quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

Pelé, o Papa e Lula

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Pelé, o Papa e Lula 
Cortejo com o corpo de Pelé pelas ruas de Santos (Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil)

O longo ano de 2022 não parecia disposto a fazer greve de acontecimentos. Até o último minuto manteve a humanidade em suspenso. No apagar das suas poucas luzes, tirou Pelé e o Papa Bento XVI de cena. Como diz a sabedoria popular, porém, morreu Edson Arantes do Nascimento, que Pelé é imortal. Bento XVI foi o primeiro papa a renunciar em seiscentos anos, desde a época do racha na Igreja, que teve papas em Roma e em Avignon. Em palavras mais humanas, o cardeal Ratzinger, que reinou como Bento XVI, aposentou-se quando sentiu que já não tinhas forças nem saúde para continuar no comando. Humano, muito humano. Afinal, como Francisco vem mostrando, os papas são gente como a gente, só que com muito poder espiritual e responsabilidades.

Bento XVI não era pop. Considerado um teólogo de grande saber, mas muito conservador, abriu caminho para a grande metamorfose representada pelo argentino Bergoglio, que, conservador ao longo da vida, revolucionou-se como papa e conquista adesões a cada dia. No plano simbólico, veremos pela primeira vez um papa encomendar a alma de outro. Enquanto isso, na Vila Belmiro, em Santos, o rei negro Pelé, que conquistou a coroa mais difícil, a do mérito absoluto, foi homenageado por autoridades e populares. Milhares de jornalistas vieram do mundo inteiro cobrir a despedida do filho do Dondinho e dona Celeste. Quem diria que aquele guri pobre de Três Corações, cidadezinha de Minas Gerais, viraria o nome mais conhecido do mundo, o maior jogador de futebol de todos os tempos, aquele que só distribuiu alegria, o atleta que deu ao jogo de futebol a dimensão de arte.

Política, religião e futebol não se misturam? São feitas da mesma matéria: as paixões, os medos e as esperanças humanas. O final de 2022 misturou tudo mais do que nunca. O Brasil viu o capitão Jair Bolsonaro fugir para os Estados Unidos, na surdina, em avião presidencial, dois dias antes do final do seu mandato. A fuga teve um ponto positivo: desesperançou de vez os que pediam golpe militar à frente dos quartéis. No dia 1º de janeiro de 2023, triunfal, Lula, o retirante nordestino, subiu a rampa do Palácio do Planalto pela terceira vez. Como Bolsonaro não quis estar presente, nem passar a faixa presidencial, abriu-se o caminho para algo de um simbolismo sublime: Lula subiu a rampa acompanhado por gente do povo – uma negra, um indígena, o cacique Raoni, um operário, um professor, um menino preto, um jovem com paralisia cerebral, uma trabalhadora.

Se 2022 pareceu longo e pesado, espera-se que 2023 seja justo e fluente como o grande rio da existência. Um ano para arrumar a casa, render homenagens aos que partiram e semear novas e justificadas esperanças, que, mais do que nunca, precisamos delas para seguir em frente. O presidente Lula, claro, foi a Santos despedir-se do Rei Pelé. Que o próximo final de ano nos dispense de tantas emoções e tantas lágrimas. Como me disse por telefone meu amigo Dominique Wolton, sociólogo francês, cujo último livro chama-se “Comunicar é negociar”, “O Brasil, ao eleger Lula pela terceira vez e barrar a permanência da extrema direita no poder, dá uma lição de democracia ao mundo”. Se 2022 foi um ano de luta e resistência, que 2023 seja um ano de construção, beleza, alegria e dignidade. Avante, pois!

*Jornalista. Escritor.

Fonte: https://www.matinaljornalismo.com.br/matinal/colunistas-matinal/juremir-machado/juremir-pele-o-papa-e-lula/ 

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