quinta-feira, 9 de fevereiro de 2023

Borges, el universal

Por *


Borges, el universal  
Foto: Biblioteca Nacional da Argentina

Conta-se que o argentino Jorge Luis Borges (1899-1986) foi o homem mais universal da sua aldeia, chamada por certo Marshall McLuhan, de aldeia global, mais conhecida como mundo. Conta-se também, em ficções não escritas, mas nem por isso menos verdadeiras, que, mesmo cego, Borges via muito longe, mais longe que seus contemporâneos: via o que só os grandes artistas enxergam, a alma dos lugares, o imaginário dos mundos, as mitologias por trás da banalidade do cotidiano. Conta-se que graças a isso o urbano Borges interpretou o coração da pampa como poucos, talvez exatamente como o viviam os gauchos que conheceu ou inventou. Conta-se que mesmo tendo passado a sua vida em bairros nobres, no centro pulsante da vida cultural, econômica e social, Borges foi capaz de compreender a periferia de Buenos Aires, os subúrbios com suas histórias e seus mitos, de modo tão perfeito que até o fictício foi adotado como verdadeiro pelos retratados para livrar o criador de qualquer inconsistência.

Conta-se que quando Borges passava, pois, às vezes, ele ainda passava, pessoas sussurravam encantadas: lá vai o homem que vê aquilo que a Argentina apenas sonha ou chora em silêncio. Só não se conta o que Borges sentia quando contava suas histórias para si mesmo. Na sua magia de narrador, o autor brincava de ser e não ser. Borges, el universal, aquele que não se contentava em ser cidadão do mundo, preferindo escrever novos mundos para a sua cidadania. ¡Gracias!

*

Traduzir-se
Houve um tempo na minha vida
Em que eu buscava estar além,
Mesmo sem me sentir perdido,

Havia um leão triste na janela
Que não me deixava desaparecer.
Eu cantava as minhas cores
Me alimentava dessas flores
Que fazem morrer as abelhas
E lia livros à luz da lua.

Fui muito longe para olhar
Queria me ver de mais perto
Um pássaro na solidão da lonjura,
Estrela brilhando na praia escura.

Quando, enfim, voltei para casa
O leão não estava mais na praça
A janela era um esboço na tela
A rua somente uma luz de vela.

Por que sempre penso nessas noites
Como se fossem dentes, traços, foices,
Molduras que perderam suas pinturas?

Então recomeço a esculpir palavras.

* Jornalista. Escritor. Prof. Universitário

Fonte:  https://www.matinaljornalismo.com.br/matinal/colunistas-matinal/juremir-machado/juremir-borges-el-univerrsal/

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