quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Os impactos de não estudar e não exercer atividade remunerada na juventude brasileira

Bruno Kawaoka Komatsu e Ana Diniz

 https://nexo-uploads-beta.s3.amazonaws.com/wp-content/uploads/images/2024/01/09133121/2014-06-19T120000Z_1643507877_GM1EA6K0JY601_RTRMADP_3_BRAZIL-WORLDCUP-1138x344.jpgFOTO:LEONHARD FOEGER/REUTERS

Há espaço para políticas que visam aumentar a participação dos jovens nem-nem no mercado de trabalho ou reduzir o abandono escolar, especialmente durante o ensino médio

Os chamados jovens nem-nem são aqueles que não estudam e não exercem atividade remunerada ou, em alguns estudos, aqueles que não estudam, não exercem e nem procuram trabalho remunerado. Os nem-nem são alvo constante de preocupação no debate público por enfrentarem maior vulnerabilidade. Além disso, quem não está estudando ou trabalhando hoje também não está aumentando suas habilidades e conhecimentos para serem aplicados no mercado de trabalho e, no futuro, pode contribuir menos para a economia e demandar mais apoio de políticas sociais. Essa vulnerabilidade pode, ainda, passar à próxima geração. Quais são as consequências da condição nem-nem para os próprios jovens e para o Brasil?

Segundo dados do IBGE, 22% dos jovens entre 15 e 29 anos não estudavam e não exerciam atividade remunerada no Brasil em 2022. Apesar de essa proporção estar diminuindo desde 2020, ela tem oscilado em torno do mesmo patamar na última década, o que significa que esse é um fenômeno persistente e não se deve unicamente a eventos transitórios como recessões econômicas.

Nem todos os 10,9 milhões jovens nem-nem continuarão nessa situação até perderem sua capacidade laboral devido à idade. Cerca de um terço deles já está procurando trabalho, enquanto outros 8% estão estudando fora da educação formal (incluindo, entre outros, cursos pré-vestibular ou de qualificação profissional).

Políticas de permanência na escola, mecanismos facilitadores da transição escola-trabalho e incentivos para contratação de jovens ao primeiro emprego podem atenuar fatores que levam os jovens a se tornarem nem-nem

Pesquisas apontam, contudo, as profundas desigualdades de gênero que atravessam esse fenômeno. As mulheres totalizam 70% dos 7,2 milhões jovens nem-nem que não estão procurando emprego. Na maioria, essas jovens são a pessoa responsável pelo domicílio ou seu cônjuge (55%), enquanto os homens são predominantemente filhos nos domicílios (68%) .

A Figura 1 também sugere que a permanência das mulheres na situação nem-nem inativa não diminui com a idade, porque elas possuem uma rotatividade menor entre situações de estudos e trabalho remunerado.

No entanto, as jovens nem-nem inativas não estão ociosas: 92% delas cuidaram de afazeres domésticos e/ou de pessoas no domicílio, em comparação a 60% dos homens nem-nem inativos. Por um lado, assim como os homens, elas param de estudar pela primeira vez por já terem estudado o que queriam, por falta de interesse ou por estarem trabalhando ou procurando trabalho (60% das jovens e 70% dos jovens nem-nem inativos) .
A gravidez também é um motivo relevante entre as mulheres (14%) . Por outro, a responsabilidade pelas atividades de cuidado e pelos afazeres domésticos constitui o principal motivo pelo qual mulheres jovens não retornam aos estudos e não se inserem no mercado de trabalho remunerado.

A análise das razões para a condição nem-nem evidencia os efeitos perversos da divisão sexual do trabalho. A sobrecarga do trabalho reprodutivo inviabiliza que as jovens nem-nem tenham sua autonomia econômica garantida, comprometendo o acesso, a produção e o controle de renda e outros recursos próprios, além das escolhas realizadas nesse processo. Mostra, ainda, como parte expressiva desse grupo realiza atividades essenciais para a sociedade e a economia, que, embora sejam trabalho, não são remuneradas e não geram credenciais para vagas formais no mercado de trabalho.

Os impactos negativos do fenômeno se estendem também aos homens. De maneira geral, os jovens nem-nem posteriormente se inserem no mercado de trabalho remunerado (figura 1). No entanto, há efeitos persistentes da interrupção, ainda que temporária, do desenvolvimento de habilidades via educação formal ou experiência profissional, como postos de trabalho mais precários, menor remuneração e maior informalidade.

Jovens que não entram no mercado de trabalho geram um custo econômico por deixarem de contribuir com impostos e por exigir maior apoio de programas sociais, na ordem de 0,6% do PIB (ou R$36 milhões), segundo estudo recente, considerando somente a faixa etária de 15 a 24 anos. Esse custo é próximo ao do Programa Bolsa Família no seu formato até 2021.

Pessoas desocupadas ou inativas também podem desenvolver piores condições de saúde mental e menores níveis de auto-satisfação, cujos efeitos não são desejáveis em si mesmos e podem até reduzir a probabilidade de encontrar um trabalho remunerado no futuro.

Há ainda possíveis consequências para as crianças em domicílios que enfrentam a pobreza. Caso estivessem no mercado de trabalho, os jovens nem-nem contribuiriam para aumentar a renda dos seus domicílios. A pobreza é um dos maiores fatores de risco para o desenvolvimento infantil, pela sua associação a diversos outros fatores de risco (como desnutrição, condições precárias no domicílio, falta de acesso a serviços de saúde, entre outros). Além disso, novas pesquisas têm trazido evidências de que o desemprego dos pais influencia as atitudes e satisfação dos filhos em relação ao trabalho. Assim, é possível que haja consequências para além da geração atual.

Há, portanto, espaço para políticas que visam aumentar a participação dos jovens nem-nem no mercado de trabalho ou reduzir o abandono escolar, especialmente durante o ensino médio. É essencial que haja disponibilidade de creches e pré-escolas de qualidade, que garantam o aprendizado e desenvolvimento das crianças pequenas e que assegurem às famílias a confiança de deixarem seus filhos.

Além disso, políticas de permanência na escola, mecanismos facilitadores da transição escola-trabalho e incentivos para contratação de jovens ao primeiro emprego podem atenuar fatores que levam os jovens a se tornarem nem-nem. Por fim, a focalização em grupos vulneráveis e o desenvolvimento de políticas que visem superar a divisão sexual do trabalho e corresponsabilizar diferentes atores pelas atividades de cuidado, são fundamentais para ajudar as jovens nem-nem a entrar no mercado de trabalho.



Bruno Kawaoka Komatsu
é pesquisador na Cátedra Ruth Cardoso do Insper e professor do Programa Avançado em Gestão Pública do Insper.

Ana Diniz é professora na graduação e pós-graduação do Insper e coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Diversidade e Inclusão no Trabalho da mesma instituição.

Fonte:  https://pp.nexojornal.com.br/ponto-de-vista/2024/01/09/os-impactos-de-nao-estudar-e-nao-exercer-atividade-remunerada-na-juventude-brasileira?utm_medium=Email&utm_campaign=NLDurmaComEssa&utm_source=NLdurma

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