quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Como reverter a feminização da pobreza

Stephanie Seguino
Os governos devem implementar leis contra a discriminação e programas de ação afirmativa que ajudem as mulheres a saírem da pobreza, disse em entrevista à IPS a economista Stephanie Seguino. O “financiamento para a igualdade de gênero” está no centro de alguns dos problemas de difícil solução que as mulheres enfrentam no mundo. Também define se existe, ou não, a vontade política de destinar recursos reais para solucioná-los ou simplesmente se fala sem chegar a nada de concreto.
Entre 27 deste mês e 9 de março, ministros e delegados da sociedade civil se reunirão na sede da Organização das Nações Unidas (ONU) por ocasião da 56ª sessão da Comissão sobre o Status da Mulher (CSM). A reunião deste ano é especialmente crucial porque avaliará até que ponto os governos cumpriram as promessas assumidas na 52ª sessão, em 2008, para estimular o financiamento destinado à igualdade de gênero e ao poder das mulheres.
Stephanie Seguino, professora de economia na Universidade de Vermont, nos Estados Unidos, participará dos debates da CSM como integrante de um painel sobre experiências nacionais na implementação dos acordos de 2008. A IPS conversou com Seguino sobre como a atual crise econômica afetará as mulheres e sobre o papel dos governos na elaboração de políticas que promovam não apenas a igualdade, mas também um desenvolvimento sustentável para toda a sociedade.

IPS - Os baixos salários e o desemprego das mulheres são um problema persistente em todo o mundo desde muito antes da atual crise financeira. Como o financiamento da igualdade de gênero pode enfrentar estes assuntos?
Stephanie Seguino - Alguns dos problemas de baixos salários e desemprego das mulheres podem ser tratados por uma perspectiva de gênero ao se abordar os gastos públicos, bem como as políticas antidiscriminatórias. Claramente, são cruciais as políticas para promover a educação das meninas. Entretanto, mais do que isso, as políticas para reduzir a carga que implicam para as mulheres os cuidados de outras pessoas e para promover a participação dos homens nas tarefas de cuidados não remuneradas – como a licença paternidade – liberam tempo das mulheres para realizarem trabalhos pagos. Também ocorre que os investimentos públicos em infraestrutura, que melhoram o acesso das mulheres aos cuidados com a saúde – clínicas rurais, pessoal qualificado – e reduzem o tempo que passam em busca de água e combustível, ou levando produtos ao mercado, as ajudam a participar de atividades produtivas.
Os programas de capacitação dirigido a mulheres, especialmente para postos “masculinos” não tradicionais, são importantes. Nas economias agrícolas, os governos podem oferecer garantias de empréstimos onde as mulheres carecem de títulos de propriedade sobre a terra para facilitar seu acesso a créditos. Contudo, mesmo estas medidas serão insuficientes para combater a desigualdade salarial. Os governos têm que desenvolver e aplicar firmemente legislação antidiscriminação, e programas de ação afirmativa. Os governos podem servir como modelos, garantindo que um mínimo de postos de liderança seja ocupado por mulheres, 30%, ou mais.

IPS - A Declaração do CSM de 2008 expressa preocupação pela “crescente feminilização da pobreza”. Isto é uma tendência com probabilidades de continuar no futuro próximo?
SS - As forças da globalização continuam pressionando para baixo os salários dos trabalhadores, o que faz ajustar os orçamentos do setor público (devido à menor carga tributária corporativa e às reduções das cobranças tarifárias). Assim, é provável que as mulheres tenham um mau desempenho, especialmente no contexto de um alto desemprego. Isto se deve à tendência de se considerar que os homens merecem mais os postos de trabalho quando estes escasseiam. Enquanto não resolvermos estas pressões macroeconômicas negativas, que reduzem o crescimento e causam escassez de emprego e maior desigualdade, será difícil resolver o problema da pobreza das mulheres e das crianças sob seus cuidados.

IPS - A senhora descreveu que “esta crise fornece uma oportunidade para repensar o papel do governo na economia”. Pode explicar brevemente essa ideia?
SS - Esta crise tem suas raízes na desregulação mundial das economias, que conduz a fracassos de mercado, ao aumento da desigualdade, junto com uma maior insegurança econômica. As empresas buscam ganhos frequentemente à custa de um bem-estar comum. Não se trata de condenar as corporações por seu comportamento. As firmas buscam maximizar seus lucros no contexto de normas sociais que regulam suas ações. Isto apresenta dois desafios para os governos.
Primeiro, devem identificar e aplicar uma série de normas e regulações que sejam suficientemente flexíveis para permitir às firmas inovarem, ao mesmo tempo em que exigirem que essas empresas alinhem seus objetivos de lucro com o bem-estar social. Para dar um exemplo, as companhias tentam reduzir seus custos para elevar os lucros. Podem fazer isto baixando salários ou inovando, e, portanto, elevando sua produtividade. Sua opção sobre qual caminho para reduzir custos escolher dependerá da série de incentivos que os governos determinarem. Se um governo fixar e implementar um salário mínimo, as companhias serão obrigadas a inovar para poderem competir, o que é bom para ela, os trabalhadores e a sociedade em sua totalidade.
Segundo, os governos têm um importante papel na hora de investir em áreas cruciais para atrair em grande quantidade os investimentos privados. Por exemplo, os investimentos em infraestrutura e educação são bons para os negócios porque reduzem seus custos. Também é bom para toda a sociedade. O desafio é abordar cuidadosamente estes gastos, para que consigam estimular os investimentos empresariais que levem a maiores rendas. Um desafio relacionado é identificar os investimentos que permitem uma abordagem de gênero.
Como disse antes, há parte do gasto público que antes se pensava como bem-estar social, e que, na realidade, é um investimento em infraestrutura social, por exemplo, em educação, saúde e programas de transferência condicionada de renda. São investimentos porque melhoram a capacidade produtiva da economia, gerando uma corrente de benefícios no futuro, que podem ser usados para pagar a dívida derivada de financiar estes gastos. O conceito de infraestrutura social não está bem desenvolvido. É um conceito importante e uma via importante para promover a igualdade de gênero de maneiras financeiramente sustentáveis.
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Reportagem por Mathilde Bagneres, da IPS

(Envolverde/IPS)
Fonte: http://mercadoetico.terra.com.br/29/02/2012

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