Philia Pela Sophia:
DO OUTRO LADO DO DESESPERO
Entrevista com André Comte-Sponville
Entrevista com André Comte-Sponville
Pergunta:
André Comte-Sponville, façamos tábua rasa de tudo, e comecemos por
definir: o que é a filosofia? O que é um filósofo? Que papel ele deve
representar na Cidade de hoje?
André Comte-Sponville:
Aí está um início bem filosófico! No fundo, será que filosofar não
seria, antes de mais nada, isso mesmo: fazer tábua rasa (nada prova que
seja possível), pelo menos tentarmos nos livrar de tudo o que nos
atravanca, dos costumes, das idéias feitas, etc., em outras palavras,
pensar renovadamente? Sim, talvez a filosofia seja antes de mais nada
esse movimento de interrogação radical, como que um começo da razão, ou
um recomeço; talvez a filosofia seja o pensamento novo, o pensamento
livre, o pensamento libertado e libertador... Costuma-se dizer, citando
Hegel, que a coruja de Minerva alça vôo no crepúsculo, e não está
errado. A filosofia é a alvorada sempre recomeçada do pensamento, que
não pára de se alçar - brilho pálido da razão! - do fundo de nossos
crepúsculos.
Não
há como escapar da filosofia - ou, diria eu, só escapamos dela
renunciando a pensar. Ela é antes de mais nada uma dimensão constitutiva
da existência humana. Você me pergunta, "O que é a filosofia?" Forjei,
pensando em Epicuro, a definição seguinte: "a filosofia é uma prática
discursiva que tem a vida por objeto, a razão por meio e a felicidade
por fim."
Como
falo da felicidade, conclui-se daí um tanto apressadamente que aí
estaria, para mim, o mais importante da filosofia. Nada disso. É
possível ser feliz sem filosofar, sem dúvida, e, com toda certeza, é
possível filosofar sem ser feliz! A felicidade é o fim, não o caminho. E
principalmente: a felicidade não é a norma. Se uma idéia faz você
feliz, o que isso prova? É o que acontece também, pelo menos por certo
tempo, com a maioria das nossas ilusões... A felicidade não é a norma: a
norma da filosofia, como de todo pensamento, é, só pode ser, a verdade.
Sempre digo que, se um filósofo tem escolha entre uma verdade e uma
felicidade, o que pode acontecer, ele só é filósofo se escolhe a
verdade. Renunciar à verdade, ou à busca da verdade, seria renunciar à
razão e, com isso, à filosofia. Mais vale uma verdadeira tristeza do que
uma falsa alegria.
Por
que então não definir a filosofia como busca da verdade? Primeiro
porque essa busca não é, evidentemente, específica da filosofia: também
se busca a verdade na história, na física, no jornalismo ou no
tribunal... Na filosofia, a verdade é a norma, mas trata-se afinal de
viver e, se possível, viver feliz, ou não muito infeliz... Daí essa
tensão sempre, que me parece característica da filosofia, entre o desejo
e a razão ou, para dizê-lo de outro modo, entre o fim (a felicidade) e a
norma (a verdade). Que as duas podem se encontrar, é o que ensina a
velha palavra "sabedoria".
Se
a filosofia é amor à sabedoria, como a etimologia anuncia, é que ela é
amor, ao mesmo tempo, à felicidade e à verdade, e que tenta, na medida
do possível, conciliá-las, fundir uma na outra..."
COMTE-SPONVILLE.
O Amor, A Solidão.
Ed. Martins Fontes. Pg. 12.
O Amor, A Solidão.
Ed. Martins Fontes. Pg. 12.
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Fonte: http://acasadevidro.wordpress.com/2013/06/05/philia-pela-sophia-andre-comte-sponville-responde-o-que-e-a-filosofia/
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