quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Evangelho, uma proposta política

Frei Betto*

Jesus militante: Evangelho e projeto político no Reino de Deus eBook : Betto,  Frei: Amazon.com.br: Livros 

Jesus mi­li­tante – evan­gelho e pro­jeto po­lí­tico do reino de deus (Edi­tora Vozes) me con­sumiu vá­rios anos de pes­quisas e lei­turas. É uma aná­lise de­ta­lhada do Evan­gelho de Marcos, o pri­meiro a ser es­crito, e no qual se ins­pi­raram os evan­ge­listas Ma­teus e Lucas.

Es­crito em lin­guagem aces­sível, e até mesmo di­dá­tica, tratei de evitar o “te­o­lo­guês”, de modo que os lei­tores possam en­tender o que, de fato, Jesus veio nos propor.

Já no ca­te­cismo apren­demos que a pa­lavra Evan­gelho sig­ni­fica Boa Nova. Mas que Boa Nova Jesus veio nos anun­ciar? Uma nova re­li­gião que, ins­pi­rada em seu tes­te­munho, ficou co­nhe­cida como Cris­ti­a­nismo? Uma nova ins­ti­tuição re­li­giosa cha­mada Igreja?

Jesus não teve a pre­tensão de fundar nada. Quis apenas nos trans­mitir que Deus nos criou, como re­gistra o Gê­nesis, para vi­vermos em um pa­raíso. Se o pro­jeto de Deus para a his­tória hu­mana foi sub­ver­tido pelo abuso de nossa li­ber­dade – in­clu­sive de re­jeitar a pro­posta di­vina – uma se­gunda opor­tu­ni­dade Deus nos ofe­receu ao se fazer pre­sente entre nós na pessoa de Jesus.

Por­tanto, Jesus veio nos trazer uma nova pro­posta ci­vi­li­za­tória, po­lí­tica, re­su­mida na ex­pressão Reino de Deus. Aliás, esta ex­pressão apa­rece 122 vezes nos quatro evan­ge­lhos. E o vo­cá­bulo Igreja apenas duas vezes, e assim mesmo em um único evan­gelho, no de Ma­teus. Con­tudo, muito fa­lamos de Igreja e pouco de Reino. Isso se ex­plica por duas ra­zões: a tra­dição cristã co­meteu o equí­voco de si­tuar o Reino de Deus nas es­feras ce­les­tiais, quando na pro­posta de Jesus fi­gura em nosso ho­ri­zonte his­tó­rico. E pelo fato de hoje em dia termos raros reinos, muitos deles me­ra­mente de­co­ra­tivos.

Ora, por que Jesus – tão amo­roso e mi­se­ri­cor­dioso – morreu cru­el­mente as­sas­si­nado na cruz, a pena de morte dos ro­manos que ocu­pavam a Pa­les­tina no sé­culo I? Por ra­zões ób­vias: ele ousou, dentro do reino de César, anun­ciar um outro reino pos­sível, o de Deus. Por isso o con­de­naram como sub­ver­sivo. Assim, todos nós cris­tãos somos dis­cí­pulos de um pri­si­o­neiro po­lí­tico.

A pro­posta ci­vi­li­za­tória de Jesus se ba­seia em dois pi­lares – é o que res­salta o Evan­gelho de Marcos: nas re­la­ções pes­soais, o amor, in­cluído o perdão; nas re­la­ções so­ciais, a par­tilha dos bens da Terra e dos frutos do tra­balho hu­mano. Por­tanto, a Igreja de­veria ser o Mo­vi­mento de Jesus, ou seja, o mo­vi­mento que con­grega seus dis­cí­pulos dis­postos a abraçar o exemplo de sua mi­li­tância para ins­taurar, na his­tória, o pro­jeto po­lí­tico do Reino de Deus, no qual não ha­veria opres­sões e ex­clu­sões, nem de­vas­tação da na­tu­reza.

Este é o con­teúdo de Jesus Mi­li­tante, no qual ana­liso os di­fe­rentes tre­chos de cada um dos ca­pí­tulos do Evan­gelho de Marcos. O modo como Jesus rompeu com a re­li­gião es­cle­ro­sada e fun­da­men­ta­lista do templo de Je­ru­salém; sua ra­dical opção pelos po­bres; suas crí­ticas às in­jus­tiças so­ciais; seu re­púdio à ocu­pação ro­mana da Pa­les­tina.

Tudo isso re­força a cer­teza de que, em se tra­tando de Jesus, es­tamos di­ante de um pa­ra­dig­má­tico mi­li­tante po­lí­tico em uma época em que ainda não havia dis­cer­ni­mento entre re­li­gião e po­lí­tica, pois quem de­tinha o poder re­li­gioso tinha também o poder po­lí­tico e vice-versa.

Es­pero que a lei­tura de Jesus Mi­li­tante nos faça com­pre­ender o ca­ráter re­vo­lu­ci­o­nário da pro­posta de Jesus, e de como de­vemos dar con­ti­nui­dade à sua mi­li­tância, im­buídos do pro­pó­sito, não de ter fé em Jesus, mas de ter a fé de Jesus. 

*Frade dominicano. Escritor. Assessor de Movimentos Populares. 

Fonte:

https://correiocidadania.com.br/2-uncategorised/15177-evangelho-uma-proposta-politica


Assessor de movimentos sociais. Autor de 53 livros, editados no Brasil e no exterior, ganhou por duas vezes o prêmio Jabuti (1982, com "Batismo de Sangue", e 2005, com "Típicos Tipos")

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