quarta-feira, 15 de maio de 2013

Para uma vida sem arrependimentos

D. Murilo Krieger*
 
Uma enfermeira australiana – Bronnie Ware – escreveu um livro original. Tendo-se dedicado a doentes terminais, colecionou as suas queixas, os seus arrependimentos e os seus sonhos não realizados. 

Tinha a consciência de que aquilo que foi ouvindo de uns e de outros ao longo de alguns anos era muito mais do que meros desabafos: ela estava diante de sentimentos profundos, de dores que magoavam, de vidas não vividas. 

Para que o livro não se tornasse apenas um amontoado de depoimentos, organizou-os em grandes grupos, aos quais denominou «Os cinco maiores arrependimentos à beira da morte». São eles:
1.º - «Eu gostaria de ter tido a coragem de viver a vida que eu quisesse, não a vida que os outros esperavam que eu vivesse.» Segundo Ware, esse foi o arrependimento mais comum. Diante da proximidade da morte, muitos olhavam para trás e tomavam consciência do que gostariam de ter feito e não fizeram, sempre preocupados com imposições externas ou com o desejo de querer agradar. Por outras palavras, poderiam escolher para a lápide de sua sepultura a frase: “A vida que poderia ter sido e não foi”.

2.º - «Eu gostaria de não ter trabalhado tanto.» Essa afirmação nascia especialmente da boca de homens que tinham passado a vida envolvidos pelo trabalho, pela luta para aumentar o seu património ou para serem sempre mais famosos. Percebiam, de repente, que não haviam acompanhado a infância e a juventude dos seus filhos, que a família tinha ficado sempre em segundo plano, embora procurassem convencer-se, enquanto estavam na sua roda viva, que era para a esposa e os filhos que tudo faziam.

3.º - «Eu queria ter tido a coragem de expressar meus sentimentos.» Alguns arrependiam-se por não terem sido capazes de expressar o seu amor e o seu carinho, ou por não terem sido capazes de fazer elogios a quem os merecia. Outros guardavam ressentimentos antigos, fazendo de seu coração um "frigorífico" onde a sua amargura estava congelada, sempre pronta a manifestar-se. Agora, perguntavam-se: «Para quê? De que adiantou isso?».

4.º - «Eu gostaria de ter tido mais tempo para meus amigos.» Muitos descobriram que não haviam cultivado velhas e sinceras amizades, e que não era naquela fase final da vida que iriam conseguir novos amigos.

5.º - «Eu gostaria de ter-me permitido ser mais feliz.» Expresso isso com as minhas palavras: o grande erro de muitas pessoas consiste em estragar a vida com mesquinharias, com insatisfações não superadas, com o fechar-se em si mesmas, num egoísmo que mata a alegria.

Percebe-se que a autora do livro, não sei se premeditadamente, não entrou no campo espiritual, religioso. Por isso, sem pretender completar o seu interessante trabalho, mas como expressão do que penso e acredito, faço duas observações envolvidas pela perspectiva da fé.

A primeira diz respeito a Santo Agostinho. Para que todos o situem no tempo, lembro que morreu no ano 430. Depois de uma vida atribulada em busca da verdade, escreveu os caminhos que percorreu até encontrá-la, no livro autobiográfico “Confissões”. 

Começou por constatar: «Criaste-nos para ti, Senhor, e inquieto está o nosso coração enquanto não repousa em ti». E concluiu: «Tarde te amei, Beleza tão antiga e tão nova; tarde te amei! Tu estavas dentro de mim e eu te buscava fora de mim. (...) Tu estavas comigo, mas eu não estava contigo. (...) Saboreei-te, e agora tenho fome e sede de ti. Tocaste-me, e inflamei-me na tua paz».

A segunda observação é de Jesus Cristo, e ele apresentou-a sob a forma de uma pergunta: «De que adianta a alguém ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a própria vida?» (Mateus 16,26). 

Traduzindo isso em palavras muito pobres, posso dizer: onde ficaram as vaidades de muitos, os bens que acumularam – muitas vezes de maneira não honesta –, os prazeres que dominaram suas vidas? O que fica de uma vida, além do amor semeado? 

Oportuno é, pois, o pensamento que bem poderia servir de título para um livro: “A vida é-nos dada para procurar Deus; a morte, para encontrá-lo; e a eternidade, para possuí-lo”.
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* Arcebispo de S. Salvador da Bahia, Primaz do Brasil
In Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
Fonte: http://www.snpcultura.org/para_uma_vida_sem_arrependimentos.html 14.05.13
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