda hoje desaponta os outros? Será que na cabeça dos mais
jovens não há espaço para as diferenças?
Uma possível consequência dessa reação pode ser entendida melhor em um livro recente sobre o tema, The Velvet Rage: Overcoming the Pain of Growing Up Gay in a Straight Man's World (em livre tradução, A Fúria de Veludo: Superando a Dor de Crescer Gay em um Mundo Heterossexual). Nele, o psicólogo americano Alan Downs
mostra que apesar da, aceitação sem precedentes que os gays têm no
mundo ocidental de hoje, questões como vergonha e raiva ainda dominam
parte de suas emoções, que podem levar muitas vezes a comportamentos
autodestrutivos, inclusive riscos no sexo e falhas na prevenção (tema a
que voltarei em outra coluna).
Decepção de um lado e vergonha de outro! Será que esse não é o
combustível ideal para que os oportunistas de ocasião, com claros
interesses políticos e eleitoreiros, resolvam voltar atrás e propor
absurdos, como rever a proibição para que psicólogos possam atender e
prometer "curar" gays em seus consultórios, contrariando resoluções
claras e inquestionáveis do Conselho Federal de Psicologia e da Organização Mundial da Saúde?
Ora bolas, caros deputados, curar o quê? As diferenças? As verdades de
cada um? Imagina se a moda pega? E, para terminar esse texto, com
saudades dos tempos em que a gente tinha gente como Renato Russo: "Que país é esse?"
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Fonte: IHU on line, 13/05/2013
Imagem reprodução da Internet
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