LYA LUFT*
Não quero brincar de morrer, como em criança fazia, me deitava na cama, no assoalho, tentando ficar assim por um pouco de tempo que fosse: não conseguia muita coisa. Achava morrer muito ameaçador, e se nunca mais eu conseguir acordar desse sono maluco? Melhor pegar um dos meus amados livros, e entrar naquelas histórias.
Se eu morrer, Pandora vai desaparecer? Ou vai continuar como meu reflexo, com todas aquelas suas sombras no espelho? Não sei se sobreviveríamos separadas. Eu existo nisto que penso ser realidade, ela bruxuleia quando as luzes se apagam: e assim resistimos, as duas.
Não quero ser uma criatura dessas que se movem quando tudo dorme. Não quero ser essa imaginação que ameaça se tornar realidade. Quero meu sangue nas veias, os dentes na boca, o riso, o grito, o olhar, o abraço, as pessoas que importam mais do que os seus reflexos. Quero a juventude que me rodeia, as crianças que me fazem rir, a amizade que me faz florescer sempre de novo, e o amor.
Pois na Caixa de Pandora sobrou o que chamaram "a pálida esperança".
- O que você vê quando olha para mim - perguntei a alguém.
Depois de pensar um pouco, ele respondeu:
- Vejo calor e vida.
Então eu quero ainda ser isso. Não quero ser uma Penélope cujos dias se resumem a tecer a própria mortalha.
Não quero terminar neste jardim de adeuses, nem subir escadinha fatal nem ter o fio cortado. Não sou Pandora, nem o rosto dela que bruxuleia no espelho é de verdade o meu. Eu a inventei para não me sentir sozinha? Para não ser imortal? Espelhos não serão tão mais importantes, mas a vida em si, a carne, a pele, a voz firme, o mar, o amanhecer vermelho, até mesmo um pedaço da solidão e lágrimas, isso eu quero ser, e por que não?
(E assim que traí Pandora.)
Livro encerrado, mesmo que eu não compreenda nada do que se desenrolou nestas páginas. Jornada de um dia? Trabalho de uma vida? Uma longa ilusão? Não há de fazer muita diferença.
Porque a vida e a morte, e o claro e o escuro, e a realidade e a imaginação se entrelaçam, se fundem, se ocultam e se desvendam.
Porque o grão de loucura ilumina a noite e fertiliza a terra.
Porque somos melhores do que nos fazem crer que somos.
Porque para nós, amadores, indagar é melhor do que entender.
Porque o consolo está em que nada faz muito sentido.
Porque, se uma parte de viver são escolhas, a outra parte é milagre dos deuses.
Este texto é um trecho do livro A Casa Inventada
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