Marcelo Gleiser*
Na semana passada, cientistas da Nasa puseram o telescópio espacial
Kepler em uma espécie de coma tecnológico: a sonda, desenhada para
buscar planetas semelhantes à Terra girando em torno de estrelas na
nossa vizinhança cósmica, falhou de uma forma que parece irremediável.
Lançada em 2009, a Kepler encontrou 132 planetas e 2.700 outros astros
que podem passar no teste e esperam estudos mais detalhados. A
confirmação será feita por telescópios terrestres que agora sabem para
onde olhar nos céus.
Custando US$ 550 milhões, a sonda Kepler revolucionou nossa visão do Universo e do nosso lugar nele.
A noção de que estrelas têm planetas girando à sua volta é muito antiga,
remontando ao menos à Grécia Antiga, onde filósofos como Epicuro, já no
século 4º a.C., sugeriram a existência de outros mundos: "Existem
infinitos mundos parecidos e diferentes do nosso. Pois os átomos,
infinitos em número, se espalham pelas profundezas do espaço." A noção
foi elaborada por Giordano Bruno ao final do século 16 em seu tratado
"Sobre o Universo Infinito e os Mundos". Para Bruno, esses outros mundos
seriam semelhantes à Terra, também habitados.
Era claro que, caso existissem outras Terras, a centralidade da nossa
estaria ameaçada. No debate sobre a existência de outros mundos, essa
era a questão essencial: somos únicos e, portanto, especiais de alguma
forma, ou apenas a norma do que existe pelos confins do espaço?
Foram necessários 413 anos após a morte de Bruno para que tivéssemos uma
resposta ao menos parcial a essa pergunta. Em quatro séculos, passamos
da mera especulação sobre a existência de outras Terras à observação
concreta de planetas que, se não são como o nosso, ao menos podem ser
semelhantes.
Hoje, temos uma disciplina em astronomia chamada de planetologia
comparada, na qual as propriedades de planetas diversos são examinadas e
estudadas em detalhes.
Mesmo que ainda em sua infância, aprendemos já várias coisas: que
estrelas, na sua maioria, têm planetas girando à sua volta; que a vida
só é possível naqueles que respeitam uma série de regularidades nas suas
propriedades astronômicas e que têm composição química bem específica.
Note que quando cientistas falam de vida em outros planetas se referem à
vida como nós a conhecemos, isto é, baseada em compostos de carbono e
em soluções aquosas. Outros tipos, mesmo que interessantes, são
provavelmente ficção. (A menos que a vida tenha evoluído de tal forma
que tenha deixado para trás sua carcaça de carbono, existindo numa
espécie de rede digital definida em campos eletromagnéticos, sem
existência física.)
Se estamos ainda na infância de nossa exploração cósmica, podemos ao
menos nos contentar com o que já aprendemos: há centenas de bilhões de
planetas na nossa galáxia; se não são infinitos, esses mundos são
incontáveis; talvez existam alguns com propriedades semelhantes às do
nosso; detalhes da vida nesses mundos dependem da história de cada um e,
por isso, somos únicos no Universo, produtos da Terra e de sua história
única.
Outras sondas mais poderosas do que a Kepler continuarão a busca. Mas o que já aprendemos demonstra nossa importância cósmica.
-------------------
Nenhum comentário:
Postar um comentário