Entre a miríade de categorias que se sentem ofendidas por razões de gênero ou etnia ou por alguma cicatriz histórica a desenterrar, sente-se a falta dos ateus e dos agnósticos estadunidenses (certamente haverá algum, além de Woody Allen). Falando em violação dos direitos da pessoa, qual é mais macroscópica, e qual é mais atual do que a decisão de vários estados republicanos, sendo o último o Texas, de pendurar nas escolas o cartaz “Cremos em Deus”? E quem não acredita o que pode fazer, ficar calado e envergonhado, sentir-se indigno da comunidade, buscar refúgio na Europa, aceitar a exclusão de cabeça baixa, como se fosse uma grave culpa?
O comentário é do jornalista, escritor e roteirista italiano Michele Serra, publicado por La Repubblica, 24-08-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
A desculpa formal é que "In God we trust" é o lema nacional, de forma que o arrogante fundamentalismo neocristão que está colocando de joelhos a chamada "primeira democracia do mundo" pode cavalgar o equívoco nacionalista para justificar tamanha obtusa violação dos direitos dos não-crentes de se sentirem, com igual dignidade, cidadãos americanos.
Mas é, justamente, uma desculpa, tão válida quanto Salvini que participa de comícios com o rosário na mão, é a política em estado puro, submissão ideológica na forma odiosa do conformismo religioso que se impõe como Verdade comunitária, e até mesmo como Verdade estatal.
Ficamos extremamente irritados, e com razão, com o Patriarca Kirill e com as teocracias islâmicas, mas o que dizer dos sete estados da "primeira democracia do mundo" que colocam a fé cristã como condição identitária da sociedade?
E, portanto, quando terá um #MeToo daqueles que se sentem violados, profundamente, pelo fanatismo neocristão que considera a existência de Deus (o seu, obviamente) uma obrigação pública?
* Jornalista, escritor e roteirista italiano
Fonte: https://www.ihu.unisinos.br/621585-os-imas-estadunidenses
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