Lançamento enfatiza dificuldade do autor em se firmar no meio acadêmico e destaca seu talento de escritor
Jackie, Derrida, Jacques Derrida. O nome de batismo do filósofo, o
sobrenome com o qual passa a ter inserção acadêmica e, enfim, a
assinatura que hoje equivale a um poderoso sistema de pensamento dão
título às três partes da biografia "Derrida", que o pesquisador francês
Benoît Peeters lança hoje em São Paulo.
O livro não é uma introdução ao pensamento de Derrida (1930-2004),
pressupondo familiaridade com termos como "gramatologia" e
"desconstrução", pelos quais ele restaura a importância da escrita no
discurso filosófico e relê a tradição ocidental explorando desvios
latentes.
Tampouco é uma biografia à maneira anglo-saxã, cumulativa e detalhista. O
que importa a Peeters são cortes biográficos decisivos --a começar pela
infância argelina.
"A Argélia é uma experiência determinante na vida de Derrida. Sem ela,
ele seria em larga medida incompreensível", declarou Peeters em
entrevista à Folha.
"Depois da Guerra da Argélia [pela independência, de 1954 a 1962], que
para ele foi um dilaceramento quase tão forte quanto para [Albert]
Camus, ele falará de nostalgéria' [versão da nostalgia que estrutura e
permeia a linguagem]. Mas demora para que essa parte da vida --como a
condição de judeu-- tenha lugar em sua obra."
A história do "judeuzinho de Argel expulso da escola aos 12 anos" (por
causa de leis antissemitas) se conecta a um traço surpreendente: o
"sentimento de não reconhecimento" nos círculos acadêmicos, apesar da
ampla difusão de suas ideias não apenas na França, mas em países como
EUA e Brasil.
Essa sensação de "não legitimidade" seria reforçada pelos escândalos de
ligações ao nazismo de dois pensadores com os quais Derrida estava
sintonizado: o alemão Martin Heidegger e o belga Paul De Man.
"Os dois casos colocam em questão Derrida e a desconstrução de modo tão
violento quanto injusto. Mas também conduzem Derrida aos terrenos da
política e da ética. Os títulos dos seminários dos anos 1990 parecem
respostas filosóficas às questão levantadas: o segredo, o perjúrio, o
testemunho, o perdão", comenta Peeters.
Ele cita um episódio da rejeição de Derrida pelo "establishment"
acadêmico: a carta que uma professora de Yale mandou ao ministro Laurent
Fabius protestando contra uma nomeação de Derrida, que ela define como
"fraude intelectual" e praticante do "obscurantismo terrorista"
(expressão colhida em Michel Foucault).
O ministro, conta Peeters, limitou-se a repassar uma cópia da missiva a
Derrida, com a recomendação de "nunca descer uma escada à frente dessa
dama".
DERRIDA ESCRITOR
À imagem de um autor de linguagem hermética, que desentranhava sentidos
filosóficos da desmontagem de conceitos e etimologias, Peeters contrapõe
um leitor fervoroso de Gide, Valéry, Sartre e Blanchot, que aos poucos
criou um estilo lírico, entre o oral e o escrito.
Derrida criava frases cujos movimentos alguns críticos aproximaram dos últimos romances de Henry James.
"O Derrida escritor merece ser analisado de perto. Ele é bem menos
hermético do que se diz. Sua escrita manifesta, frase após frase, a
inquietude e o temor da fixidez que estão no coração de seu pensamento",
conclui Peeters.
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