Ricardo Calleja Rovira*
Ricardo Calleja Rovira · 16 de novembro de 2021 – Foto: DAQUI
Os intelectuais e políticos cristãos se deparam com a opção de se retirar da vida institucional ou travar uma batalha cultural. Ambos, correndo o risco de reduzir o cristianismo a uma identidade ideológica manipulável.
Durante décadas, a maioria dos cristãos – e o magistério dos pastores – aderiram ao grande consenso social sobre a legitimidade das instituições existentes, embora pudessem apontar lacunas.
- Nessa sociedade aberta, os cristãos iriam propor, não impor, suas idéias, assumindo as regras do jogo como uma mais.
- Confiantes na força da verdade e nos canais institucionais do sistema político, aspiravam a convencer com palavra e exemplo.
- Esperavam, portanto, preservar os fundamentos da vida comum, que entendiam não ser uma questão de fé religiosa.
Eles enfrentaram ideologias secularizantes que erodiram esses alicerces:
- a dignidade da pessoa e da família,
- a definição do casamento,
- a dimensão religiosa da pessoa,
- o cuidado dos necessitados, etc.
Mas as condições sob as quais isso foi afirmado mudaram significativamente.
Mesmo correndo o risco de ser drásticos, podemos dizer que
- hoje não nos encontramos mais em um cenário de sociedades fundamentalmente cristãs
- que enfrentam as tensões do processo de secularização por meio das regras do jogo do liberalismo político.
Estamos cada vez mais em sociedades pós-cristãs, pós-seculares e pós-liberais.
A sociedade de hoje
Pós-cristãos
porque novos princípios de justiça emergem que não são mais “virtudes cristãs enlouquecidas”, como disse Chesterton.
Refiro-me, por exemplo,
- à negação da singularidade da espécie humana,
- da dignidade do indivíduo,
- da racionalidade como norma dos debates,
- da presunção de inocência, etc.
Pós-secular
porque o resultado do progressivo desaparecimento do Cristianismo
- não é uma sociedade menos religiosa em geral,
- mas a substituição do Cristianismo por novas religiões civis.
Refiro-me a fenômenos ideológicos ligados à política de identidade, ambientalismo radical, animalismo, etc.
Não se trata de idéias alternativas dentro do espectro de opções livres em uma sociedade,
- mas sobre a pretensão de mudar os princípios da vida comum em suas raízes.
- Que se expressem também não de forma discursiva, mas principalmente identitária, afetiva e coletiva, e quase diríamos sacramentais.
Uma nova religião – ou conjunto de religiões – que destrói os ídolos e estátuas da anterior e estabelece novos tabus.
Pós-liberal
porque desaparece
- o consenso sobre as instituições comuns,
- a aspiração a uma sociedade de indivíduos livres e iguais,
- a importância de respeitar as regras institucionais do jogo com a sua alternância de poder e uma relativa neutralidade do espaço público,
- e a coesão do classes médias prósperas.
Estamos testemunhando tentativas
- de ocupação das instituições com desejo hegemônico,
- e a fragmentação emotivista da opinião pública,
- que reduz os lugares comuns para o encontro.
Surgem formas não liberais de democracia –plebiscitaria, caudillista, identitaria– e cresce a simpatia por regimes mais próximos do autoritarismo tecnocrático.
A atitude do cristão
Diante desses cenários, a síntese mencionada no início não vale mais como uma possibilidade realista de ação social e política, por mais que se arrependa ou sinta falta dela.
- A assimilação acrítica de um contexto cada vez mais distante do Cristianismo não parece uma opção válida ou atraente.
- O compromisso meramente perito com as instituições – irrepreensível em si mesmo – não é suficiente para contribuir efetivamente para o reforço dos alicerces da vida política, permanentemente atacada.
- Mesmo o liberalismo mais clássico e racional parece não ter atração eleitoral nem vontade de defender alguns valores substantivos fundamentais da perspectiva cristã.
Em ambientes intelectuais e políticos cristãos, surgem mais opções de identidade.
- Alguns promovem uma “retirada” da vida política institucional, devido à sua força corruptora de caráter individual e debate público.
- Outros, no entanto, assumem a posição conflituosa e se preparam para dar a batalha cultural a partir das instituições.
Em ambos os casos,
- com o risco de reduzir o cristianismo a uma identidade ideológica ou cultural manipulável e, em última instância, vazia.
- E com a perplexidade de ter que renunciar às regras mais ou menos civilizadas de comportamento da política democrática a que estávamos acostumados.
Porque a forma de estar presente no espaço público como minoria hostilizada já não é a cordialidade nem o simples exercício discreto dos próprios direitos e deveres.
Muitos cristãos pensam que devem fazer sua voz ser ouvida
- mesmo que soe estridente,
- mesmo que os enrede em seu ambiente social e gere conflito na esfera pública.
E sempre há a tentação de se tornar intolerante interiormente com aqueles que não lutam as batalhas como pensamos que deveriam. Ou simplesmente com aqueles que os lutam, se se pensa que o confronto deve ser evitado acima de tudo.
Como escreveu Nietzsche, quem luta contra um monstro deve ter cuidado para não se transformar em outro monstro.
Onde é o limite?
- Isso está promovendo a amizade social e o bem comum, como proposto pelo Papa Francisco, e toda a tradição clássica da política?
- E, ao mesmo tempo, o confronto cívico não é uma forma de encontro mais sincera do que o diálogo dos surdos ou o silêncio dos cordeiros?
Ricardo Calleja Rovira
*Professor de Ética Empresarial e Negociação na IESE Business School. Doutor em Direito pela Universidade Complutense de Madrid.
Fontes: https://omnesmag.com/actualidad/la-sociedad-hoy-postcristiana-postsecular-y-postliberal/
http://www.padrescasados.org/archives/104388/sociedade-hoje-pos-cristao-pos-secular-e-pos-liberal/?utm_source=feedburner&utm_medium=email
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