terça-feira, 9 de agosto de 2022

NINGUÉM MAIS VÊ TV

 FÁBIO BERNARDI*

"Ninguém mais vê TV, está todo mundo no streaming". Quantas vezes você já ouviu essa frase nos últimos tempos? Quando alguém me diz isso, e muitos me dizem, a primeira coisa que eu respondo é: "Ah é? Sabe onde os streamings estão buscando seus clientes? Em comerciais de TV". Amazon está patrocinando o futebol da Globo e colocando trailers de suas séries como comerciais de TV. Netflix, Globoplay, Star+ e Disney estão fazendo a mesma coisa. Enquanto os clientes ditos "tradicionais" compram essa tese gato por lebre, os digitais estão surfando na mídia dita "tradicional" - vide também Mercado Livre, IFood, Uber e outros, que sequer existem como negócio fora do mundo online.

É claro que a mídia mudou muito e o consumo dos meios também vai continuar mudando, assim como a tecnologia - olha o 5G chegando aí. Mas o poder da história não mudou e não vai mudar: continua na força de uma boa conversa, adaptando a linguagem para cada público e cada meio. Nunca foi possível obrigar ninguém a assistir a um comercial de TV, as pessoas sempre tiveram o controle remoto na mão. O que ficou mais fácil agora é, de um lado, ignorar e, de outro, reclamar, contestar, espalhar pro mundo - seja algo bom ou ruim. Propaganda sempre foi propagar, e isso pode, e deve, ser feito em vários ambientes e de várias formas, sem dogmas, tabus, pré-conceitos ou verdades enlatadas. É preciso ter boas histórias para participar das conversas - ninguém aguenta conversa chata. Mas conversa não é sempre dizer as mesmas coisas, é dizer coisas novas, sempre com a mesma voz e a mesma personalidade. O que ficou questionável, com a fragmentação da mídia e com o novo consumo, é a frequência no mesmo canal. Quase sempre isso não basta mais para se manter a conversa e a interação.

Quando o digital começou, o que mais se ouvia era que estava chegando o fim da interrupção, que ninguém ia suportar mais ter seu programa de TV interrompido por comerciais. Hoje qualquer vídeo no YouTube é interrompido no meio, às vezes duas vezes, sem falar no pedágio no início para se começar a ver. Enquanto isso, a TV anuncia mídia programática e saltos de tecnologia e interação com o telespectador. Quando a campanha de Obama revolucionou as campanhas políticas e ganhou até Grand Prix em Cannes, o grande argumento era sua interação com a comunidade digital, inclusive pelo enorme volume de recursos que captou pela internet. Mas o que a campanha fez com os milhões de dólares arrecadados digitalmente? Investiu em comerciais de TV.

Se é para ouvir alguém sobre o consumo atual de mídia, ouça Augusto Comte, que lá no século 19 já dizia: "tudo é relativo e isso é a única coisa absoluta".

 
Fonte:  https://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=58d4dbd9ee6408e81910daa7bde636d3 - Imagem da Internet

Nenhum comentário:

Postar um comentário