quarta-feira, 6 de março de 2019

PAULO ROBERTO DE ALMEIDA: "No Itamaraty, coronel manda em general"

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Paulo Roberto de Almeida
Ex-presidente do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais 

Em desabafo, o embaixador Paulo Roberto de Almeida, exonerado do cargo de presidente do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri) na segunda-feira, por críticas ao ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, afirmou a Zero Hora se sentir livre. O afastamento foi no mesmo dia em que reproduziu, em seu blog, textos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, do embaixador Rubens Ricupero e de Araújo, sobre a crise na Venezuela. Em seu artigo, o ministro critica os antecessores. Almeida seguirá no Itamaraty porque é diplomata de carreira.

Como o senhor está após o episódio da exoneração?
Estou me sentindo livre. Desde novembro do ano passado, quando foi anunciado o novo chanceler, sabia que o meu tempo no Ipri estava contado. Trata-se de um embaixador júnior (Ernesto Araújo), que anunciou várias coisas bizarras do ponto de vista da diplomacia. Toda mudança de governo suscita substituição de pessoal. É normal que os novos dirigentes escolham seus assessores. É normal que eu fosse substituído. Só não sabia que seria dessa forma. Sabia que haveria substituição, tanto que foi anunciado um chefe mais jovem do que eu. Não um embaixador, mas um ministro de segunda classe, aliás um rapaz que foi meu secretário em Washington. Essa é a postura do Itamaraty, uma ruptura de hierarquia, como os militares dizem, coronel mandando em general.

O senhor se considera vítima de censura?
Desde janeiro, fui proibido de trabalhar. Saí de Brasília logo depois do Natal, fui para o Rio Grande do Sul (sua esposa, Carmen Licia Palazzo é gaúcha), fiquei aí até o começo do ano. Voltei a Brasília no dia 14. Quando retornei, fui instruído a não fazer nada até que tivesse um novo presidente da Funag (Fundação Alexandre de Gusmão, instituição ligada ao Ministério das Relações Exteriores), até que tivesse aprovado meu programa pelo chanceler. É inédito ser instruído a não fazer nada, a não trabalhar. Não esperava uma defenestração como ocorreu (na última segunda-feira). Eles usaram o argumento da publicação no meu blog pessoal de três artigos (de Fernando Henrique Cardoso, de Rubens Ricupero e de Araújo).

O senhor sentiu que aquela publicação seria a gota d?água?
Estava propondo um debate, como sempre fiz. Sempre publiquei coisas sobre política externa em meus blogs e nas minhas redes sociais. Sempre debati com as pessoas, sempre escrevi. Aquilo não foi o gatilho da demissão. O gatilho está em comentários anteriores que fiz sobre Olavo de Carvalho, que é o santo protetor de Ernesto Araújo. Chamei de sofista da Virgínia. E gozei dele em várias postagens, porque ele é um ignorante em política internacional, em economia. E, claro, (critiquei) Eduardo Bolsonaro, quando ele falou contra a ida de Lula no velório do neto. Fiz uma postagem pequena dizendo que fundamentalistas não só se parecem como são semelhantes. Achei horrível.

O senhor ficou quase 14 anos na geladeira do Itamaraty, durante o governo do PT. Agora é exonerado pela direita. Se sente perseguido?
Extremismos e fundamentalismos se parecem. Eles não suportam contestação, controvérsia. Eu me atribuí permissão especial para dissentir, para divergir. Sempre escrevi e por isso sempre fui punido. Inclusive antes do lulopetismo eu já havia sido punido pelo regime tucanês por escrever sem autorização. Como diplomata, não se pode escrever sobre temas de política externa da agenda corrente sem autorização superior. O que eu concordo. Mas escrevia sobre política internacional de forma geral. Passei 13 anos e meio fora de qualquer cargo, só fui chamado depois do impeachment de Dilma, em agosto de 2016.

O filho do presidente e deputado federal Eduardo Bolsonaro é uma espécie de chanceler paralelo?
Sem dúvida. Já tinha o Marco Aurélio Garcia (assessor especial da Presidência) no regime lulopetista. Mas é muito diferente. Não dá para compará-lo com o Filipe Martins (que ocupa o cargo no governo Bolsonaro), chamado de "Robespirralho" (referência a Robespierre, líder dos jacobinos durante a Revolução Francesa, quando foi implantado um regime de terror) porque não tem estatura. Marco Aurélio Garcia era um agente cubano. Ele tinha certa autoridade sobre o Itamaraty. Felipe Martins é só um colega de conversas de Ernesto Araújo, que não tem nada desse olavismo desenfreado. Ele usou isso para ascender, é construído, deliberado. Ele farejou essa coisa e investiu nessa vertente.

O senhor quer dizer que Araújo usou Olavo de Carvalho para chegar ao cargo?
Exatamente. Ele foi para Washington quando estava lá Nestor Forster Júnior (diplomata na capital dos EUA), grande amigo meu, bom funcionário, mas um olavista fanático. Ele foi o cara que levou Araújo a Olavo de Carvalho, em maio do ano passado, na Virgínia (Estado americano onde Olavo mora).

Bolsonaro e Araújo prometem desideologizar o Itamaraty, mas aparentemente há muita ideologia na política externa.
É até irônico falarem essas coisas. Não tem nada de mais ideológico do que falar contra globalismo, climatismo, marxismo cultural, politicamente correto, ideologia de gênero. Eles não se dão conta. É ridículo de falar política externa e comércio sem ideologia, quando o que mais fazem é reclamar da China.

As relações entre o senhor e o ministro Araújo inexistem?
São totalmente inexistentes. O conheci nos anos 1990. Depois, nunca mais havia encontrado com ele. Em novembro de 2016, quando comecei a convidar pessoas para palestras no Ipri, chamei um amigo meu, professor da Academia Diplomática Americana, para falar sobre as implicações do governo Trump para o Brasil e a América Latina. Tinha chamado Ernesto Araújo, que então era ministro­chefe do Departamento da América do Norte para ele comentar e introduzir o debate. Ele sacou do bolso um monte de folhas e começou a ler aquela coisa que depois se converteu no artigo dele: Trump e o Ocidente. Fiquei agastado porque não o chamei para proclamar que Trump iria salvar o Ocidente, mas não podia interrompê-lo na frente de todo mundo. Teve uma pergunta de um professor da audiência, Eduardo Viola: "Ernesto, o senhor acredita realmente que o Facebook e o Google fazem parte dessa conspiração globalista contra a soberania dos países?". Ele simplesmente disse: "Sim, acredito." Fiquei surpreendido. Só em março ou abril de 2017 é que ele (Araújo) apresentou esse artigo para a revista Cadernos de Política Exterior. Em novembro de 2018, soube que, depois que a revista fora impressa, ele foi levá-la para Olavo de Carvalho na Virgínia. Ele começou a construir essa coisa desde 2016.

O senhor foi exonerado por meio de uma ligação do chefe de gabinete do ministro de Estado, Pedro Wollny. Foi dito que o senhor estava saindo do cargo devido às publicações em seu blog?
Ele achou que eu tinha sido descortês com o ministro não só em relação a esses artigos, mas a outras postagens que fiz. A alegação é de que fui descortês com a chefia da Casa. A versão verdadeira é de que provavelmente ofendi Eduardo Bolsonaro e Olavo de Carvalho, os dois sustentáculos de Ernesto.

O que o senhor fará agora?
Vou para a biblioteca (do Itamaraty), sento, leio, penso e escrevo. Eles não vão me oferecer nada no Itamaraty e nada lá fora.

Como o senhor resume a política externa brasileira?
Alguns me perguntam a minha opinião, questiono: "Qual?". Há um conjunto de pronunciamentos que vão sendo revertidos por "volta atrás!" do próprio presidente ou por tutela dos militares.
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FONTE:  https://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=ef7bed547c6c4553b0c082976d9e0939
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