quarta-feira, 21 de setembro de 2022

Propostas da sociedade civil: por que a política pode ser melhor

Foto: Adriano Machado/Reuters - 18.out.2021

Pessoa pendura num varal lenços brancos. No centro, há uma bandeira do Brasil também pendurada. Não é possível ver o rosto da pessoa. Atrás dela, está o edifício do Congresso Nacional. 

Integrante da ONG Rio de Paz faz homenagem a mortos pela covid-19 no Congresso Nacional, em Brasília

Entidades se unem e tentam levar a candidatos sugestões para áreas como educação, alimentação e meio ambiente. Parte delas monitora o processo eleitoral no contexto de ataques às urnas

Eleições são períodos em que, além de conhecer os candidatos aos cargos públicos e acompanhar a disputa entre chapas, os eleitores podem debater com mais dedicação as políticas que querem que melhorem, como as voltadas para saúde, educação, moradia e segurança pública.

Para qualificar esse debate, organizações da sociedade civil dialogam com candidatos e divulgam informações sobre esses temas à população no período eleitoral. Essas ações podem trazer à luz assuntos até então negligenciados nas campanhas e pressionar os políticos a assumirem novos compromissos caso sejam eleitos.

O Nexo explica, no último texto de uma série sobre por que a política pode sair melhor da votação de 2022, como a sociedade civil tem se organizado no atual pleito e qual a sua relevância para o debate eleitoral. Mostra também os desafios de trabalhar nesta campanha.

O que são essas organizações

Conhecidas popularmente como ONGs, as organizações da sociedade civil são entidades privadas e sem fins lucrativos que têm como objetivo atender ao interesse coletivo. Essas organizações fazem parte do terceiro setor da economia. Atuam em áreas diversas, como educação, saúde, meio ambiente, defesa de direitos, entre outros.

O campo de atividades dessas organizações é amplo: elas podem fiscalizar governos, reivindicar a criação de novas políticas públicas (o chamado advocacy) e produzir estudos. Parte delas realiza atividades em parceria com governos na prestação de serviços públicos, como é o caso de entidades que atuam na área de saúde.

Em época de eleições, esses trabalhos se intensificam. Organizações como a Fundação Abrinq, voltada aos direitos de crianças e adolescentes, elaboram documentos com propostas de políticas para serem adotadas pelos governos eleitos e procuram os candidatos para que se comprometam com a agenda, como forma de exercer pressão.

Foto: Reprodução/Open Society
Membro da Redes da Maré coleta dados para o programa Aproximação
Membro da Redes da Maré coleta dados para o programa Aproximação

Outras realizam campanhas sobre suas áreas de interesse voltadas não só aos candidatos, mas ao eleitorado. Em 2022, grande parte dessas iniciativas são divulgadas em páginas na internet e nas redes sociais, para que sejam acessadas pelo público.

Faz parte dos papéis dessas organizações “jogar luz sobre os aspectos da disputa eleitoral que merecem atenção”, disse ao Nexo Flávia Pellegrino, coordenadora executiva do Pacto pela Democracia, coalizão que reúne mais de 200 entidades. “A sociedade civil qualifica o transcorrer do processo, informando e apontando caminhos para nossa construção enquanto sociedade.”

Em paralelo, parte dela acompanha o transcorrer da própria eleição, para garantir que o processo aconteça de forma livre e participativa. Segundo Pellegrino, em 2022 a quantidade de iniciativas está provavelmente igual à das eleições de 2018, mas algumas de suas estratégias se destacam neste ano.

Articulação em redes

Em 2022, o Pacto pela Democracia lançou a plataforma Eleições Melhores para reunir ações de organizações do terceiro setor voltadas à campanha eleitoral. Mais de 100 iniciativas de movimentos, ONGs e coletivos estão no site para apoiar os eleitores nas escolhas de outubro.

Parte das iniciativas mapeadas não pertencem a uma só organização, mas a várias que atuam no mesmo ramo e decidiram se unir em 2022 para dar mais visibilidade às suas agendas. Marcus Fuchs, membro do grupo executivo da Agenda 227, disse que esse é o caso do movimento.

“É um movimento coletivo, o que aumenta nossa possibilidade de influência e de tratar de diferentes temas”, disse sobre o grupo, que em 2022 criou uma carta com mais de 130 propostas de políticas para a infância e a adolescência no Brasil. “Uma só organização não conseguiria cobrir todos os temas que a Agenda 227 contempla.”

Foto: Afolabi Sotunde/ REUTERS - 18/02/2022
Uma professora escreve no quadro durante uma aula que faz parte de um programa especial de STEM para crianças de famílias pobres, em Abuja
Uma professora escreve no quadro durante uma aula que faz parte de um programa especial de STEM para crianças de famílias pobres, em Abuja

Outras redes de organizações que se articularam na atual campanha são a Rede de Justiça Criminal, que elaborou propostas para o próximo governo nas áreas de justiça e segurança pública, a Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, que fez o mesmo para o próprio tema, e a Conferência Brasileira de Mudança do Clima, que reúne 27 entidades.

Com representantes distribuídos pelo Brasil, esses grupos têm a possibilidade não só de exercer mais influência sobre os candidatos à Presidência da República, mas dialogar com deputados, senadores e governadores que atuam em escala local.

Segundo Raphael Barreto, integrante do Instituto Desiderata e também da Aliança pela Alimentação Adequada e Saudável, na atual campanha, núcleos locais da aliança ganharam autonomia inclusive para redigir propostas complementares à carta nacional do grupo, caso isso os ajude a dialogar com as necessidades dos estados.

O foco na proteção da democracia

Outra característica que chama a atenção nas eleições de 2022, segundo Pellegrino, é o surgimento de iniciativas que miram a proteção do próprio pleito, em resposta a ataques recentes de Jair Bolsonaro ao sistema eleitoral. “Isso é inédito desde a redemocratização”, disse.

Em todo o mandato, o presidente tem descredibilizado as urnas eletrônicas e atacado instituições como o Supremo Tribunal Federal. Na campanha de 2022, ele tem também posto em dúvida a possibilidade de aceitar o resultado do pleito caso não se reeleja.

Foto: Ueslei Marcelino /Reuters 24.09.2014
Funcionário, vestindo camiseta verde, segura urna eletrônica em frente ao rosto . A fundo, várias urnas lado a lado enfileiradas em uma mesa de madeira
Funcionário prepara urna eletrônica em seção eleitoral de Brasília

Em julho, quando Bolsonaro atacou o sistema eleitoral em reunião para embaixadores, centenas de organizações da sociedade civil se manifestaram, a maioria reunida no Pacto pela Democracia. Na mesma época, a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), sem citar a reunião, encaminhou um documento aos então pré-candidatos à Presidência pedindo “compromisso com a democracia”.

Na plataforma Eleições Melhores, iniciativas de organizações como o Instituto Igarapé e a Transparência Eleitoral Brasil se propõem na campanha a monitorar o processo eleitoral e incentivar entre os candidatos o debate sobre a defesa do espaço cívico em 2022.

Outras organizações criaram iniciativas para combater a desinformação — o que Pellegrino considera “um dos aspectos mais preocupantes” do atual contexto de ataques à democracia. Segundo ela, esse tipo de articulação é uma novidade de 2022, ainda que o problema da desinformação eleitoral seja mais antigo.

Os ataques à sociedade civil

Essa articulação da sociedade civil acontece depois de quase quatro anos de ataques do governo Bolsonaro às organizações. Em seu mandato, o presidente prometeu cortar recursos de ONGs que tivessem parcerias com órgãos públicos, reduziu sua participação em conselhos do governo federal e as acusou sem provas em casos como o da crise de queimadas na Amazônia em 2019.

Pellegrino disse ao Nexo que esses ataques fazem parte de uma estratégia do presidente de enfraquecer a sociedade civil, que, além de pautar o debate público, costuma fiscalizar os governos e cobrar para que cumpram as leis do país ou os compromissos firmados no período eleitoral.

Para ela, a estratégia de Bolsonaro não funcionou. “Nos unimos mais e criamos espaços de encontro, fortalecimento e coordenação das nossas ações para que pudéssemos enfrentar tantos ataques e conter a escalada autoritária em curso no Brasil”, disse.

Foto: Ricardo Moraes/Reuters - 24.11.2018
Presidente Jair Bolsonaro
Bolsonaro (à dir.) acompanhado dos generais Augusto Heleno (camisa azul) e Luiz Eduardo Ramos (de farda)

Esses grupos também atuaram na promoção de políticas públicas. No primeiro ano da pandemia de covid-19, organizações da área de saúde que têm parcerias com governos foram importantes para manter os serviços de hospitais na rede pública e outros grupos prestaram assistência a comunidades vulneráveis.

Apesar disso, em diversas áreas houve deterioração na relação entre setor público e terceiro setor, inclusive nos estados e municípios. Para Raphael Barreto, também tem sido difícil tratar de certos temas no atual contexto de retrocessos nas políticas públicas.

No caso da alimentação, “com o retorno do Brasil ao mapa da fome, tem sido desafiador defender propostas baseadas no direito humano à alimentação adequada, com vistas não só à garantia de que todas as pessoas estejam livres da fome, mas também de todas as formas de má nutrição”, disse.

Quais são os desafios da campanha

Marina Esteves, integrante do Instituto Ethos, uma das organizações que fazem parte da Conferência Brasileira de Mudança do Clima, afirmou ao Nexo que fazer as pautas avançarem também é um desafio da campanha eleitoral. “Alcançar candidaturas tem sido difícil, uma vez que a agenda de clima ainda não é vista como ponto prioritário no convencimento do eleitorado”, disse.

Embora não seja de hoje que o meio ambiente tenha pouco espaço no debate eleitoral, no pleito de 2022 falar desse tema tem sido ainda mais difícil. Dominada pelas discussões sobre violência política e ameaças à democracia, a campanha tem tratado pouco de políticas públicas e propostas para o futuro.

“As graves e variadas maneiras como as eleições têm sido atacadas têm tirado nosso sono. E isso sem dúvida drena a energia de muita coisa positiva e propositiva que poderia estar sendo produzida em 2022. É extremamente desafiador olhar pra frente, pensar e planejar o futuro diante de tamanhas ameaças e incertezas”, disse Pellegrino.

Foto: Ueslei Marcelino/Reuters
Uma mulher negra ergue as palmas da mão diante da câmera, e nelas está escrito a palavra "fome". Ela está na frente de uma parede com o nome e o logo do Banco Central
Protesto contra a fome na frente do Banco Central

Pensar no futuro não é um problema só das candidaturas ou da sociedade civil, mas de todos, disse Marcus Fuchs, que afirmou que gostaria de ver mais atenção também ao tema da infância. Ainda assim, ele contou que a Agenda 227 tem conseguido dialogar com os partidos e parte dos candidatos ao Planalto, como Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB).

“Esta é nossa motivação: sabemos que é difícil [falar de infância], mas vale fazer aquelas coisas que são mais desafiadoras. Essas são as que precisamos priorizar e transformar”, disse ao Nexo. Segundo ele, a Agenda 227 já tem planos para voltar a procurar os candidatos em eventuais segundo turno e transição de governo.

Raphael Barreto disse priorizar, além do diálogo com os eleitores, o fortalecimento de candidaturas ao Congresso Nacional. “É fundamental ampliarmos o número de parlamentares para formarmos bancadas em defesa da alimentação saudável”, disse. “Acreditamos que é possível reverter o grave cenário de insegurança alimentar.”

Fonte:  https://www.nexojornal.com.br/expresso/2022/09/20/Propostas-da-sociedade-civil-por-que-a-pol%C3%ADtica-pode-ser-melhor?utm_source=NexoNL&utm_medium=Email&utm_campaign=anexo

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