Escritora tinha 61 anos Ulf Andersen/Getty Images
Morreu na tarde deste sábado, vítima de cancro, aos 61 anos, a escritora madrilena Almudena Grandes. Autora do romance As Idades de Lulu, há muito tido como um clássico moderno da literatura erótica, Almudena Grandes empenhou-se nas últimas décadas a escavar a História do franquismo, desenterrando vários episódios desconhecidos, que parecem ter ficado escondidos sob os escombros da guerra.
Morreu na tarde deste sábado, vítima de cancro, aos 61 anos, a escritora madrilena Almudena Grandes, segundo noticiou o diário El País. Formada em História, estreou-se na literatura em 1989 com o romance As Idades de Lulu, há muito tido como um clássico moderno da literatura erótica, um enorme êxito de vendas e da crítica numa sociedade que se queria livrar de vez do moralismo e do cinzentismo franquista — romance adaptado ao cinema por Bigas Luna, em filme homónimo. Outras das suas produções literárias tiveram também adaptação cinematográfica, entre elas o romance Malena es un nombre de tango (original de 1994).
No entanto, há mais de uma década que Almudena Grandes vinha escavando a História do franquismo, desenterrando vários episódios desconhecidos, que parecem ter ficado escondidos sob os escombros da guerra, e dando voz aos perdedores, àqueles que foram propositadamente esquecidos. Partindo da ideia metafórica de que a Guerra Civil de Espanha “não terminou onde parece”, Almudena Grandes — uma das mais reconhecidas escritoras espanholas — foi dissecando acontecimentos que ficaram ocultos pela versão oficial da História espanhola do pós-guerra e do franquismo. Com esse material encontrado, começou a escrever uma série de romances a que chamou “Episódios de Uma Guerra Interminável”, que se iniciou em 2010 com a publicação de Inés y la Alegria, ao qual se seguiram El Lector de Julio Verne (2012), As Tres Bodas de Manolita (2014) e Os Doentes do Doutor García — o único traduzido em português e publicado em 2020 pela Porto Editora. Mais recentemente, foi publicado em Espanha o último desses volumes, La Madre de Frankenstein, que completa uma espécie de fresco histórico sobre a atmosfera de um país em guerra e depois, também, nos tempos do pós-guerra.
Misturando personagens reais e ficcionais, a escritora madrilena foi tecendo uma rede de ligações que ajuda a dissipar as névoas sobre as cicatrizes deixadas pela guerra. Em Os Doentes do Doutor García, por exemplo, Almudena Grandes partiu do facto da existência real de uma rede de evasão de criminosos de guerra nazis em trânsito por Espanha a caminho da Argentina de Perón. A escritora confessou que teve conhecimento desta rede por mero acaso, ao encontrar algures um pequeno livro. A sua curiosidade de historiadora, aliada ao talento dos grandes romancistas para arquitectar uma trama narrativa quase irrepreensível, deram vida literária a esta organização clandestina dirigida sabiamente por uma poderosa mulher de nacionalidades espanhola e alemã, Clara Stauffer, com ligações à elite da ditadura franquista e à elite peronista de Buenos Aires. Durante cerca de uma década foram muitos os nazis ajudados por esta personagem contraditória, que lhes arranjava novas identidades e, em muitos casos, encontrava maneira destes criminosos de guerra nazis recomeçarem a vida em Espanha ou na Argentina. As ligações de Clara Stauffer ao regime de Franco eram óbvias.
Nesta série de romances, Almudena Grandes arquitecta de maneira magistral narrativas complexas que procuram dar voz aos perdedores, aos desesperançados e aos clandestinos republicanos. Como a própria referiu em entrevista ao PÚBLICO no ano passado, com estes romances quis “agradecer o empenho e o heroísmo de umas quantas pessoas a quem o Estado espanhol ainda não agradeceu”.
Fonte: https://www.publico.pt/2021/11/27/culturaipsilon/noticia/morreu-almudena-escritora-deu-voz-derrotados-seculo-xx-espanhol-1986646
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