sábado, 13 de agosto de 2022

Por que falar de futuro olhando para o ano de 2030

Imagem de cima, de um parque gramado, onde cerca de mil pessoas formam o ano 2030. O primeiro zero forma um círculo maior  

 Foto: Luke MacGregor/Reuters Manifestantes em Londres, 
em 4 de dezembro de 2010, num protesto pedindo
 a neutralidade de carbono no Reino Unido até 2030
 

Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e Acordo de Paris consideram década atual decisiva para enfrentar desafios, da redução da pobreza à crise do clima. E avanços mundiais dependem do Brasil

O ano de 2030 figura como prazo no horizonte de grandes mobilizações globais, como os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, assinados pelos países-membros das Nações Unidas, e metas de cortes de emissões estabelecidas no Acordo de Paris, a fim de frear as mudanças climáticas em curso.

A pandemia de covid-19, que a partir de março de 2020 desencadeou uma série de outras crises, impôs uma situação ainda mais desafiadora, uma realidade que faz da década atual um momento-chave para se pensar o futuro do Brasil e do mundo.

É por isso que a Ponto Futuro, nova editoria do Nexo voltada a pensar em soluções a partir de cinco temas – Amazônia, ciência, clima, gestão pública e infância –, coloca o ano de 2030 como norte.

Este texto explica como o ano aparece em acordos globais importantes e qual o desempenho do Brasil neles.

Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

Um acordo firmado em 2015 pelos 193 países-membros da ONU (Organização das Nações Unidas) estabeleceu 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável voltados a grandes desafios globais. Eles abarcam temas como:

  • erradicação da pobreza e da fome
  • redução da desigualdade
  • acesso à educação e oportunidades de aprendizado
  • combate à mudança climática
  • promoção da igualdade de gênero
  • acesso à Justiça e promoção da paz
  • preservação de ecossistemas

O acordo ganhou o nome de Agenda 2030, por colocar o ano como prazo para o cumprimento das metas.

A Agenda 2030 busca “equilibrar as três dimensões do desenvolvimento sustentável: a econômica, a social e a ambiental” e desmembra os 17 objetivos maiores em 169 metas mais específicas, para que sirvam de diretrizes para governos, empresas e iniciativas da sociedade civil em todo o mundo.

A “a erradicação da pobreza em todas as suas formas” é colocada como “o maior desafio global” até 2030. Entre as metas associadas ao objetivo, por exemplo, está reduzir pela metade a proporção de pessoas que vivem na pobreza em cada um dos países.

O cumprimento das metas associadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável é monitorado por meio de indicadores globais definidos por um grupo de peritos. Anualmente, países-membros da ONU apresentam relatórios de progresso – essa apresentação, porém, é voluntária.

O desempenho do Brasil

A nível federal, a implementação de ações no âmbito dos objetivos foi gerenciada a princípio por uma comissão nacional, criada em 2016 pelo então presidente Michel Temer. Esse grupo foi extinto em 2019 pelo presidente Jair Bolsonaro, e suas atribuições foram transferidas para a Secretaria de Governo da Presidência da República. O país não apresenta os dados sobre o cumprimento das metas para a ONU desde 2017, quando enviou um relatório voluntário.

“Quando o Brasil extingue a Comissão e não reporta mais os dados, está sinalizando que não está alinhado com essa agenda”, disse Jorge Abrahão, coordenador geral do Instituto Cidades Sustentáveis, ao Nexo. “Os temas centrais dessa agenda não têm tido atenção do governo”.

Organizações da sociedade civil continuam a monitorar o andamento das metas. Em julho de 2022, o Instituto Cidades Sustentáveis lançou uma ferramenta que avalia a evolução dos objetivos em cada um dos 5.570 municípios brasileiros. O índice confere uma nota geral de zero a 100 às cidades de acordo com o nível de cumprimento das metas.

Os resultados mostram que nenhuma cidade atingiu nível muito alto de desenvolvimento. Todos os dez municípios de melhor pontuação são do estado de São Paulo, enquanto as cidades menos sustentáveis estão concentradas nas regiões Norte e Nordeste, em especial na região amazônica. A melhor nota geral é de São Caetano do Sul, na região metropolitana de São Paulo, com 65,62.

A nível nacional, a implementação das metas é acompanhada desde 2017 pelo Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030, uma coalizão que reúne cerca de 60 organizações e institutos de pesquisa.

O relatório anual mais recente, divulgado em 30 de junho de 2022, alerta para um quadro de retrocesso na ampla maioria das metas nacionais, agravado pelos impactos da pandemia de covid-19. Segundo o relatório, das 168 metas aplicáveis ao Brasil, só uma teve progresso satisfatório. Ela está relacionada à criação de uma rede de detecção de espécies invasoras em ecossistemas terrestres e aquáticos.

110

é o número de metas em retrocesso

As outras se dividem entre ter progresso insatisfatório, estagnação e a falta de dados, por exemplo. A apresentação do relatório destaca que o aumento da fome no país representa “retrocesso total” frente ao objetivo número dois da ONU, que prevê a erradicação da fome e de todas as formas de desnutrição até 2030.

Jorge Abrahão considera que a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável precisa ser vista como uma questão de Estado, que se mantenha constante independentemente da alternância de governos. “É respeitar a ciência, pegar os dados do país e criar políticas que avancem na direção do compromisso que se estabeleceu com a Agenda 2030”, disse ao Nexo.

A reversão do quadro de retrocessos também passa pela ampliação da transparência do governo e da participação da sociedade civil, de acordo com ele. “Quando a gente tem espaços como conselhos municipais, estaduais e federais, é mais fácil de as pessoas se colocarem dentro desse processo participativo. Isso foi cortado pelo governo Bolsonaro”, afirmou.

As pessoas ainda podem contribuir com a Agenda 2030, envolvendo-se em iniciativas e ativismos locais voltados a temas específicos, como meio ambiente ou educação. Mas sem um estímulo do governo, o país passa a depender do “voluntarismo” da população, disse Abrahão.

Uma iniciativa que reúne exemplos de projetos que avançam as metas é o Prêmio ODS Brasil, que teve sua primeira edição em 2018. O concurso é usado para alimentar um “banco de práticas exitosas” implementadas por governos, organizações com e sem fins lucrativos e instituições de ensino e pesquisa. Há reunidos lá desde um programa de agricultura urbana da prefeitura de Curitiba a uma iniciativa de capacitação de mulheres para o empreendedorismo do Itaú Unibanco.

Acordo de Paris e clima

O ano de 2030 também aparece nas metas do Acordo de Paris, tratado universal de combate à mudança climática, assinado por 195 países em 2015.

Nele, os países signatários se comprometeram a se esforçar para frear o aumento das temperaturas a menos de 2ºC até 2100 – mas, idealmente, limitar esse aumento a 1,5ºC. Isso deve ser feito com a redução de emissões de gases que causam o efeito estufa, como o CO2. Para isso, são necessárias medidas como a diminuição do uso de combustíveis fósseis, redução do desmatamento, entre outras.

Para impedir um aquecimento de 1,5ºC, as emissões globais de gases do efeito estufa precisam cair praticamente pela metade até 2030, segundo o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), grupo ligado à ONU e considerado a principal autoridade científica sobre o tema. O recado do consórcio de cientistas é que a janela para fazer isso está se fechando.

1,09ºC

foi quanto a temperatura média global já aumentou em relação ao período pré-industrial, segundo relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) de 2021

Sem mudanças nas ações dos países para cortar emissões, o cenário atual pode levar o planeta a um aquecimento de 2,8°C até 2100, segundo relatório do IPCC de abril de 2022.

Esse nível de aquecimento aumentaria a frequência e intensidade de eventos climáticos extremos no mundo. No Brasil, o IPCC prevê mais temporais no Sudeste e no Sul e aumento da seca no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O quadro pode comprometer a atividade agropecuária e o sistema elétrico do país, que depende de hidrelétricas, com potenciais efeitos como o aumento da fome devido a perdas na produção de alimentos e inflação mais alta.

O desempenho do Brasil

No âmbito do Acordo de Paris, em 2015, todos os países tiveram que criar metas nacionais de corte de emissões, as chamadas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas). Essas metas são voluntárias, não obrigatórias. Apesar disso, devem ser revistas a cada cinco anos, e após cada revisão os países devem propor compromissos mais ambiciosos.

O governo brasileiro submeteu à ONU em abril de 2022 uma nova atualização de sua NDC. No documento, o país prevê reduzir suas emissões de gases de efeito estufa em 37% em 2025 e em 50% em 2030. Os percentuais são em relação às emissões de 2005.

Apesar de manter porcentagens significativas, uma mudança no cálculo da base permitiu ao governo deixar na meta um patamar bruto de emissões mais elevado do que o proposto pelo país em 2016, quando elaborou a primeira versão do documento. Ou seja, organizações ambientais apontam que, na prática, o país apresentou uma meta menos ambiciosa, numa espécie de “pedalada climática” que vai contra os termos do Acordo de Paris.

Isso torna ainda mais urgente repensar o papel do Brasil no combate à mudança climática. A década entre 2020 e 2030 é “estratégica para a consolidação de visão e das principais rotas de descarbonização e adaptação dos países”, segundo a Iniciativa Clima e Desenvolvimento: Visões para o Brasil 2030, formada pelo Instituto Clima e Sociedade, pelo Centro Clima da UFRJ e pelo Instituto Talanoa.

O grupo contou com a participação de mais de 300 representantes de organizações do setor privado, sociedade civil e da política para formular cenários para o Brasil incluir os cortes de emissões de gases de efeito estufa acordados nas metas nacionais na sua agenda de desenvolvimento.

A presidente do Instituto Talanoa, Natalie Unterstell, explica ao Nexo que a iniciativa organizou três grandes eixos para conseguir isso. O primeiro é reduzir drasticamente o desmatamento, não só da Amazônia mas em todos os biomas brasileiros. “Para isso é preciso um choque de curto prazo, com a revitalização das estruturas de fiscalização” que passaram por um processo de desmonte no governo Bolsonaro.

O segundo eixo é “completar a transição energética” em vários setores. A matriz elétrica, que já é primordialmente hidrelétrica, recentemente foi alvo de medidas que “andam para trás”, na visão de Unterstell, como a obrigatoriedade do uso de usinas termelétricas, mais caras e poluentes, incluída na aprovação da privatização da Eletrobras.

Mas ela diz que é preciso ir além e começar a pensar em áreas que não recebem tanta atenção no Brasil, como o transporte. “Existem oportunidades em todos os setores, do saneamento à rede elétrica”, disse Unterstell. A iniciativa propõe um mercado doméstico de carbono para “forçar a eficiência dos setores”.

O terceiro eixo delineado, com impacto menor mas relevante, é a restauração florestal – ou seja, recompor florestas, que funcionam como captadoras de carbono da atmosfera.

As ideias da Iniciativa Clima e Desenvolvimento foram apresentadas na COP26, a Conferência do Clima da ONU realizada em 2021 em Glasgow, na Escócia, e agora estão sendo propostas para campanhas eleitorais. Unterstell reforça que falar de 2030 é, na verdade, falar do que precisa ser feito até lá. “Não tem sucesso em 2030 se não fizer a lição de casa para 2030”, disse ao Nexo

Fonte:  https://www.nexojornal.com.br/expresso/2022/08/13/Por-que-falar-de-futuro-olhando-para-o-ano-de-2030

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