sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

‘Desigualdade tem raízes que vêm de milênios’, diz autor que narra a jornada econômica da humanidade

 Por Rennan Setti

Professor da universidade Brown (EUA) e cotado para o Nobel, o autor israelense-americano Oded Galor está lançando no Brasil “A Jornada da Humanidade” (Intrínseca). O livro explica como o Homo sapiens conseguiu contornar milênios de estagnação econômica e argumenta que as razões da desigualdade entre países hoje remontam a esse passado distante.

Quais foram suas premissas para escrever um livro tão ambicioso?

Eu tentei esclarecer dois grandes mistérios da jornada humana: o do crescimento e o da desigualdade. Por que, após milênios de estagnação, o padrão de vida sofreu uma transformação dramática nos últimos duzentos anos? Quais são as raízes da desigualdade entre países? Minha convicção é que grande parte delas está no passado distante, milênios atrás, e que as políticas públicas que podem mitigá-las devem considerar especificidades locais, históricas e geográficas. Por isso, o chamado Consenso de Washington, que prescreve políticas globais, está completamente errado.

O que foi a armadilha do crescimento?

Durante 99,9% da nossa história, as inovações não tornaram a população mais próspera, apenas mais numerosa. Mais recursos aumentavam a fecundidade, o que diluía os ganhos. Essa dinâmica se deu por milênios, aumentando gradativamente a população e o progresso tecnológico, mas mantendo o padrão de vida estagnado. Às vésperas da Revolução Industrial, chegou-se a um ponto de virada: as famílias perceberam que, naquele estágio tecnológico, só quem tivesse determinado nível de educação conseguiria colher os frutos do avanço. Como eram pobres, a solução foi ter menos filhos para educá-los melhor. O declínio da fertilidade permitiu que os ganhos de PIB se convertessem, pela primeira vez, em prosperidade. Por 300 mil anos, a renda per capita ficou estagnada. Nos últimos 200, ela cresceu 14 vezes.

Por que a Revolução Industrial se deu na Europa e não na China, que era mais avançada?

O mais importante fator foi a fluidez cultural na Europa. A população chinesa era muito coesa socialmente, o que era ótimo dentro de um paradigma tecnológico. Mas quando um novo paradigma emergiu, os europeus conseguiram se adaptar mais facilmente.

Daí sua tese de que diversidade impacta o desenvolvimento?

A diversidade tem implicações contraditórias. Por um lado, gera polinização de ideias e, logo, inovação. Por outro, pode gerar conflitos sociais. Mas um nível intermediário pode conduzir ao desenvolvimento. A China tinha o nível adequado na Idade Média, porque aquela época favorecia a coesão. Hoje, os EUA apresentam uma diversidade ótima que permite navegar no ambiente de transformação tecnológica.

O que isso diz sobre o futuro da China?

A falta de diversidade pode afetar seu crescimento futuro. O país deveria ser mais aberto, mas o regime autoritário é avesso a pluralismo.

E no caso de uma nação diversa como o Brasil?

Para explorar essa diversidade e ter maior produtividade, é preciso reduzir o custo da própria diversidade, investindo na geração de maior coesão social. Isso passa pela redução das desigualdades internas.

Quais foram suas conclusões sobre as origens das desigualdades entre países?

Uma razão é que a prosperidade começou antes em algumas regiões. Mas é fundamental saber por que umas decolaram antes que outras. Um motivo foi a já citada diversidade. Outra razão são as instituições, como a proteção do direito à propriedade na Europa. Antes disso, houve o colonialismo, que impôs uma parte do planeta a uma armadilha da pobreza e inibia o investimento em educação. Mas, antes, algumas nações tiveram a sorte de ter uma geografia que permitiu uma transição precoce à agricultura. Isso afetou a cultura, já que a agricultura favorece uma mentalidade orientada para o futuro. As consequências perduram até hoje.

Um truísmo entre os brasileiros é que nos falta visão de futuro. Há razões históricas para isso?

Não é um acidente que uma economia extrativista baseada no trabalho escravo tenha ocorrido no Brasil. A geografia do país favorece culturas de “plantation”, levando à concentração de terras e poder. Essa aristocracia não via sentido em investir em educação e reduzir desigualdades. E os trabalhadores não eram donos do que produziam, então não viam razão para serem mais produtivos.

Ao mesmo tempo em que fala das raízes, o sr. se diz contra o determinismo histórico…

A história não é um destino. Políticas educacionais corretas podem mitigar suas consequências adversa. Por exemplo: em um lugar cujo passado não era propício à agricultura e a população não foi naturalmente orientada para o futuro, em vez de aplicar a cartilha do Banco Mundial cegamente, é melhor investir em um sistema com essa mentalidade. Em sociedades mais homogêneas, como Bolívia e Equador, é crucial que o sistema educacional estimule o pensamento crítico a ponto de gerar o pluralismo que falta.

O sr. é um raro otimista com as mudanças climáticas. Por quê?

A Revolução Industrial criou o problema, mas também as forças capazes de combatê-lo: um salto educacional e e um declínio na fertilidade. Temos algumas décadas para criar tecnologias que revertam o problema. Toda vez que estivemos à beira da extinção, foi assim. Meu otimismo se baseia na inspeção do passado. 

Fonte: https://oglobo.globo.com/blogs/capital/post/2023/02/desigualdade-tem-raizes-que-vem-de-milenios-diz-autor-que-narra-a-jornada-economica-da-humanidade.ghtml?utm_source=newsletter&utm_medium=email&utm_campaign=newssemana

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