Ruy Castro*
Não há uma data certa para morrer, claro. Mas alguns poderiam ter esperado um pouco
O mundo se comoveu com a tragédia da cineasta ucraniana Halyna Hutchins, morta pelo disparo de uma arma que se supunha cenográfica, no dia 21 último, durante as filmagens de um western. Halyna tinha 42 anos. Ainda estava começando, mas já se falava de seu domínio de diversas disciplinas do cinema: era diretora de fotografia, operadora de câmera e criadora de uma surpreendente luz pessoal. Atuava também como produtora, e seu destino, para todos brilhante, seria a direção. A morte cortou esse destino e Halyna se juntou à galeria de artistas que não souberam o que o futuro lhes reservava.
A escritora inglesa Jane Austen, por exemplo, morreu em 1817, aos 41 anos, sem sequer imaginar que seria tão famosa no século 21 quanto uma cantora pop. O carioca Manuel Antonio de Almeida, que morreu aos 30, em 1864, nunca acreditaria que seu livro "Memórias de um Sargento de Milícias", escrito quando ele tinha 20, se tornaria um dos pilares da literatura brasileira. E Franz Kafka, morto em 1924, aos 40, nem em sonho adivinharia que não apenas sua obra mas seu próprio nome definiria tanta coisa em nosso tempo.
O guitarrista Charlie Christian e o contrabaixista Jimmy Blanton, superjazzistas americanos, e o cantor brasileiro Vassourinha morreram todos de tuberculose e no mesmo ano de 1942, aos respectivamente 25, 23 e 19 anos. Será que acreditariam se lhes dissessem que, no futuro, eles seriam referências em seus estilos? E Newton Mendonça, parceiro de Tom Jobim em "Desafinado" e "Samba de uma Nota Só", morreu em 1960 aos 33 —um ano antes de a bossa nova, que ele ajudara a criar, tomar o mundo.
E James Dean, que morreu em 1955 aos 24, Marilyn Monroe, em 1962, aos 36, e Leila Diniz, em 1972, aos 27? Nunca lhes passou pela cabeça o que James Dean, Marilyn Monroe e Leila Diniz representariam até hoje.
Não há uma data certa para morrer, claro. Mas alguns poderiam ter esperado mais um pouco.
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