quarta-feira, 4 de janeiro de 2023

Como reagir

 Por Leandro Karnal*

 Brinquedos pelo chão, como lidar com os infratores?

 Brinquedos pelo chão, como lidar com os infratores?


Afirmar que seus filhos são ‘baderneiros’ é estar alinhado com forças políticas obscuras

Você abre a porta da sala. Seus filhos espalharam tudo pelo chão. Há brinquedos e papel de bala, biscoitos esfarelados e refrigerante derramado no móvel novo. Como você expressa seu espanto com a cena?

“Mas que chiqueiro!” Bem, a expressão ataca animais e pode incomodar defensores dos porcos. Mesmo sendo um bicho impuro para islâmicos e judeus, pode ser uma frase inadequada. Humilha os infantes, e o Estatuto da Criança e do Adolescente interdita exposição pública de menores. Evite.

“Que baderna!” Poucos sabem, mas o termo é exclusivo do Brasil e diz respeito a reações do público ao talento de Marietta Baderna, célebre dançarina italiana no Rio do século 19. O coro dos fãs, gritando o sobrenome da artista (Baderna! Baderna!), era visto com resistência pelas elites, que passaram a usar o termo para designar algo popular e perigoso. “Bando de baderneiros” é termo reacionário para insultar movimentos sociais. Assim, afirmar que seus filhos são “baderneiros” é estar alinhado com forças políticas obscuras.

“Que anarquia!” Pela mesma implicação política, recomendo também evitar essa expressão.

Dita pela autoridade paterna e materna, a referência aos ideais de liberdade dos séculos 19 e 20 pode ser mais sedutora do que recriminadora. Quando um elemento moralizador enuncia o que é errado, pode ser lido (e geralmente o é) como um convite ao que está sendo combatido. Eu tive um professor de Teologia Moral que, ao enunciar comportamentos errados no campo sexual, povoou minha imaginação erótica até hoje...

A riqueza da Língua Portuguesa é enorme. Você pode optar por patuscada, balbúrdia, caos, pandemônio, tumulto, rebuliço, barafunda, mixórdia ou zorra.

Recomendo algo menos comum. Quer atenção? Plena? Abra a porta e fale com voz firme: “Que furdunço!!!”.

Pronuncie com os três pontos de exclamação, um a um, sem nada omitir do espanto. Articule as sílabas: fur-dun-ço. O bico na segunda parte reforça o impacto. Seus filhos nunca ouviram o termo. Isso causará um estranhamento, origem da Filosofia. O vocábulo tem uma origem incerta; logo, ofende pouco. Termo sonoro, amplo, quase neutro, sem conotação animal ou política (e... sem ferir o ECA). Perfeito! Faça com voz clara e orgulho nacionalista: “O furdunço é nosso!”.

Por fim, estimule que os infratores colaborem na limpeza. Caso contrário, você estará criando “furduncentos” contumazes que podem até parar, no futuro, na política. Aí... seria furdunço sem esperança.

*Historiador. Conferencista. Escritor.

Fonte: https://www.estadao.com.br/cultura/leandro-karnal/como-reagir/

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