Teresa Vasconcelos*
Rosas em origami: “Coisa mais linda!”. foto © Teresa Vasconcelos
Há também alegria
na solidão
Crepúsculo de outono
(Buson, O Crisântemo branco: Antologia de Haiku.
Ed. Pedra Formosa, 1995)
Não posso deixar de sugerir o haiku japonês em epígrafe. Sabemos que o haiku
remonta à forma clássica da poesia japonesa; é um poema curto, em geral
de 17 sílabas. A tradição consistia em que vários poetas se reuniam e
compunham poemas em conjunto. Muito belo, muito ao jeito de uma das
características culturais japonesas, a vida de grupo. E estivemos no Japão em pleno outono.
Vou descrever a Quioto dos magníficos templos, das tradições e
modernidade. Mas não resisto a contar a história destas duas rosas em
origami. Um pouco amachucadas por causa da longa viagem, elas repousam
na minha estante junto a outros objetos de estimação. Foi no comboio de
alta velocidade (“bala”, como dizem os brasileiros) que nos levou de
Tóquio a Quioto que, já quase à chegada, deparei com uma senhora de
certa idade, muito calma e em modo concentrado, a fazer origami.
Estávamos já no corredor de saída. Comentei para o colega que estava
atrás de mim: “Coisa mais linda!”. A senhora, pelo tom da minha voz,
deve ter percebido que estava a falar sobre ela (a concentração faz
isto, mesmo falando línguas tão opostas…) e, de um gesto, retirou de um
saquinho de plástico estas duas rosas e ofereceu-mas. “Arigatô”
(obrigada), só tive tempo de balbuciar com uma vénia porque as mãos
estavam ocupadas com a mala… e as rosas, e descemos do comboio. Sem
pretender descrever todo o simbolismo deste gesto, ele foi um exemplo da
delicadeza japonesa – pelo menos entre os mais velhos.
Esta pequena dádiva foi, para mim, um haiku.
Quioto – 1,475 milhões de habitantes – é a antiga capital do Japão, a
cidade das dezenas de templos budistas ou xintoístas, dos palácios
imperiais, das muitas lojas de artigos de devoção ao redor dos templos e
de abundante comércio turístico, ao jeito dos nossos santuários. Muito
verde no meio das avenidas modernas e cheias de movimento. A nós
juntou-se então a professora Mari Mori, da Universidade de Kobe, que nos
acompanhou ao longo dos dias seguintes. Erguendo-se do verde, os
pináculos e silhuetas dos templos.
O magnífico Templo do Pavilhão Dourado (Templo Kinkaku) é património
mundial declarado pela UNESCO. Trata-se de um templo budista do século
XIV, com influência zen e com alguns elementos xintoístas.
Templo Dourado de Quioto, Japão. Foto © Teresa Vasconcelos
Refletindo-se no lago o magnífico templo é precedido pelo pavilhão
imperial também dourado. Rodeado de jardins e estátuas, o templo do
“pavilhão dourado” está junto a um lago também rodeado de floresta e é
literalmente um hino à vida e à profundidade espiritual do budismo zen.
Em 1950, transformou-se num templo zen de orientação Rinzai. A escola
Rinzai é uma das três escolas zen budistas no Japão. Foi introduzida
pelo monge Eisai em 1191. Adotada inicialmente pela classe dos samurais,
acentuava a disciplina monástica e a prática de koans (o koan
tem, como objetivo, propiciar a iluminação espiritual do praticante de
budismo zen). A escola está ainda associada ao refinamento das artes
tradicionais japonesas como a caligrafia e a cerimónia do chá – de
acordo com os elementos referidos na Wikipédia. A estrutura atual data
de 1955.
Em oposição à paz do Templo Dourado visitámos o grande santuário
xintoísta de Fushimi Inari-taisha (as suas origens remontam ao ano 1000)
– património mundial, tal como o anterior –, dedicado aos deuses
ligados à agricultura: o deus do arroz e o deus do saquê (a aguardente
de arroz). Nos jardins em redor vimos muitas estátuas de raposas que são
consideradas as mensageiras dos deuses.
Há muitas lojas com objetos de devoção, que não aprecio grandemente
porque me fazem lembrar outras paragens. Mas o magnífico templo é em cor
de laranja e é sublime o acesso com pórticos sucessivos em colunas
laranja, fazendo um percurso ascendente e outro descendente. As colunas
estavam repletas de inscrições em caracteres japoneses. Pensei com
alguma esperança que fossem frases indutoras de um aprofundamento
espiritual, mas ao fazer a descida do percurso perguntei e fui informada
de que se tratava dos nomes de quem tinha contribuído para o restauro
do templo e daquele túnel lindíssimo de colunatas. Enfim, também
encontramos o mesmo por essa Europa fora…
Apesar das inúmeras lojas vendendo incenso, pagelas, papelinhos para
deixar com pedidos ou intenções para afastar os maus espíritos, e apesar
da multidão de turistas e de muitos devotos, o caminho de subida até ao
templo é este fascinante conjunto de toriis (pórtico
tradicional japonês) que lembra os tradicionais portões de entrada nos
templos: mas, aqui, são nada mais nada menos que cinco mil pilares!
O
Santuário de Fushimi, em Quioto, que remonta ao ano 1000, é dedicado
aos deuses ligados à agricultura.
Foto © Teresa Vasconcelos
Subi em silêncio (como que num únel), afastando-me dos meus
companheiros. Depois desci, também em silêncio. Diria que esta foi uma
experiência muito pessoal de busca de sentido para os três anos difíceis
que antecederam o dom inesperado que tem sido esta viagem. E também a
constatação de que, no meio de muito barulho e mesmo ruído, posso criar
um silêncio dentro de mim e é nesse silêncio (para alguns, orante) que consigo centrar-me no essencial, ligando-me à teia de fios de vida que por vezes me enreda, outras me liberta.
Um templo em cada esquina: mágico e abundante. Foto © Teresa Vasconcelos.
No centro de Quioto antigo, por onde deambulámos,
em cada esquina deparávamos com um templo ou um palácio. Mágico e
abundante. A certa altura perdi-me do grupo: a multidão de turistas
impedia-me de ver os meus colegas que eram os meus pontos de referência.
Quis sentar-me e parar um bocadinho e tinha a indicação de um ponto de
encontro à descida. Depois subi por outro lado. Nada. Voltei a sentar-me
e calmamente disse a mim própria: “Tens o cartão com o nome do hotel.
Se começar a escurecer apanhas um táxi e pronto. Para já estás presente
ao que te rodeia…”.
Verifiquei como, “viajante empedernida” que sou, o manuseio do inglês
e do francês me tem sempre ajudado. Mas aqui não: os caracteres
japoneses na rua não me davam qualquer ponto de referência. Herméticos.
Fui ficando. Raramente nestes locais encontramos um japonês que fale
inglês. A certa altura, de dois lados opostos surgiram os meus
companheiros de viagem: “Está ali!” e acenavam aliviados e surpresos com
a minha calma. Expliquei-lhes o plano que “esta cabeça criminosa” já
tinha elaborado, continuando assim a usufruir do instante. Estava em
Quioto, a cidade dos templos, da transcendência. Todo e qualquer
silêncio me sabia tão bem, mesmo sem saber o que vinha a seguir. Mas
também me soube muito bem que o meu grupo bem português me tivesse
encontrado.
Interessantes os pequenos oratórios espalhados pelas ruas onde figura
uma pequena estátua, se colocam flores frescas e se reza aos deuses a
pedir que não haja incêndios, uma vez que eles são frequentes em
edifícios todos em madeira. Pelo que pude entender, os moradores de uma
determinada rua revezam-se na responsabilidade de cuidar deste
oratório/templo doméstico comum.
Em Quioto visitámos a Oikuen Ashita Nursery School que fora
restaurada recentemente pelo arquiteto Tezuca e se estendia um pouco
acima da colina onde estava um antigo templo budista. Fomos acolhidos
pelo monge responsável e pelo diretor, que nos explicaram tratar-se de
uma instituição de solidariedade social ligada ao templo. Impregnado da
filosofia budista da veneração pela natureza e do que podemos usufruir
dela, o espaço era calmo, muito simples. Ambiente repousante e tudo
muito belo. O edifício, luminoso, ao jeito de Tezuca, tinha as portas
das salas deslizantes, corredores protegidos e leves com modalidades
engenhosas para permitir o reaproveitamento da água da chuva…
Adultos contidos e atentos e as crianças espontâneas, calmas,
felizes. No início da refeição as crianças já sentadas – mesmo as mais
pequeninas – baixam a cabeça e juntam as mãos. Não há palavras, mas elas
sabem do que se trata: agradece-se a vida, os alimentos, o belo e o
bom… Esquecemo-nos disso, aqui pelo Ocidente. Mesmo de entrar no
silêncio. Senti-me elevada pelas crianças naquele momento.
Ao subir a longa escadaria até à creche e jardim de infância,
podíamos ver, entre as casas, quase sem espaço a dividir, a silhueta do
cemitério budista e suas campas, algumas floridas. Quando viajámos para
fora de Tóquio, de comboio, perto dos aglomerados de casas ou prédios,
viam-se os cemitérios lado a lado com os apartamentos. Em geral os
corpos são cremados, pelo que as campas não têm grande extensão. As
cinzas são apenas guardadas para manter a memória vida daqueles que
morreram. No budismo, a morte é simplesmente o final do ciclo na terra,
quando termina a missão de cada um: “Quando nascemos já nascemos com a
morte, vivemos tendo consciência dela”. A morte faz parte da vida. Por
isso os mortos coabitam ao lado dos vivos.
Cemitério budista. Foto © Teresa Vasconcelos
De Quioto a Kobe
O comboio de alta velocidade deixou-nos em Kobe. Trata-se de outra
enorme cidade a trepar pela montanha acima (monte Rokkô) com vista para a
baía de Osaka.
Subindo no teleférico do monte Rokko vê-se a extensão da cidade até
ao mar. No cimo do monte existem umas termas de águas sulfurosas: terra
vulcânica, bem o sabemos! À descida os maravilhosos jardins – “Herb
Gardens” –, um ex-libris da cidade: flores, hortas de legumes,
ervas aromáticas, numa espécie de escadaria até ao sopé do monte.
Lembrei-me dos “jardins suspensos da Babilónia” ou do nosso Douro
vinhateiro, mas com o mar ao fundo.
O escritor japonês Junichirô Tanizaqui (1886-1965), no livro Elogio da Sombra,
(1933), fala-nos na luz “que há na sombra”, evitando tudo aquilo que
brilha (bem ao contrário dos vizinhos chineses) e nomeia a palavra kairakuen
para “um parque para ser gozado em companhia” (p. 12). Foi isso que os
mais lestos puderam fazer enquanto dois ou três de nós tivemos de
regressar no teleférico: do alto contemplávamos os patamares e os
degraus organizados ao milímetro, repletos de plantas, ervas e flores.
Assim usufruímos de um magnífico kairakuen, ainda que a
partir de diferentes perspetivas. E lá em cima, como gostei de estar
sentada sozinha numa mesa a beber chá verde (num prosaico copo de papel
que guardei na mochila) fitando a baía de Osaka ao longe. Penso que
talvez os meus efusivos companheiros de viagem ficassem levemente
surpreendidos com a necessidade de silêncio e alguma solidão desta
companheira de viagem, mas eu tinha de digerir tanta beleza em silêncio,
com o olhar bem longe, louvando a Deus pela criação.
Os “Herb Gardens” ex-libris da cidade. Foto © Teresa Vasconcelos.
Uma parte da cidade antiga de Kobe foi destruída pelo tremor de terra
de 1995. Milhares de pessoas ficaram sem as suas casas, sobretudo as
que viviam na zona antiga da cidade, onde as casas são em madeira. É
notável a resiliência deste povo que vive – literalmente! – em cima de
vulcões. Tudo recomeça a seguir. Tudo e todos se “levantam” novamente.
Fazem-se filas para continuar a vida ordeiramente, ainda que as pessoas
possam ter de ficar alojadas temporariamente em pavilhões que resistiram
ao sismo ou mesmo em tendas. Sem lágrimas ou autocomiseração. Uma
imensa dignidade. Coerentes com a mentalidade budista: “quando nascemos
já nascemos com [o perigo, a insegurança], vivemos tendo consciência
de[les]” (adaptado).
Ainda conseguimos visitar o Taisan-ji, um dos templos xintoístas mais
antigos, este bem no centro da cidade. Aí adoram-se os deuses, fazem-se
ofertas, espera-se a sua proteção para as intempéries da vida. E
confia-se no que vier. Sublinho novamente: não há ponta de
autocomiseração, antes uma enorme dignidade. Não há queixas, tão
vulgares entre nós. Nem gemidos. Passe-se as variadas e antigas práticas
religiosas (lá como cá…) – que se mantêm apesar da “invasão” da
tecnologia mais sofisticada –, senti o valor da fidelidade ao grupo a
que se pertence, na certeza de que, visceralmente, precisamos uns dos
outros para viver (ou sobreviver). A propósito sublinho aqui o grande
amor, respeito e gratidão que merecem os mais velhos. São cuidados pelas
famílias e trabalham enquanto podem. Mesmo doentes e dependentes a sua
missão não terminou. É apenas diferente… um outro modo de ver. Tive bem
consciência do que poderia aprender com tudo isto.
Digo-vos que muitos do oriente e do ocidente
virão reclinar-se à mesa,
com Abrão, Isaac e Jacob, no reino dos Céus (…)
(Evangelho segundo Mateus 8, 11, leitura de 28 de novembro de 2022, versão de Frederico Lourenço)
Gosto deste convite: reclinarmo-nos à mesa. É importante deter-me na
comida japonesa. Não falei ainda dela, para não me mostrar
demasiadamente gourmet, coisa que sou. Mas a comida japonesa é, como
todos sabemos, um hino à beleza, à saudável frugalidade, repleta de
interessantes rituais: o silêncio, a lentidão, as cores e formas, a
atenção focalizada que leva a saborear os alimentos devagar, apenas no
presente, bem como o cuidado na organização dos mesmos e sua decoração.
Todos os sentidos se envolvem neste saborear que é também uma
experiência com/para uma dimensão espiritual, contemplativa – pelo menos
para mim. Movimentos leves por parte de quem nos serve. Come-se não
para nos empanturrarmos mas sim porque precisamos de comer para viver.
Sobretudo legumes sazonais, algas, peixe cru. O sushi. Arte, contemplação e beleza acima de tudo, estão na essência da cultura e da alimentação dos japoneses.
“Arte,
contemplação e beleza acima de tudo, estão na essência da cultura e da
alimentação dos japoneses.” Foto © Teresa Vasconcelos.
Junichirô Tanizaki afirma de uma forma muito bela: “A cozinha
japonesa, houve quem o dissesse, não é coisa para se comer, mas para se
olhar (…) para se olhar e, melhor ainda, para se meditar!” (in: Elogio da Sombra, 1933, p. 28).
A cozinha japonesa é isso tudo, mas também é sazonal, dá importância
ao ciclo das estações e das colheitas. O arroz branco é a base de toda a
alimentação, especialmente na modalidade sushi, que é o arroz
comprimido com vinagre de saquê e enrolado em folhas de alga, usando uma
pequena esteira, recheado de peixe cru, legumes, etc. Até a cor e
disposição dos legumes ou peixe dentro do sushi é estética e
intencionalmente bela. O tofu também está frequentemente presente.
Come-se muito peixe, sobretudo peixe cru – estamos em múltiplas ilhas – e
o peixe é fresquíssimo, mas também se come carne e galinha. A massa,
também base da alimentação, é originária da China e em geral é servida
num caldo de peixe, ou então frita (uma delícia!). Muitos e variados
legumes.
No nabo apimentado
que me trespassa
o vento de outono
(Bashô)
Sim, experimentei o saboroso nabo cru de que fala o haiku. Flores e
suas pétalas coloridas para saborear ou enfeitar. E, claro, o sempre
presente molho de soja que traz sal à comida, mas também vinagre de
arroz ou a célebre pasta picante verde, o wasabi. O wasabi é
uma pasta de cor esverdeada feita de uma parte da planta com o mesmo
nome cuja raiz e caule estão submersos em rios. Muito picante é servido
não apenas para temperar mas também para evitar intoxicação com
bactérias (o que pode acontecer quando se come peixe cru).
Pauzinhos com o respetivo suporte para os pousar, toalhinhas húmidas
para limpar as mãos antes da refeição. Mostro aqui apenas duas fotos de
diferentes restaurantes, partilhadas entre o grupo.
Foto © Teresa Vasconcelos.
Kobe é internacionalmente conhecida pela excelente carne. Gado criado
ao ar livre em pastagens bem verdes. Houve muitos habitantes desta
cidade que emigraram para o Brasil. Será que trouxeram para “casa” o
“cultivo” em grande ou pequena extensão de gado? Se tiverem emigrado
para o sul do Brasil é óbvia a influência alemã. Num restaurante a que
fomos, curiosamente só de carne e salsichas, tudo estava apresentado à
maneira japonesa: pequenas porções, dispostas de uma forma sempre bela
com molhos picantes ou wasabi. Luzes veladas, tudo favorável à
interioridade. Nada de iluminações frenéticas. Meia luz, saboreando,
cheirando, vendo, contemplando… O requinte estético, o tempo lento, a
conversa em surdina.
Claro que isto não se verifica em todos os restaurantes – apenas
fomos a dois ou três mais requintados, convidando os/as diretores das
escolas que visitámos. Mas um bom número deles mantém esta prática de
uma estética culinária ancestral. Frequentemente serve-se chá verde –
tive pena, mas não assisti a nenhum ritual do chá – mas nós preferimos
beber o célebre saké (ou saquê), aguardente de arroz, deixando
que os seus vapores eflúvios nos preparassem para a refeição. Para beber
“à saúde” diz-se: kampai e fixam-se os outros nos olhos.
Várias vezes recorri à possibilidade de beber copos grandes com um pouco
de saquê, muito gelo e rodelas de limão ou laranja. Mesmo agradável!
“A cerimónia japonesa do chá (chanoyu 茶の湯, lit. “água quente [para] chá”; também chamada chadō ou sadō, 茶道,
“o caminho do chá”) é uma atividade tradicional com influências do
Taoísmo e do Budismo Zen. O chá verde em pó (matcha抹茶) é preparado
cerimonialmente e servido aos convidados. O matcha é feito da planta chamada chá, camellia sinensis” (citado da Wikipedia).
O “caminho dos bambus”, em Kobe. Foto: Direitos reservados.
Não foi só em Tóquio que vi a responsabilização pelo lixo que se faz ao longo do dia. Uma notícia recente (Público,
24/11/2022) dizia: “Apoiantes da seleção nipónica já estão a deixar a
sua marca em Doha (Qatar) e arredores, para espanto dos muitos adeptos
adversários [depois do desafio contra a Alemanha os adeptos japoneses
limparam cuidadosamente o estádio]. A limpeza e a arrumação são como uma
religião no Japão”. A notícia não me surpreendeu: responsabilidade pelo
lixo que fazemos; não sei se introduziria a palavra “religião”, mas lá
que é cidadania, isso é. E aprende-se desde pequenino, isto é, em casa,
na creche e no jardim de infância, na escola. Nada mais digo ao pensar
no estado dos nossos estádios depois de um desafio de futebol ou nas
ruas depois de uma celebração ou mesmo de uma manifestação. Manter tudo
belo à sua volta, como que numa oração…
Vem a propósito apresentar aqui a beleza de um suporte para pauzinhos
que nos foi oferecido num dos jardins de infância visitados: um
complexo trabalho de origami – sob orientação de um adulto, claro! Como
expliquei anteriormente e vi ser feito em vários jardins de infância (um
adulto com duas ou três crianças), o origami é uma atividade manual bem
japonesa e com fortes implicações na destreza manual e capacidade de
concentração. A arte do origami é também de natureza contemplativa:
lenta e paciente, minuciosa e rigorosa. Só assim os origamis ficam
perfeitos. Como quem borda ou faz malha. Uma intensa atenção e,
simultaneamente, a plena descontração da mente. Sim, ouso falar em
meditação.
Gostaria ainda de falar de um local onde não pude estar, mas dois
companheiros de viagem puderam fazê-lo. Trata-se também de um dos locais
mais emblemáticos de Kobe, o “caminho dos bambus”. Tive mesmo pena de
não poder ir mas rien n’est parfait, diz-nos o Petit Prince.
Quando me mostraram as fotos fiquei feliz por eles e apenas pude
visitar as fotografias por eles tiradas… De certo modo, acompanhei-os na
pequena odisseia entre as altas canas de bambu. O sentido das coisas e
das experiências também se faz ao “retardador”, saboreando e
encantando-nos com aquilo que outros experimentaram, em vez de ficarmos
“gulosos” e carentes porque não tivemos a mesma experiência. Este era um
corredor complementar ao corredor laranja de Quioto que, esse sim, pude
percorrer no meu silêncio habitado por múltiplas vozes…
Também podemos viver do desejo…. e isso é lindo.
*Teresa Vasconcelos é professora do Ensino Superior (aposentada) e participa no Movimento do Graal. Contacto: t.m.vasconcelos49@gmail.com
Fonte: https://setemargens.com/quioto-finalmente/?utm_term=Papa+p%3Fue+em+evid%3F%3Fncia+a+atualidade+de+S.+Francisco+de+Sales%2C+patrono+dos+jornalistas&utm_campaign=Sete+Margens&utm_source=e-goi&utm_medium=email