René Girard*
O grande teórico do "bode expiatório"
explica a sua visão da antropologia, que supera a clássica, mas que
hoje nem sempre é bem vista, nem mesmo pelos crentes.
O Evangelho revela
e inverte o religioso arcaico:
diferente dos mitos, a Paixão de Jesus
apresenta a vítima não como culpada,
mas como inocente.
A vingança não é uma instituição, é um fenômeno do qual não se sabe
se é biológico ou cultural, mas é específico do ser humano. Não há
vingança entre os animais. Se vingança existe, se é infinita, é evidente
que a espécie humana deveria se destruir por si só, logo de partida,
antes mesmo de existir como humanidade.
É nesse momento que ocorrem crises de rivalidade mimética, aquelas
crises que se encontram nos mitos relativamente modernos, mas das quais
deve haver antecedentes muito antigos. Como se resolvem tais crises?
Seguramente por motivos puramente mecânicos, porque, a partir do momento
em que os seres humanos disputam entre si os objetos que desejam, nunca
poderão se entender.
Mas a luta se tornará tão intensa que os objetos desaparecerão e
permanecerão apenas os rivais. E, a partir do momento em que, em um
grupo, há apenas antagonistas, pode-se ter a certeza de que haverá
formas de reconciliação. Criar-se-ão alianças contra um inimigo comum,
que polarizará cada vez mais adversários, mimeticamente. É o que se
chama de "política" e é também o fenômeno do "bode expiatório".
A partir do momento em que restam apenas antagonistas, o fluxo
mimético, em vez de dividir e fragmentar, se polarizará cada vez mais
contra e, no fim, se dirigirá sobre um indivíduo qualquer, que aparece
como o culpado pela crise.
Se olharmos para os mitos, encontramos um número considerável de
casos em que a violência é coletiva contra uma única vítima. Há uma
passagem do "todos contra todos" ao "todos contra um". É o que chamamos
de fenômeno do "bode expiatório".
Penso que, nas sociedades arcaicas, esse tipo de fenômeno desempenha
um papel fundamental. O sacrifício ritual se torna muito compreensível.
As comunidades reconciliadas pela vítima mudarão de atitude com relação a
ela. Elas sempre a veem como responsável pela crise; em outras
palavras, Édipo realmente cometeu parricídio e incesto, atraindo assim a
peste sobre Tebas, mas também pensa que agora a vítima é responsável
pela reconciliação.
Consequentemente, a vítima culpada se tornará uma divindade. No caso
de Édipo, é muito simples, trata-se de uma divindade do matrimônio, das
regras do matrimônio que ele mesmo rompeu e que, de algum modo,
instituiu infringindo-as, o que certamente é absurdo, mas que, no
entanto, desempenha um papel essencial na gênese do religioso e do
próprio social.
As semelhanças com o cristianismo são mais fortes do que nunca. Se
observarmos a crucificação e a Paixão, logo notamos que é um fenômeno
extrema e incrivelmente mimético. Por exemplo, a negação de Pedro: é
evidente que interpretá-lo de maneira psicológica como sempre se faz
significa insinuar que, em seu lugar, teríamos resistidos à tentação de
nos voltarmos contra Cristo, e isso não é satisfatório.
Na realidade, quando Pedro se encontra no meio de
uma multidão hostil a Jesus, ele também se torna hostil. Ele é
mimeticamente contagiado. E ele se encontra ali como o melhor dos
discípulos, representa a todos. Ninguém é capaz de resistir ao mimetismo
homicida da multidão.
Outra prova é Pilatos: ele gostaria de salvar Jesus,
mas, como político, tem tal medo da multidão que a obedece fingindo
guiá-la. Mas a imitação mais caricatural são os dois homens crucificados
com Jesus que se voltam para a multidão e tentam imitá-la, vociferam
com a multidão, no fundo para fazer com que eles mesmos creiam que não
estão crucificados.
É o mito completamente explicado e revelado. Nesse ponto, os
antropólogos entram em êxtase, porque, no fundo, conhecem apenas a
lógica do conceito. E dizem que, para que o cristianismo fosse realmente
diferente das outras religiões, seria preciso que ele falasse de outra
coisa. Pois bem, não é assim. O cristianismo fala do que é essencial no
ser humano, ou seja, do fundamento religioso das sociedades, que também é
o fundamento da cultura: o mimetismo violento. Ele deve falar a mesma
coisa que os mitos.
É a partir do momento em que se vê essa identidade de argumento,
essas relações extremamente próximas entre mitologia e cristianismo que,
de repente, deveria aparecer a diferença: nos mitos, os culpados, mesmo
que no fim sejam divinizados, são acima de tudo culpados. Quando se
fala do mito de Édipo, pensa-se no parricídio e no incesto, e hoje nos
parecem mais verdadeiros do que nunca, o que é a prova de que nos
encontramos no mito, porque quase todos creem na psicanálise, que nada
mais é do que acreditar no parricídio e no incesto, em vez de acreditar
em uma certa inocência do ser humano que lá é real.
A diferença essencial de Jesus é que a Paixão apresenta a vítima não
como culpada, mas como inocente. Em outras palavras, a Paixão é o único
mito que sabe e proclama o que os mitos dissimulam, porque não o sabem: a
vítima é um bode expiatório inocente.
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* A análise é do filósofo e historiador francês René Girard, em artigo publicado no jornal La Repubblica, 13-05-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto
Fonte: IHU on line, 15/05/2013
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