A teoria do salto

Juremir Machado da Silva*

Crédito: arte joão luis xavier

A vida se decide nas pequenas coisas. Napoleão sabia disso. Cuidava de tudo. É dele esta frase profunda em estado de alerta: "Do sublime ao ridículo é apenas um passo". Estrepou-se quando deu o passo maior do que as suas pernas curtas. Van Gogh não deixou por menos: "As grandes coisas não são feitas por impulso, mas através de uma série de pequenas coisas acumuladas". Por descuido, fez só grandes coisas, mas não as acumulou. É isso aí: a vida depende de detalhes. É na minúcia que tudo se decide. Por exemplo, o que você ouvia na adolescência.

- Rock ou MPB?

- MPB.

- Beatles, Rolling Stones ou The Jordans?

- The Jordans.

- Janis Joplin ou Celly Campello?

- Celly Campello.

- José Mauro de Vasconcelos ou Carlos Castañeda?

- "Meu Pé de Laranja Lima".

- Beethoven ou José Mendes? - opa, isso é um contrabando.

Nada a fazer. Os dados estão lançados. Você nunca dará o grande salto. Poderá, claro, com muito esforço, remediar a situação, mas o estrago já está feito. Terá de trabalhar dobrado. Andará sempre meio fora de sintonia. Poderá chegar a Olegário Lima, mas não a Paulo Coelho e a Eduardo Bueno. Muito menos a Michel Houellebecq. Sem a geração beat, sem rock, sem maio de 1968, sem cultura pop, hippie, nada feito. Só lhe restará o ressentimento. A vida é assim, tudo se decide no detalhe do estilo.

- Bráulio ou Sérgio?

- Sérgio.

- Emilinha Borba ou Marlene?

- Guimarães Rosa ou Mário Palmério?

É questão de sedimentação do imaginário, da formação do juízo do julgador. Quer dizer, relativizando, sem mágoas, tudo ficará muito mais difícil e demorado. Mas, pensando bem, a vitória, o sucesso, ainda será possível. Tudo dependerá do talento de cada um. O essencial, porém, é outra coisa, um elemento que fala mais do que a leitura das cartas, do que o seu mapa astral, do que a sua mãe, do que o seu boletim, o seu time de botão na infância.

- Puxador ou panelinha?

- Panelinha.

- Um toque, dois toques ou toque-toque?

- Toque-toque.

Aí não tem o que fazer mesmo. É definitivo. Como disse Lao-Tsé: "Governa-se um grande estado assim como se frita um pequeno peixe". Nada mais claro e verdadeiro.

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* Sociólogo. Escritor. Tradutor. Prof. Universitário. Colunista do Correio do Povo 

juremir@correiodopovo.com.br

Fonte: Correio do Povo on line, 19/02/2012