O que mais me espantou na recente viagem de Tucker Carlson à Rússia não foi a sua entrevista obsequiosa com Vladimir Putin, mas o facto de, dias depois, ter exaltado o quão maravilhosa é a cidade de Moscovo. Mas, claro está, ele foi convidado especial do país que inventou as aldeias Potemkin (mesmo que a história original seja duvidosa), imagino que tenha sido bastante fácil garantir que apenas via os elementos mais agradáveis.
Imagine, por exemplo, que convidava pessoas a visitar Nova Iorque e se certificava de que tudo o que estas viam era o Upper East Side (a zona nordeste mais rica), perto do Metropolitan Museum of Art. Os seus convidados ficariam com a impressão de que Nova Iorque é uma cidade bastante limpa e elegante.
A verdade é que, embora algumas zonas de Moscovo ofereçam a um pequeno grupo de elite um estilo de vida opulento, a Rússia, como um todo, é um país bastante degradado. Cerca de um quinto das casas nem sequer tem uma casa de banho interior. Para muitos russos, a vida é pobre, sórdida, dura e curta: a esperança de vida é substancialmente inferior à dos Estados Unidos, ainda que a esperança de vida americana tenha diminuído e esteja aquém da de outros países avançados.
Ao mesmo tempo que elogiava Moscovo, Carlson difamava as cidades americanas, especialmente Nova Iorque, afirmando que “não se pode usar o metro” porque “é demasiado perigoso”. É um facto que alguns nova-iorquinos têm medo de andar de metro. No entanto, antes da pandemia, este modo de transporte contava com cerca de 1,7 mil milhões de passageiros por ano - sim, eu ando sempre de metro - e o número de passageiros, embora ainda afetado pelo aumento do teletrabalho, tem vindo a recuperar rapidamente.
Naturalmente, é possível que Carlson nunca tenha andado de metro em Nova Iorque ou que, pelo menos, não ande desde os tempos em que Nova Iorque registava seis vezes mais homicídios por ano do que nos dias de hoje. Neste aspeto, Carlson equipara-se a Donald Trump, que decerto não viaja em voos comerciais há décadas e que, no outro dia, afirmou que os aeroportos americanos - que têm filas de espera desagradavelmente longas na zona da segurança, mas que oferecem muitas mais amenidades do que antigamente - nos equiparam a uma “nação de terceiro mundo”.
E embora as estações de metro de Nova Iorque não possuam lustres como as de Moscovo e, por vezes, tenham ratos, o sistema cumpre a sua função e desempenha um papel extremamente positivo na vida da cidade.
Porém, a crença da direita política de que Nova Iorque é um inferno urbano mantém-se inabalável - apenas 22% dos republicanos consideram a cidade um local seguro para viver ou visitar - apesar de ser uma das cidades mais seguras da América.
De um modo geral, verifica-se um desfasamento notável entre as perceções dos americanos sobre a criminalidade no local onde vivem - relativamente poucos, independentemente da sua ideologia política, consideram-na um problema grave - e a sua apreciação bastante mais pessimista da nação como um todo. Este desfasamento é visível em ambos os partidos, mas é muito mais acentuado no caso dos republicanos.
Esta situação está associada a um fenómeno ainda mais amplo. A América tornou-se um país em que, para muitas pessoas, especialmente, mas não só, da direita política, crer é ver. A perceção da população sobre questões como a imigração, a criminalidade e o estado da economia é determinada pelas posições políticas, e não o contrário.
Referindo-me a um tema ao qual, como é evidente, dediquei muito tempo: durante os anos da presidência de Biden, a maioria das medidas relativas ao sentimento do consumidor foram muito mais modestas do que seria de esperar, tendo em conta as medidas padrão para o desempenho da economia. Tal ainda se verifica, apesar de o sentimento ter crescido substancialmente nos últimos meses. Existe praticamente todo um género de análise dedicado a argumentar que as pessoas têm razão em sentir-se infelizes com a economia por causa de um determinado motivo.
Por isso, eis uma dica útil: ignore qualquer pessoa que diga que os americanos estão insatisfeitos com o desempenho da economia, dado que a realidade é que quem não está satisfeito com a economia são os republicanos.
Escrevi sobre este assunto na semana passada, mas permitam-me que retome a questão utilizando dados ligeiramente diferentes. O inquérito da Universidade de Michigan aos consumidores (MCSI), que é amplamente citado, fornece dados sobre o sentimento dos mesmos, discriminado por afiliação partidária, embora apenas tenha assumido uma periodicidade mensal a partir de 2017. Prefiro centrar-me no índice das condições económicas atuais, uma vez que as pessoas poderão, legitimamente, ter expectativas diferentes, dependendo de quem está no comando.
Os democratas parecem considerar que o estado atual da economia é tão bom como o registado no final de 2019, o que é de esperar, uma vez que a taxa de desemprego é praticamente a mesma e a inflação é apenas ligeiramente superior. Contudo, os republicanos passaram de um estado de euforia em relação à situação económica vivida sob a presidência de Trump para uma perspetiva bastante negativa da mesma, no contexto da presidência de Joe Biden.
Então e os independentes? Não importa: a maioria tende para um partido ou para outro e assumem um comportamento partidário.
Esta comparação não comprova que as perceções negativas sobre a economia estão estritamente associadas ao partidarismo - talvez a situação esteja realmente complicada e o partidarismo democrata esteja a manter os números elevados - embora os democratas não pareçam sofrer as mesmas alterações de humor que os republicanos experienciam quando a Casa Branca muda de mãos. No entanto, qualquer debate sobre o sentimento económico que não tenha em conta o partidarismo está, no mínimo, a descurar uma parte fundamental da história.
Tal como escrevi na semana passada, a noção de -crer é ver” que rege a opinião pública pode significar que as perceções sobre a economia, e talvez sobre a criminalidade, não terão grande importância nas eleições deste ano: os americanos que acreditam que a situação atual do país está crítica, provavelmente não teriam votado nos democratas, independentemente de tudo. Porém, pensando a longo prazo, como é que vamos funcionar enquanto país quando um grande número de pessoas simplesmente vê uma realidade diferente da nossa?
* Colunista do New York Times, professor da Universidade da Cidade de Nova Iorque e Prémio Nobel da Economia.
Este artigo foi publicado originalmente no The New York Times
c.2024 The New York Times Company - Imagem da Internet
Fonte: https://www.dn.pt/1970269493/crer-e-ver/
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