Paulo Ghiraldelli Jr*
Filósofos de esquerda como Marilena
Chauí e Vladimir Safatle divergiram em suas análises do movimento de
protestos. Pejorativamente, Chauí falou da “dimensão mágica” dos
protestos, algo que derivaria do não domínio técnico e econômico da
Internet por parte de seus usuários, levando em conta que a Internet, e
em particular o Facebook, teriam sido o ponto de origem dos protestos.
(1) Safatle, por sua vez, comemorou o que ele supôs que estivesse na
ordem do dia do movimento de protestos, a saber, a democracia
representativa. Apostou então na criatividade dos protestos, que segundo
ele poderiam propor novas formas de organização ao se livrarem da
representação. (2)
Não pude endossar a tese da professora
Marilena, claro, porque não vejo como afirmar que há algum impedimento
em se combinar protestos pela Internet só porque não se é o seu dono.
Argumentei que, se o que ela disse tivesse base, também o livro não
seria um veiculo de comunicação nosso, dos filósofos que ajudaram
revoluções com suas publicações. Afinal, não somos donos das editoras!
(3)
Também não endossei a tese de Safatle,
uma vez que o movimento de protestos questionou a representação atual,
não o princípio da representatividade na democracia representativa. Os
manifestantes disseram claramente que estavam cansados de partidos
políticos e coisas do gênero, mas poucos deles afirmaram que nunca mais
votariam em alguém. Não disseram, também, que por causa do movimento ter
uma certa horizontalidade e uma ojeriza às vanguardas, a forma de
governo exclusivamente “das ruas” seria a melhor maneira de administrar o
Brasil. Safatle se empolgou. Aliás, se estivesse certo, aí sim o
movimento teria de parar o protesto e começar a pensar em como criar uma
democracia de base direta no Brasil – coisa que eu duvido que alguém
saiba como fazer para além dos mecanismos mistos que conhecemos, e que
até foram propostos por Joaquim Barbosa. (4)
Os protestos chegaram tardiamente entre
os filósofos conservadores. Menos afoitos que a esquerda, talvez eles
tenham esperado as coisas se acalmarem para dar seus palpites. Denis
Rosenfield e Luiz Felipe Pondé, que até já chegaram a escrever livro
juntos, com o sugestivo título “Por que viramos à direita” ou algo
parecido, tomaram caminhos diferentes. Rosenfield escreveu entusiasmado
com tudo que ocorreu. Praticamente deixou a filosofia de lado para
comemorar o antipetismo que enxergou no movimento. Esse antipetismo foi,
na verdade, uma parte do antipartidarismo em geral que esteve de fato
presente nos protestos. Rosenfield notou isso, mas tomou tal coisa como
não tão importante diante da possibilidade de vibrar diante da visão de
bandeiras do PT queimadas pelos manifestantes.
Diferentemente, Pondé se aproximou da análise de Safatle, ou melhor, praticamente endossou a análise do seu colega de Folha de S. Paulo.
Também ele viu no movimento alguma possibilidade de fazer surgir
seriamente uma crise de legitimidade da democracia representativa.
Todavia, enquanto Safatle olhou para tal coisa com esperança alegre,
Pondé, não de todo correto, assimilou a perda de legitimidade da
representatividade como necessariamente um caminho de violência, e então
fez as advertências de praxe para um conservador moderado.
Nesse caminho, Pondé trouxe Hobbes,
Rousseau e Tocqueville para a sua exposição. (5) Deu ao primeiro um
caráter muito mais totalitário do que o verdadeiro, e expôs Rousseau
como que possuindo um caráter unicamente revolucionário. Tudo isso para
abraçar Tocqueville. Nesse caso, criou aquilo que, não raro, eu denuncio
em alguns artigos do Pondé: a caricatura. Nem sempre ele bate no
adversário sem antes torná-lo já derrotado ao mostra-lo desenhado antes
pelo chargista que por um retratista cuidadoso. Às vezes isso até ajuda.
Mas, na maioria das vezes, atrapalha sua própria argumentação.
Hobbes diz claramente em sua teoria que o
governado, mesmo tendo cedido ao contrato e conferido direitos
absolutos ao Príncipe, se este falta com seu dever de chefe de estado e
de seu protetor público, há legitimidade na rebeldia do súdito, aliás,
surge aí até o dever de rebelião. Pondé nada fala sobre isso.
Rousseau não possui apenas uma via de
leitura. Quando ficamos atentos a Kant, vemos que ele lê Rousseau como
um reformista que quer mudanças pela via da educação. Quando lemos
Engels, vemos então que Rousseau pode muito bem ser entendido como
alguém que também toma a via revolucionária como caminho de mudanças.
Isso não é nenhuma novidade. Vários intérpretes de Rousseau notaram isso
que noto aqui. Pondé também nada fala sobre isso. Aliás, já se tornou
um lugar comum em seus artigos ele querer condenar o marxismo
revolucionário por meio da condenação de Rousseau, o que, a meu ver, é
um entendimento excessivamente unilateral do genebrino e, não raro, uma
via assumida também pela esquerda que Pondé execra.
Até aqui, esse é o quadro das
manifestações de alguns filósofos que foram à mídia para opinar sobre os
protestos. Outros textos, no entanto, foram menos ideológicos. Artigo
bastante analítico veio do Rio de Janeiro, pelas mãos de Luiz Eduardo
Soares. Mas o leitor que não tiver paciência pode pegar a ideia central
nas entrevistas desse pensador com o qual compartilho um passado
semelhante quanto ao vínculo com Richard Rorty. (6) Não caberia falar de
Soares aqui, mas sugiro ao leitor que o procure.
Da minha parte, não fui apenas um
observador, mas um participante nos protestos, e diferentemente dos
colegas citados acima, fiz mais de um artigo sobre o assunto, notando
filosoficamente que os protestos poderiam ser chamados de “a revolução
do indivíduo”. (7)
Por enquanto, salvo alguns outros
colegas que, talvez, eu possa abordar em outros textos, este é o mapa
que faço a respeito das falas nossas, de filósofos, sobre o movimento
que mudou a agenda política brasileira de um modo bem diferente de
outras mudanças passadas.
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* Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor, cartunista e professor da UFRRJ
Fonte: http://ghiraldelli.pro.br/os-filosofos-e-os-protestos-de-junho/
1. O inferno urbano e a política do favor, tutela e cooptação. (Marilena)
2. Sem partido (Safatle)
3. Marilena Chauí e o pensamento mágico dos jovens no protesto (Ghiraldelli)
4. O fator Barbosa e a democracia representativa (Ghiraldelli)
5. A química da democracia (Pondé)
7. A revolução do indivíduo (Ghiraldelli)
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