quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

A identidade e a bofetada do Evangelho

ANDREA MONDA


       Ao responder à primeira pergunta dos jornalistas, a de Fátima Alnajem, correspondente da «Bahrain News Agency», o Papa refletiu em voz alta sobre a experiência da viagem que acabara de concluir e indicou a palavra-chave: diálogo. Especificando, contudo, que a condição para que haja um diálogo verdadeiro e frutuoso é a presença de duas identidades em confronto, identidades que não sejam vagas nem confusas, mas claras e fortes. Francisco voltou sobre este ponto da identidade, implicitamente mas com particular ênfase, ao concluir sua resposta à última pergunta, a do jornalistaalemão Ludwig Rin-Eifel, do Centrum informationis Catholicum, que comparou a Igreja católica no Bahrein (pequena em número mas crescente graças a uma grande vivacidade cheia de esperança) com a Igreja na Alemanha (rica em dinheiro e com uma grande tradição teológica mas em forte declínio e num período conturbado) e falou de raízes, afirmando que «a raiz da religião é a bofetada que o Evangelho nos dá, o encontro com Jesus Cristo vivo: de onde veem todas as consequências; a coragem apostólica, o ir para as periferias, também as periferias morais das pessoas para ajudar; mas a partir do encontro com Jesus Cristo. Se não houver encontro com Jesus Cristo, haverá um eticismo disfarçado de cristianismo».

        Este é um ponto fundamental de todo o pontificado do Papa Francisco: o regresso à fonte, à fonte da fé, a chamada à essencialidade do Evangelho. Caso contrário, a Igreja não se distinguiria de uma Ong piedosa, porque ela não é uma agência ética, uma instituição dedicada à difusão dos valores morais, estes são apenas efeitos, consequências como especificou na sua
resposta ao jornalista alemão: «Por vezes perdemos o sentido religioso do povo, do Santo povo fiel de Deus, e caímos em discussões éticas, em
debates de conjuntura, em discussões que são consequências teológicas, mas não são o cerne da teologia». E o núcleo é precisamente a bofetada do Evangelho. Este pequeno livro do qual Santo Agostinho dizia ter medo, é um texto que faz entrar em crise quantos se aproximam dele com um coração sincero, livre e humilde, ou seja, sem intenções instrumentais nem lentes ideológicas. E a crise, tem repetido o Papa com frequência, muitas vezes revela-se fértil com maiores e mais surpreendentes possibilidades e novos começos se não a deixarmos degenerar em medos paralisantes ou resultados conflituosos. Mas é importante dar e aceitar esta bofetada.

          Quando o Papa visitou o Discatério para a Comunicação, a 24 de maio do ano passado, disse algo semelhante precisamente aos redatores do “L`Osservatore Romano”, que se deixassem esbofetear pela realidade, ou seja, abandonar a ilusão de controle e ansiedade de “criar” a notícia, pois a realidade, que é sempre maior do que as nossas ideias, já fala o suficiente, aliás, por vezes brada, grita. E na realidade, escondida entre as dobras dos acontecimentos, há também a voz de Deus e da sua Palavra, o próprio Jesus, que continua a interpelar a nossa consciência: cabe a nós escutar;  este é o “núcleo” de tudo, não só da teologia mas também de uma vida cristã, e portanto humanamente vivida em plenitude e em consonância com a nossa identidade de filhos de Deus.

Fonte: L`Osservatore Romano, capa e pg.10, quinta-feira 10 de novembro de 2022, número 45 - Imagem da Internet

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