Frei Betto*
Jesus militante – evangelho e projeto político do reino de deus
(Editora Vozes) me consumiu vários anos de pesquisas e leituras. É
uma análise detalhada do Evangelho de Marcos, o primeiro a ser
escrito, e no qual se inspiraram os evangelistas Mateus e Lucas.
Escrito
em linguagem acessível, e até mesmo didática, tratei de evitar o
“teologuês”, de modo que os leitores possam entender o que, de
fato, Jesus veio nos propor.
Já no catecismo aprendemos que a
palavra Evangelho significa Boa Nova. Mas que Boa Nova Jesus veio
nos anunciar? Uma nova religião que, inspirada em seu testemunho,
ficou conhecida como Cristianismo? Uma nova instituição
religiosa chamada Igreja?
Jesus não teve a pretensão de
fundar nada. Quis apenas nos transmitir que Deus nos criou, como
registra o Gênesis, para vivermos em um paraíso. Se o projeto de
Deus para a história humana foi subvertido pelo abuso de nossa
liberdade – inclusive de rejeitar a proposta divina – uma
segunda oportunidade Deus nos ofereceu ao se fazer presente entre
nós na pessoa de Jesus.
Portanto, Jesus veio nos trazer uma
nova proposta civilizatória, política, resumida na expressão
Reino de Deus. Aliás, esta expressão aparece 122 vezes nos quatro
evangelhos. E o vocábulo Igreja apenas duas vezes, e assim mesmo em
um único evangelho, no de Mateus. Contudo, muito falamos de Igreja e
pouco de Reino. Isso se explica por duas razões: a tradição cristã
cometeu o equívoco de situar o Reino de Deus nas esferas
celestiais, quando na proposta de Jesus figura em nosso horizonte
histórico. E pelo fato de hoje em dia termos raros reinos, muitos
deles meramente decorativos.
Ora, por que Jesus – tão
amoroso e misericordioso – morreu cruelmente assassinado na
cruz, a pena de morte dos romanos que ocupavam a Palestina no
século I? Por razões óbvias: ele ousou, dentro do reino de César,
anunciar um outro reino possível, o de Deus. Por isso o condenaram
como subversivo. Assim, todos nós cristãos somos discípulos de um
prisioneiro político.
A proposta civilizatória de
Jesus se baseia em dois pilares – é o que ressalta o Evangelho de
Marcos: nas relações pessoais, o amor, incluído o perdão; nas
relações sociais, a partilha dos bens da Terra e dos frutos do
trabalho humano. Portanto, a Igreja deveria ser o Movimento de
Jesus, ou seja, o movimento que congrega seus discípulos dispostos
a abraçar o exemplo de sua militância para instaurar, na história, o
projeto político do Reino de Deus, no qual não haveria opressões e
exclusões, nem devastação da natureza.
Este é o conteúdo de Jesus Militante,
no qual analiso os diferentes trechos de cada um dos capítulos do
Evangelho de Marcos. O modo como Jesus rompeu com a religião
esclerosada e fundamentalista do templo de Jerusalém; sua
radical opção pelos pobres; suas críticas às injustiças sociais;
seu repúdio à ocupação romana da Palestina.
Tudo
isso reforça a certeza de que, em se tratando de Jesus, estamos
diante de um paradigmático militante político em uma época em
que ainda não havia discernimento entre religião e política, pois
quem detinha o poder religioso tinha também o poder político e
vice-versa.
Espero que a leitura de Jesus Militante
nos faça compreender o caráter revolucionário da proposta de
Jesus, e de como devemos dar continuidade à sua militância,
imbuídos do propósito, não de ter fé em Jesus, mas de ter a fé de
Jesus.
*Frade dominicano. Escritor. Assessor de Movimentos Populares.
Fonte:
https://correiocidadania.com.br/2-uncategorised/15177-evangelho-uma-proposta-politica
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