quarta-feira, 3 de julho de 2013

Os filósofos e os protestos de junho

Paulo Ghiraldelli Jr*
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Filósofos de esquerda como Marilena Chauí e Vladimir Safatle divergiram em suas análises do movimento de protestos. Pejorativamente, Chauí falou da “dimensão mágica” dos protestos, algo que derivaria do não domínio técnico e econômico da Internet por parte de seus usuários, levando em conta que a Internet, e em particular o Facebook, teriam sido o ponto de origem dos protestos. (1) Safatle, por sua vez, comemorou o que ele supôs que estivesse na ordem do dia do movimento de protestos, a saber, a democracia representativa. Apostou então na criatividade dos protestos, que segundo ele poderiam propor novas formas de organização ao se livrarem da representação. (2)

Não pude endossar a tese da professora Marilena, claro, porque não vejo como afirmar que há algum impedimento em se combinar protestos pela Internet só porque não se é o seu dono. Argumentei que, se o que ela disse tivesse base, também o livro não seria um veiculo de comunicação nosso, dos filósofos que ajudaram revoluções com suas publicações. Afinal, não somos donos das editoras! (3)

Também não endossei a tese de Safatle, uma vez que o movimento de protestos questionou a representação atual, não o princípio da representatividade na democracia representativa. Os manifestantes disseram claramente que estavam cansados de partidos políticos e coisas do gênero, mas poucos deles afirmaram que nunca mais votariam em alguém. Não disseram, também, que por causa do movimento ter uma certa horizontalidade e uma ojeriza às vanguardas, a forma de governo exclusivamente “das ruas” seria a melhor maneira de administrar o Brasil. Safatle se empolgou. Aliás, se estivesse certo, aí sim o movimento teria de parar o protesto e começar a pensar em como criar uma democracia de base direta no Brasil – coisa que eu duvido que alguém saiba como fazer para além dos mecanismos mistos que conhecemos, e que até foram propostos por Joaquim Barbosa. (4)

Os protestos chegaram tardiamente entre os filósofos conservadores. Menos afoitos que a esquerda, talvez eles tenham esperado as coisas se acalmarem para dar seus palpites. Denis Rosenfield e Luiz Felipe Pondé, que até já chegaram a escrever livro juntos, com o sugestivo título “Por que viramos à direita” ou algo parecido, tomaram caminhos diferentes. Rosenfield escreveu entusiasmado com tudo que ocorreu. Praticamente deixou a filosofia de lado para comemorar o antipetismo que enxergou no movimento. Esse antipetismo foi, na verdade, uma parte do antipartidarismo em geral que esteve de fato presente nos protestos. Rosenfield notou isso, mas tomou tal coisa como não tão importante diante da possibilidade de vibrar diante da visão de bandeiras do PT queimadas pelos manifestantes.

Diferentemente, Pondé se aproximou da análise de Safatle, ou melhor, praticamente endossou a análise do seu colega de Folha de S. Paulo. Também ele viu no movimento alguma possibilidade de fazer surgir seriamente uma crise de legitimidade da democracia representativa. Todavia, enquanto Safatle olhou para tal coisa com esperança alegre, Pondé, não de todo correto, assimilou a perda de legitimidade da representatividade como necessariamente um caminho de violência, e então fez as advertências de praxe para um conservador moderado.

Nesse caminho, Pondé trouxe Hobbes, Rousseau e Tocqueville para a sua exposição. (5) Deu ao primeiro um caráter muito mais totalitário do que o verdadeiro, e expôs Rousseau como que possuindo um caráter unicamente revolucionário. Tudo isso para abraçar Tocqueville. Nesse caso, criou aquilo que, não raro, eu denuncio em alguns artigos do Pondé: a caricatura. Nem sempre ele bate no adversário sem antes torná-lo já derrotado ao mostra-lo desenhado antes pelo chargista que por um retratista cuidadoso. Às vezes isso até ajuda. Mas, na maioria das vezes, atrapalha sua própria argumentação.

Hobbes diz claramente em sua teoria que o governado, mesmo tendo cedido ao contrato e conferido direitos absolutos ao Príncipe, se este falta com seu dever de chefe de estado e de seu protetor público, há legitimidade na rebeldia do súdito, aliás, surge aí até o dever de rebelião. Pondé nada fala sobre isso.

Rousseau não possui apenas uma via de leitura. Quando ficamos atentos a Kant, vemos que ele lê Rousseau como um reformista que quer mudanças pela via da educação. Quando lemos Engels, vemos então que Rousseau pode muito bem ser entendido como alguém que também toma a via revolucionária como caminho de mudanças. Isso não é nenhuma novidade. Vários intérpretes de Rousseau notaram isso que noto aqui.  Pondé também nada fala sobre isso. Aliás, já se tornou um lugar comum em seus artigos ele querer condenar o marxismo revolucionário por meio da condenação de Rousseau, o que, a meu ver, é um entendimento excessivamente unilateral do genebrino e, não raro, uma via assumida também pela esquerda que Pondé execra.

Até aqui, esse é o quadro das manifestações de alguns filósofos que foram à mídia para opinar sobre os protestos. Outros textos, no entanto, foram menos ideológicos. Artigo bastante analítico veio do Rio de Janeiro, pelas mãos de Luiz Eduardo Soares. Mas o leitor que não tiver paciência pode pegar a ideia central nas entrevistas desse pensador com o qual compartilho um passado semelhante quanto ao vínculo com Richard Rorty. (6) Não caberia falar de Soares aqui, mas sugiro ao leitor que o procure.

Da minha parte, não fui apenas um observador, mas um participante nos protestos, e diferentemente dos colegas citados acima, fiz mais de um artigo sobre o assunto, notando filosoficamente que os protestos poderiam ser chamados de “a revolução do indivíduo”. (7)

Por enquanto, salvo alguns outros colegas que, talvez, eu possa abordar em outros textos, este é o mapa que faço a respeito das falas nossas, de filósofos, sobre o movimento que mudou a agenda política brasileira de um modo bem diferente de outras mudanças passadas.
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* Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor, cartunista e professor da UFRRJ
Fonte:  http://ghiraldelli.pro.br/os-filosofos-e-os-protestos-de-junho/

2. Sem partido (Safatle)
7. A revolução do indivíduo (Ghiraldelli)

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