Luiza Sigulem/Folhapress
Jênice Reginato Cunha, 34, e Eduardo Cunha, 35, e as filhas Maria Vitória, 5
, e Maria Clara, recém-nascida, em São Paulo
Método novo no país selecionou embriões
livres de doença hereditária e compatíveis
para transplante
Células-tronco de Maria Clara,
nascida no sábado, serão
transplantadas na irmã
com talassemia
Maria Vitória, 5, nasceu com talassemia major, doença hereditária que prejudica a produção de glóbulos vermelhos. A cada 18 ou 21 dias, ela tem de passar por transfusões de sangue.
O nascimento de sua irmã Maria Clara, no último sábado, pode pôr um fim nessa rotina. O bebê foi gerado a partir de um de dois embriões selecionados entre dez em um tratamento de fertilização in vitro feito pelos pais.
A seleção buscou embriões que não tivessem a talassemia major e fossem compatíveis para doar células-tronco em um transplante que pode curar Maria Vitória.
Os pais, o advogado Eduardo Cunha, 35, e a biomédica Jênyce Reginato da Cunha, 34, são portadores da talassemia -não têm a forma grave da doença.
Depois de ter Maria Vitória, eles queriam outro filho e procuraram médicos para evitar o nascimento de mais uma criança doente: quando os dois pais têm o gene da talassemia, a chance de gerarem um filho com a forma grave da doença é de 25%.
Eduardo conta que, após ver uma reportagem há cerca de quatro anos sobre o nascimento na Europa de um bebê selecionado para ajudar o irmão, quis tentar o mesmo.
"Não tivemos Maria Clara só para curar nossa filha. Era nosso sonho ter mais filhos, mas se desse para conciliar isso, por que não?"
O primeiro passo do tratamento foi a estimulação ovariana, para que a mãe produzisse óvulos a serem fertilizados. Na primeira tentativa, todos os embriões formados tinham a doença. Na segunda, foram formados dez. Dois deles tinham as características desejadas: eram livres da doença ou só portadores do gene e eram compatíveis com Maria Vitória para a realização do transplante.
O geneticista Ciro Martinhago foi o responsável por criar o método de seleção dos embriões. Ele explica que a escolha para a implantação de embriões livres de doenças genéticas já era feita. A novidade foi a compatibilidade para transplante.
"O mais importante é o componente psicológico. A criança não pode vir ao mundo só para salvar a irmã, senão ela vai se sentir usada. Preparei o casal e vi que eles tinham condições."
No momento do nascimento de Maria Clara, células-tronco de seu cordão umbilical foram selecionadas e, depois, congeladas. Um transplante dessas células, ainda sem data, mas que deve acontecer depois de alguns meses, vai repovoar a medula óssea de Maria Vitória e fazer com que ela produza glóbulos vermelhos normais.
Segundo o hematologista Vanderson Rocha, do Hospital Sírio-Libanês, onde o transplante deverá ser realizado, o procedimento trará uma chance de até 90% de sobrevida livre da doença para a menina.
Eduardo conta que Maria Vitória não sabe detalhes sobre sua doença e nem tem ideia de como o nascimento da irmã pode mudar sua vida. "Ela só pergunta: 'Quando vou parar de tomar sanguinho?'. A gente diz que vai ser logo, logo."
Procedimento é ético, dizem especialistas
DE SÃO PAULO
A escolha de embriões para gerar um bebê livre de doença genética e compatível para doar células-tronco para um irmão não traz problemas éticos, segundo especialistas.
O presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana, Artur Dzik, afirma que o procedimento é um avanço em termos de medicina preventiva. "Foi possível garantir o nascimento de um bebê sem talassemia e aumentar a probabilidade de essa irmã ajudar o tratamento com o sangue de seu cordão umbilical."
O procedimento é novidade no Brasil mas já é feito há cerca de dez anos na Europa e nos EUA.
"São cerca de 400 casos de sucesso no exterior", afirma Ciro Martinhago, responsável pelo método de seleção usado no caso das irmãs brasileiras.
Ele destaca, porém, que o método não pode ser usado simplesmente para gerar irmãos compatíveis para transplante em casos de doenças não hereditárias.
"Se o casal tem um filho com leucemia, não dá para escolher um embrião para gerar um doador. O que nos ampara nesse caso [de Maria Clara] é o fato de a doença ser genética. Se vamos selecionar o embrião para não ter a doença e podemos salvar a irmã, por que não?"
Edson Borges, da clínica Fertility, que fez a fertilização, afirma que os embriões não implantados foram descartados, parte deles por terem talassemia e parte por apresentarem problemas morfológicos.
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Fonte: Folha on line, 16/02/2012
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