segunda-feira, 18 de março de 2019

Temores e horrores

 Lya Luft*
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Um desses dias em que a gente tem vontade de virar Bela Adormecida e só acordar no dia seguinte, semana seguinte, sei lá. Parece que o mundo, e nós, andamos embruxados, condenados por maldições de mil feiticeiras, não boazinhas mas malignas.

De um lado, politicamente, culturalmente, me interessa o relativo caos do Brexit, não aguentando mais nem o termo, nem a pobre Theresa May. Não tenho nenhum cacife para falar sobre o caso, mas vejo, por entrevistas e reportagens, que muitíssimos dos que votaram "sim, sair da União Europeia" hoje admitem que achavam que não teriam de pagar mais impostos... e se houver, ou houvesse, um novo plebiscito, votariam de maneira diferente.

Isso não me causa emoções sombrias, apenas uma certa fraternidade com esses ingleses de que tanto gosto.

Mas aqui, neste país, em São Paulo, na simpática cidadezinha de Suzano, a tragédia brutal me tocou como se eu conhecesse aqueles adolescentes encurralados, fuzilados, retalhados a machado, e os outros que foram também brutalmente atingidos na sua psique - vendo os colegas vitimados pela carnificina sem sentido.

Tenho netos em idade de Ensino Médio, tive filhos assim, tenho dezenas de famílias amigas cujos netos, ou filhos, poderiam estar naquela escola - ou aquele horror poderia acontecer por aqui. Não há desculpa se estamos criando uma geração de sádicos e fanáticos matadores. Dizer que eram loucos os desculpa: insanos e dementes não seriam responsáveis. Os dois rapazes, segundo se vai descobrindo, planejaram cuidadosamente, por um ano, esse massacre. As roupas, as armas, a hora, o lugar. Parece, segundo muitos indícios em seus computadores e celulares, que pertenciam a uma sombria turma de extremistas que já inspiraram, coordenaram e depois aplaudiram o horrendo resultado de outras atividades assim no Brasil. E possivelmente fazem parte de uma comunidade internacional, sempre na sombra das darknets, instigando eventos semelhantes nos Estados Unidos, por exemplo.

O que dizer? Que somos todos animais predadores e que, sem alguma orientação, apoio, afeto, é de esperar que acabemos assim? Não creio. Alguma semente diabólica foi lançada, e cresceu, nos dois, sobretudo no mais velho, de quem possivelmente o mais jovem era admirador fanático. Pois o maior fuzilava os inocentes e o mais novo vinha atrás - segundo alguns vídeos e testemunhos - carneando os já mortos ou semimortos com machadinha.

Mãe adicta, vó morta, pai ausente, se for o caso, certamente não explicam isso. Sei que meus dias estão sob a sombra desse horror, compaixão pelas vítimas e famílias, e colegas, e um sentimento intraduzível pelos assassinos. (Me perdoem os mais sensíveis que os julgam bons meninos apenas estressados.) O chefão dessa comunidade - se for confirmado isso - já foi preso outras vezes, e solto. Então, em última análise: o que há conosco que entre nós vicejam venenos tão pavorosos e mortais?
No começo de mudanças positivas no país, repito o que digo mais vezes ao encerrar um artigo: Deus nos ajude.
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* Escritora
Fonte:  https://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=76910555f58a3bac6545df731067ada9 Acesso 18/03/2019
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