A poeta orte-americana Louise Gluck, vencedora do prêmio Nobel de Literatura em 2020 Foto: Daniel Ebersole/Reuters
Nova coletânea da poeta norte-americana capta graciosamente nossa fragilidade
Troy Jollimore* O Estado de S.Paulo
15 de novembro de 2021
Winter Recipes From the Collective, a primeira coleção de poesia de Louise Glück desde que ela ganhou o Prêmio Nobel de literatura, em 2020, parece tanto um fim quanto um começo. Os poemas são elegíacos, meditativos e obcecados pela morte, assombrados por insinuações de mortalidade, por fantasmas que olham para trás com pesar e para frente com trepidação. É um livro do fim da vida, onde a vida em questão pode ser a de qualquer um: da poeta, do leitor, do planeta.
Com apenas 64 páginas, Winter Recipes é um volume esguio e seus poemas, ditos em tons baixos e hesitantes, são delicados e rarefeitos. A impressão que se tem é de fragilidade, de vulnerabilidade: pequenas figuras humanas amontoadas contra uma paisagem fria e vazia. “Para baixo e para baixo e para baixo e para baixo / é para onde o vento está nos levando”, ela escreve no primeiro poema, intitulado simplesmente “Poem”. O que é este “baixo” para onde estamos sendo levados, isto ela não diz; mas as sugestões são abundantes e pouco encorajadoras. O gracioso A Children's Story, ambientado durante um passeio de carro com “todas as princesinhas / chacoalhando no banco de trás”, logo revela a ansiedade e o pressentimento de seu coração:
Quem pode falar do futuro? Ninguém sabe nada sobre o futuro,
nem mesmo os planetas sabem.
Mas as princesas vão ter que morar nele.
Os pais das princesas têm conhecimento, como os pais devem ter; mas o que eles sabem não é como manter suas crianças seguras, nem como confortá-las, mas algo muito mais severo: “O desespero é a verdade. Isso é o que mãe e pai sabem”. O poema termina com “Winter Recipes”, num tom tão reconfortante quanto possível – o que não é muito reconfortante:
... Toda esperança está perdida.
Devemos voltar para onde ela foi perdida.
Será que os leitores devem concluir que existe uma possibilidade concreta de se reencontrar a esperança? Parece improvável. E, se redescobríssemos nossa esperança, mudaria alguma coisa? Como ela escreve em outro lugar, “tudo retorna, mas o que retorna não é / o que foi embora”.
Mesmo o pensamento quase otimista de que “tudo retorna” é contradito em outras partes. No poema título, ouvimos como:
... Alguns anos
o velho não voltaria da floresta, então sua esposa precisaria
de uma nova vida, como auxiliar de enfermagem, ou supervisionando
os jovens que fazem o trabalho pesado...
O que pode parecer promissor dentro de um contexto diferente – a ideia de “uma nova vida” – é revelado como uma questão de necessidade desesperada, uma pessoa desamparada, em busca de algo para preencher o vazio criado pela perda e pelo abandono. Cada final é um novo começo, como diz o clichê consolador. Mas, neste livro, toda menção a novos começos é imediatamente esvaziada de qualquer potencial de esperança.
Embora Winter Recipes from the Collective seja uma leitura desafiadora, é revigorante em sua disposição de confrontar as incertezas e ansiedades desencadeadas por nossa situação atual, em que as previsões de nosso futuro coletivo se alternam entre o aterrorizante e o inescrutável. “‘Alegre’ – aí está uma palavra que não usamos há algum tempo” é o verso que encerra um poema. Ainda assim, ler os novos poemas de Glück é uma experiência alegre, como sempre acontece quando lemos grandes poesias. É uma alegria sombria, sim, mas que parece fiel ao seu momento, uma alegria de que precisamos agora e que os leitores desta coleção desoladamente elegante se descobrirão saboreando. /
TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU.
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*Troy Jollimore acaba de publicar a nova coleção de poesia Earthly Delights.
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