D. Murilo Krieger*
Uma enfermeira australiana – Bronnie Ware – escreveu um
livro original. Tendo-se dedicado a doentes terminais, colecionou as
suas queixas, os seus arrependimentos e os seus sonhos não realizados.
Tinha a consciência de que aquilo que foi ouvindo de
uns e de outros ao longo de alguns anos era muito mais do que meros
desabafos: ela estava diante de sentimentos profundos, de dores que
magoavam, de vidas não vividas.
Para que o livro não se tornasse apenas um amontoado de
depoimentos, organizou-os em grandes grupos, aos quais denominou «Os
cinco maiores arrependimentos à beira da morte». São eles:
1.º - «Eu gostaria de ter tido a coragem de viver a
vida que eu quisesse, não a vida que os outros esperavam que eu
vivesse.» Segundo Ware, esse foi o arrependimento mais comum. Diante da
proximidade da morte, muitos olhavam para trás e tomavam consciência
do que gostariam de ter feito e não fizeram, sempre preocupados com
imposições externas ou com o desejo de querer agradar. Por outras
palavras, poderiam escolher para a lápide de sua sepultura a frase: “A
vida que poderia ter sido e não foi”.
2.º - «Eu gostaria de não ter trabalhado tanto.» Essa
afirmação nascia especialmente da boca de homens que tinham passado a
vida envolvidos pelo trabalho, pela luta para aumentar o seu património
ou para serem sempre mais famosos. Percebiam, de repente, que não
haviam acompanhado a infância e a juventude dos seus filhos, que a
família tinha ficado sempre em segundo plano, embora procurassem
convencer-se, enquanto estavam na sua roda viva, que era para a esposa e
os filhos que tudo faziam.
3.º - «Eu queria ter tido a coragem de expressar meus
sentimentos.» Alguns arrependiam-se por não terem sido capazes de
expressar o seu amor e o seu carinho, ou por não terem sido capazes de
fazer elogios a quem os merecia. Outros guardavam ressentimentos
antigos, fazendo de seu coração um "frigorífico" onde a sua amargura
estava congelada, sempre pronta a manifestar-se. Agora, perguntavam-se:
«Para quê? De que adiantou isso?».
4.º - «Eu gostaria de ter tido mais tempo para meus
amigos.» Muitos descobriram que não haviam cultivado velhas e sinceras
amizades, e que não era naquela fase final da vida que iriam conseguir
novos amigos.
5.º - «Eu gostaria de ter-me permitido ser mais feliz.»
Expresso isso com as minhas palavras: o grande erro de muitas pessoas
consiste em estragar a vida com mesquinharias, com insatisfações não
superadas, com o fechar-se em si mesmas, num egoísmo que mata a
alegria.
Percebe-se que a autora do livro, não sei se
premeditadamente, não entrou no campo espiritual, religioso. Por isso,
sem pretender completar o seu interessante trabalho, mas como expressão
do que penso e acredito, faço duas observações envolvidas pela
perspectiva da fé.
A primeira diz respeito a Santo Agostinho. Para que
todos o situem no tempo, lembro que morreu no ano 430. Depois de uma
vida atribulada em busca da verdade, escreveu os caminhos que percorreu
até encontrá-la, no livro autobiográfico “Confissões”.
Começou por constatar: «Criaste-nos para ti, Senhor, e
inquieto está o nosso coração enquanto não repousa em ti». E concluiu:
«Tarde te amei, Beleza tão antiga e tão nova; tarde te amei! Tu estavas
dentro de mim e eu te buscava fora de mim. (...) Tu estavas comigo,
mas eu não estava contigo. (...) Saboreei-te, e agora tenho fome e sede
de ti. Tocaste-me, e inflamei-me na tua paz».
A segunda observação é de Jesus Cristo, e ele
apresentou-a sob a forma de uma pergunta: «De que adianta a alguém
ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a própria vida?» (Mateus
16,26).
Traduzindo isso em palavras muito pobres, posso dizer:
onde ficaram as vaidades de muitos, os bens que acumularam – muitas
vezes de maneira não honesta –, os prazeres que dominaram suas vidas? O
que fica de uma vida, além do amor semeado?
Oportuno é, pois, o pensamento que bem poderia servir
de título para um livro: “A vida é-nos dada para procurar Deus; a
morte, para encontrá-lo; e a eternidade, para possuí-lo”.
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* Arcebispo de S. Salvador da Bahia, Primaz do Brasil
In Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
Fonte: http://www.snpcultura.org/para_uma_vida_sem_arrependimentos.html 14.05.13
In Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
Fonte: http://www.snpcultura.org/para_uma_vida_sem_arrependimentos.html 14.05.13
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